
Alguém por aqui precisava abrir a caixinha de El Flaco e de sua obra máxima, Artaud. Agora que o Márcio já o fez, vambora!
É difícil começar a falar de um álbum que é considerado por 10 em cada 10 fãs de música na argentina como o melhor álbum do país de todos os tempos. É também muito difícil descortinar um trabalho que parte de influências musicais e literárias e as filtra a partir de uma sensibilidade pessoal tão rara. O que não é difícil é ouvir Artaud inúmeras vezes, até sangrar os ouvidos. Alternando o bom e velho rock (Cementerio Club, por exemplo) com canções acústicas de rara força, Spinetta faz, à sua maneira, uma espécie de Pet Sounds argentino. Um disco perfeito em cada sílaba. Em cada frase de guitarra. Em cada suspiro.
Mas isso tudo até aqui foi só propaganda. É bom partir do que o Márcio já falou para lembrar daquilo que deriva da obra. Recentemente um dos meus grandes amigos, o Diego, me presenteou com o livro Vamonos de Aquí, de Fidel Sclavo. O escritor uruguaio propõe uma imersão criativa a partir do disco. Não um “livro do disco”, apresentando o contexto cultural e a ficha técnica, mas uma viagem a partir deste. O autor destaca as mil relações de Spinetta com Van Gogh e Artaud, que dá nome ao disco.
Resumindo muito, são as figuras loucas da história da cultura que parecem reverberar à época na mente de Luis. A loucura febril e suicida de Artaud (ou Gogh) expandem os horizontes roqueiros de um jovem que, então, trazia a experiência de sua banda anterior, Almendra, já bem escolada em criar uma versão argentina para os sons que os Beatles e os Kinks defendiam lá fora. O resultado é este imenso Artaud. Um disco que explode para todos os lados. Chega até ao Brasil (Sclavo destaca as influências concretistas na canção Por), mas não fica só nisso.
Não se confina nem ao rock, mas finca seus pés no gênero* em função de duas importantes características suas, geralmente negligenciadas – a rebeldia e a transgressão. E aí, novamente, me lembro dos “musos” inspiradores de El Flaco nesta obra; Artaud e Gogh. Os suicidados por la suciedad, os loucos, os inquietos. Spinetta encontra, na poesia marginal e nas cores errantes, as pontes amarelas (de sua Cantata de Puentes Amarillos) que fazem o trajeto entre suas angústias internas e as angústias do resto do mundo.
E é em um brinde à loucura transgressora que encerro essa minha primeira imersão na obra de El Flaco, com um trecho de A Starota, El Idiota– uma das canções mais brutais do disco.
Ya nada puedo hacer por él
Él se quemará
Mirando al sol
Y es esta la historia
Del que espera para despertar
Vámonos de aquí
*Acho fundamental a lembrança que Márcio faz em seu texto a respeito do manifesto de Spinetta, que atesta a necessidade que o artista sentiu em se vincular às (verdadeiras) tradições do rock.