Uma defesa da promoção do arrocha como ferramenta de “soft power”

Porque às vezes você está tranquilo trabalhando e vem à cabeça: "toma sequênciaaaa/toma sequência de paaaaau".

J. Eskine, o Gângster do Arrocha

“Primeiramente, vou lançar um pronunciamento aqui antes, né
Que na Bahia o que bate é maluquice
Então, eu vou lançar de maluquice aqui
Se for pra me escutar e levar a sério, nem escute
É, a parada é essa
Eskine, o gângster do arrocha
Bota a peça pra cima, tô brincando, calma
É arrocha, vamo descolar
Alô, Levi, alô, DDL, assim, ó
Ó, pega”

Começa assim.

E Esquine tá certo: o que bate na Bahia (e no Brasil como um todo) é maluquice.

A maluquice? Em 5 minutos e 54 minutos de música (uma duração impensável para um hit*), J. Esquine, o Gângster do Arrocha, faz um mashup/medley de referências a outros hits do pagode baiano, do funk e de diversos estilos da (verdadeira) música popular brasileira.

Tem espaço pra tudo: “Passinho do Romano”, “Dancinha do Manoel”, “Pau nas candjanga” e, claro, espaço para a inovação de um verso com referência ao maldito Jogo do Tigrinho. E não é qualquer verso, mas o seguinte:

“Solta a carta, caralho, tigrinho filha da puta
Pra eu pegar o meu dinheiro e comer umas quatro puta
Solta a carta, caralho, tigrinho filha da puta
Pra eu pegar o meu dinheiro e comer umas quatro puta”

Isso tudo é embalado por uma única sequência de acordes (B-G#m-Ebm-C#) a música toda, na estrutura de progressão: IV – ii – vi – V (não diatônica clássica…alguém confirma?**).

J. Esquine surfa como um cantor habilidosíssimo por essa estrutura aparentemente simples. Além da façanha do mashup, demonstra uma enorme capacidade de tensionar melodias. E, é claro, isso tudo em cima de um arranho tipicamente associado ao Arrocha.

O ritmo, surgido na Bahia neste século, é extremamente inventivo. Como quase tudo na música popular brasileira, bebe de fontes tradicionais para atualizá-las em arranjos modernos, na melhor tradição antropofágica. As raízes culturais do fenômeno são sólidas, como afirma o doutor em Etnomusicologia da UFBA, Aaron Lopes:

“O arrocha é um estilo musical descendente do bolero, ritmo de origem hispânica muito popular no Brasil desde o início do século 20 e muito executado, na Bahia, nas festas de seresta e boemia. O arrocha surge como uma variação de estilização do bolero, a partir de variação rítmica, novas sonoridades e repertório fundamentalmente romântico.”

Vocês podem achar que estou falando sério demais sobre uma música que já anuncia logo no início que “Se for pra me escutar e levar a sério, nem escute“. Acontece que, na minha humilde opinião, não se levar a sério é a coisa mais séria que existe. A canção brasileira, quando bate de verdade, não é só por “maluquice”, como nos lembra Esquine. É também por um profundo senso de síntese sensível em progressões potentes e melodias essencialmente melancólicas. Que isso esteja rodeado por “sequências de paus” e “xerecas raspadinhas”, é só a cereja do bolo.

Não é sério, mas é sério. Se exportássemos essas pedradas como estratégia de soft power, passávamos a Coreia do Sul neste aspecto em muito pouco tempo.

Ouçam a seguir um dos maiores hits de 2025:

*Eu insisti que o 1º single do trabalho novo da godofredo fosse uma canção de 5:25, sob protestos. Eu estava convencido de que era a melhor escolha. Vocês poderão comprovar isso daqui a algumas semanas, dia 26/02.

**Eu sou um tonto com esse negócio de teoria musical, mas me parece que é isso.

Fontes:

Matéria do Estadão: https://expresso.estadao.com.br/naperifa/genero-musical-arrocha-revela-talentos-do-interior-da-bahia-para-o-brasil/

Matéria G1: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2025/01/23/j-eskine-de-resenha-do-arrocha-bombou-cantando-safadeza-mas-prefere-letras-romanticas.ghtml