
O (assim chamado) indie contemporâneo parece ter se dividido em duas grandes tendências. A primeira (que pra mim já deu no saco) fez chegar ao alternativo a quantização absoluta, a afinação das vozes e os “truques” de produção que têm criado um padrão – quase sempre genericamente classificado como shoegaze ou dreampop. Tudo no grid, tudo afinado, vocais enfiados lá no meio da mix com muito reverb e pronto. Tem-se uma fórmula.
A segunda grande tendência é a que Sharp Pins representa. A de uma espontaneidade tão absoluta que parece até que o disco foi gravado em fita em uma garagem (provavelmente foi). Se essa tendência surge da saturação da primeira eu não sei. Mas o fato é que existem inúmeros projetos apontando criativamente para este caminho, com muita autenticidade. Afinal, é muito mais fácil ser autêntico quando se aceita o erro e não se mete demais a mão na produção. O que eu chamo de rock alternativo (ou indie, vai) foi sempre baseado nisso.
Radio DDR é o álbum solo de Kai Slater, da banda Lifeguard. Seu primeiro disco, e um exercício único de composição e perfomance. O artista, no alto de seus 20 anos de idade (!!!) entrega um álbum de hit alternativo atrás de hit alternativo. Sempre com muito chiado, desafinadas e guitarras estraladas. É evidente que a primeira faixa já nos aponta diretamente para a referência mais óbvia (Guided By Voices), mas é preciso cavar um pouco mais fundo pra entender de onde o artista tira exatamente sua inspiração.
Podemos começar de trás pra frente, pois é na canção que encerra o disco, With a Girl Like Mine, que a ficha cai mais facilmente. Com um vocal assustadoramente parecido com o de John Lennon (com a sensação de similaridade reforçada pela dobra vocal) Slater se entrega. Aí somamos os outros elementos, como a Rickenbacker (que garante o estraladinho sessentista da guitarra) e as melodias perfeitas com partes A, B e C como podemos ouvir em canções como Lorelei ou Race For The Audience. Sim, é puro Beatles. Como foi boa parte do indie noventista, que levou ao esquema de garagem uma certa obsessão com o rock de canções eternizado em Liverpool ou na Califórnia 30 anos antes.
Eu não acho que isso volta por pura nostalgia. Kai Slater faz questão de nos lembrar o quão pertinente isso tudo ainda é, nos entregando um disco irresistível. Radio DDR ainda nos faz o favor de melhorar na reta final. A partir da (perfeita) Run For The Audience, é só pedrada, como os singles I Can’t Stop e Storma Lee.
Para quem anda pirando com projetos como Cindy Lee e Being Dead, Sharp Pins é mais uma excelente pedida. Mais um projeto para confirmar minhas hipóteses, e para mostrar que certas culturas podem até sair de moda por uns tempos, mas não morrerão jamais.