Episódio #192 - Melhores Discos de 2022
No último episódio de 2022, nossa equipe com Bruno Leo Ribeiro, Vinícius Cabral, Márcio Viana e Brunno Lopez, escolhem os melhores discos do ano com gostos variados. Tem muito Rock, Indie, Hard Rock, Pop, Metal e muito mais. Tudo isso com muita emoção, clubismo e um pouco de razão. Entre os mais de 80 discos internacionais e Nacionais citados estão artistas e bandas como, Beyoncé, Rosalía, Harry Styles, Gang of Youths, Alter Bridge, Panic At The Disco, Arctic Monkeys, Kendrick Lamar, Taylor Swift, Ratos de Porão, Planet Hemp, Mundo Livre S/A, Black Pantera, Animal Collective, Alvvays, Big Thief e muito mais. Confira o que você ainda não ouviu no ano e descubra o que fez nossas cabeças em 2022. Ouça, divirta-se e compartilhe. Abaixo leia nossos reviews e a lista completa.
TIRANDO O ATRASO
Tem anos que valem por décadas, com acontecimentos históricos que se acumulam e nos atordoam. Depois de uma pandemia paralizante, 2022 pareceu ser um ano para, como se diz, "tirar o atraso". Lançamentos mil, festivais retomando, bandas novas marcando seus espaços. O flood digital de conteúdos e lançamentos começou a ser freado, porém, pelo ímpeto "analógico" dos artistas independentes, que se lançaram em shows e turnês com cada vez mais entusiasmo. Teremos uma volta às origens, ou será possível conciliar a ânsia de lançar material o tempo todo com a calmaria da construção lenta e gradual de público?
Em termos de tendências, 2022 não decepcionou nem um pouco. O rock venceu, como diz o meme. Mas é sério. No Brasil, bandas clássicas tiraram o mofo dos coletes e partiram para o ataque: Planet Hemp, Ratos de Porão, Mundo Livre S/A, entre muitas outras. Na américa latina, um excelente circuito de bandas extremamente promissoras (e alguns artistas já consagrados) começam a furar as bolhas do continente, rumo a um hype internacional. Até no pop foi também a américa latina que ditou, literalmente, o ritmo: foi o ano do reggaeton, estilo que embalou os maiores hits da temporada e alguns consensos de público e crítica (como Motomami, de Rosalía). Em outros subgêneros, o ano também foi frutífero. O jazz segue andando bem, assim como o metal, o sludgemetal, o neo-soul e o hip-hop. Teve som para todos os gostos.
Mas também foi um ano de perdas. No caso brasileiro, duríssimas. O falecimento de Gal Gosta, Erasmo Carlos e Rolando Boldrin resumem a dor de ver uma geração se despedindo. Outro que se despede (este apenas dos palcos, ainda bem) é a lenda Milton Nascimento, sinalizando a consagração definitiva daquilo que o artista e o seu Clube da Esquina representaram para a história da música internacional. Há muitas nuances destas esquinas ainda a serem desbravadas. Nossos ouvidos agradecem todas as homenagens, enquanto sonham com um futuro que preserve o legado que os mestres nos deixaram.
Para respirar fundo e seguir adiante, após tantos anos de desgraças e perdas, 2022 começa a nos nutrir de forças contra o negacionismo e o extremismo. E é ao som de muita música boa que podemos estufar o peito e enfrentar as batalhas que virão. Com altivez, empolgação, e esperança. E claro, tirando o atraso, em todos os sentidos, para colocar no mundo todas as lindas ideias represadas por tragédias naturais e pelo assalto cognitivo malicioso empreendido contra nós recentemente. A arte, e as ideias realmente progressistas, vencerão.
Obrigado a todos por mais um ano acompanhando nosso Silêncio no Estúdio!
BRUNO LEO RIBEIRO
Se em 2021 eu ouvi todos os lançamentos possíveis do ano pra tentar acompanhar as tendências e novidades, em 2022 eu desacelerei. Foi exaustivo ouvir mais de 250 lançamentos no ano passado. Foi uma correria só e não consegui digerir quase nada com calma.
Em 2022, resolvi ouvir com mais calma. Se ouvi 80 discos lançados no ano, foi muito. Normalmente os grandes lançamentos acontecem na sexta-feira e decidi pegar no máximo 3 discos pra ouvir durante a semana toda. Nesse ritmo, consegui apreciar com mais cuidado e digerir as nuances de uma obra.
Tivemos grandes hits em 2022, mas discos com consistência e inovação foram poucos. The Weeknd fez um disco que consegui gostar de algumas coisas, mas é um disco muito repetitivo e enjoativo. Outros discos que ouvi bastante no ano, mas que ficaram de fora da minha lista pessoal e clubista foram os discos do SEVENTEEN, Mitski, Florence + The Machine, Black Midi, Korn, Lamb of God e o Return of the Dream Canteen do Red Hot Chili Peppers.
Minha lista, abaixo, foi feita 100% emocionada e com 10% de critério crítico focado na obra. Tem Pop, Jazz, Indie, Metal, K-Pop e muito Rock Nacional (tive que fazer uma lista separada. Teve muita coisa boa e necessária). Cada vez mais misturado, cada vez mais vira-lata caramelo.
Se o Midnights fosse um disco na sequência do Lover de 2019, ele seria um disco melhor. O contexto da produção e sonoridade do disco, atrapalha um pouco as composições. É um disco com algumas músicas e letras excelentes, mas tem algumas coisas bobas e algumas músicas puláveis. Vigilante Shit é constrangedora. Eu sou Swiftie e claro que insisti e ouvi até gostar. Depois de algumas semanas ele cresceu no meu gosto, mas ainda acho que ele só é melhor que o primeirão dela e o Lover. É um disco sem nada épico e memorável, mas é gostosinho de ouvir por ser novidade. Talvez o gerenciamento de expectativas tenha atrapalhado no meu julgamento. Mas dá pra ouvir em loop "Question…?", "Karma" e "High Infidelity" da versão 3am (música bônus).
Entrando na minha lista na prorrogação, foi o Renaissance da Bey. É um disco cheio de hits, mas é um pouco exaustivo. Não tem muita consistência pra ser um álbum conciso e amarradinho, mas é divertido e dançante. Parece um álbum que foi feito com cara de playlist. Talvez esse seja o conceito do disco, então acabou entrando nos meus favoritos na última hora.
Um disco com cheiro de cinzeiro de carro velho. Nunca fui fã do Arctic Monkeys, mas esse disco com cheiro, gosto e aparência de French Pop dos anos 70 me pegou. Toda a malemolência e clima de música de canastrão me empolgaram. É um disco divertido e que parece ter sido feito em homenagem ao grande mestre Serge Gainsbourg. É um disco perfeito pra ser trilha sonora de um brechó chique, cheio de casacos de velha rica e cheiro de naftalina. Adorei.
17. Ghost - IMPERA
Confesso que sempre achei o Ghost meio hypado e com um certo nível de delírio coletivo, mas no IMPERA eles fizeram o que eles sabem fazer melhor… misturar ABBA com Mercyful Fate. Fazer um metal feijão com arroz, misturando a cultura de refrões Pop grudento da escola sueca de se fazer Pop é um grande feito. Acho que a banda chegou ao seu melhor nível e gostei bastante do IMPERA. Ainda acho que a banda é um pouco superestimada e estão longe de serem a salvação do Heavy Metal, mas é divertido de qualquer maneira.
Depois de vários anos sem nenhum disco novo, os mestres Rock Pop de muito bom gosto estão de volta. É um disco sobre saudades, críticas sociais foda e como podemos envelhecer de uma boa maneira. O The Tipping Point é excelente e nos deu hinos como Breaking The Man que é coisa fina. A dupla Roland Orzabal e Curt Smith é nível Lennon/McCartney. Não é exagero.
Dentro do que se faz do Pop, a Rosalía resolveu fazer arte. Motomani é uma aula de "storytelling" num disco. A narrativa e a jornada durante o disco é excepcional. Não é um disco de diva Pop, é um disco de uma artista. Algumas pessoas escolhem fazer música e acabam virando mais celebridades do que artistas. Já a Rosalía faz arte. É um disco difícil de digerir pra quem espera um disco de hits Pop, mas pra quem curte música bem feita e inovadora, com certeza vai gostar. Pra mim é um dos discos mais criativos do ano.
2022 nos deu de presente aquele Rock moleque, descolado e inovador com o Fontaines D.C. Produção excelente e uma sonoridade impecável de um disco que mostra que o Fontaines é uma das melhores bandas de Rock da nova geração. É um post-rock moderno, mas é também nostálgico. Uma banda pra ficar de olho e acompanhar a carreira. Ainda tem muita coisa pra oferecer.
Apesar do disco parecer longo demais em uma primeira audição, o Gang of Youths é criativo, grudento, acessível e divertido. É um disco pra animar o dia. Soa bem em qualquer momento do seu dia. Linhas melódicas memoráveis e hinos como "in the wake of your leave". Os australianos do Gang of Youths fazem um som com personalidade. As linhas melódicas de voz são meio soltas e reais. Mesmo com 13 músicas, o disco passa e você nem percebe de tão consistente. Uma das descobertas de 2022 mais legais.
O disco de estreia da dupla King Hannah é uma delícia. Meu texto sobre esse disco poderia ser apenas essa frase. É um som pra dar play e ouvir de olhos fechados com um temperinho de Portishead. Música pra pegar uma taça de vinho, deixar a luz baixa na sala de casa e curtir todo o clima de sedução e melancolia. É um disco essencial para escapar das loucuras dos tempos atuais. É nostálgico, mas inovador e novo. Uma super estreia.
O Harry Styles resolveu fazer um disco com as influências de tudo que ele gosta. Tem elementos de Peter Gabriel, Prince, Simon & Garfunkel, Beatles e Fleetwood Mac. Se você consegue juntar todas essas influências com bom gosto, certamente você vai ter um ótimo disco. A produção mínima faz as composições se destacarem sem maquiar músicas medianas com muito enfeite. É um disco simples que funciona numa banda com 4 integrantes. É um disco direto e delicioso de ouvir. As It Was, um dos maiores hits do ano, está longe de ser a melhor música do disco. Satellite dá um banho e deveria ser um single do disco. Então vai ter que ouvir lá pra concordar comigo.
10. Daniel Johns - FutureNever
O Daniel Johns, ex-líder do Silverchair, veio com seu segundo disco solo este ano e foi um disco surpreendente. Não tem nada que se pareça com Silverchair. É um disco muito mais sofisticado, experimental e até de certa forma, Pop. O Daniel Johns é um desses geniozinhos que começam muito cedo na música e precisam se expressar de alguma maneira independente do estilo musical. O FutureNever é um disco sobre dor, alegria, sentimentos e reflexão. É um disco que tem pitadas de Prince e Indie Eletrônico. Com certeza foi uma das mais adoráveis surpresas pra mim, em pleno 2022, o Daniel Johns ainda tenha gás pra fazer um trabalho com músicas geniais.
9. Nilüfer Yanya - PAINLESS
A britânica Nilüfer Yanya fez um disco primoroso. Ela faz uma mistura de guitarras marcantes com bateria sequinha e vocal meio espacial. Se o Indie mora no fundinho do meu coração, o Painless acertou em cheio no alvo. É um disco com tudo que eu gosto de Indie Rock. Melodias interessantes, instrumental cheio de camadas e transições de acordes diferenciados. É um disco pra ouvir várias vezes e ir descobrindo todos os seus detalhes. Simplesmente genial.
8. Big Thief - Dragon New Warm Mountain I Believe in You
Talvez o disco mais real do ano. Feito com honestidade e naturalidade. A produção mínima, mostra como um disco praticamente gravado ao vivo tem que soar. Tudo soa orgânico. Numa era em que tudo é plastificado, nada melhor que ouvir um disco bonito e feito por seres humanos sem super edições. O disco duplo tem 20 músicas, mas tá longe de ser cansativo. Dá pra dar play e ouvir tudo de uma vez e ainda nem ver o tempo passar. Adrianne Lenker é genial e poderosa. Ela faz arte com verdade e emoção e suas interpretações são coisa fina. A faixa Little Things foi uma das músicas que mais ouvi no ano. Certamente uma obra de arte que em 20 anos será debatida em todas as esferas musicais.
7. Machine Head - Of Kingdom and Crown
O Machine Head é aquela banda que eu curto, mas nunca virei fã. Eu admiro demais o som da banda que tem uma personalidade forte e características inovadoras e únicas. Os riffs de guitarra sempre tem aquelas notinhas harmônicas que dão um charme especial. Só fazer riff rápido e pesado é entediante e o Machine Head não vai pra esse lado. A criatividade da banda, suas transições, melodias, riffs e ritmos tem o equilíbrio perfeito entre o peso do Thrash Metal da Bay Area e o Metal Progressivo. O disco é baseado no Anime Attack On Titan, depois que o filho do líder da banda, Robb Flynn, mostrou a obra pro pai e ele ficou fascinado. Certamente depois do The Blackening, um dos melhores discos de metal da história, o Machine Head fez o seu segundo melhor disco da carreira. Se no Thrash Metal temos bandas que fazem/fizeram a mesma coisa durante toda a sua história, o Machine Head nunca teve medo de testar e se modernizar. Quem sabe um dia eu vire fã de verdade. Por enquanto eu sou apenas um grande admirador. Se tiver show eu vou sempre.
6. Ezra Collective - Where I'm Meant To Be
O coletivo de Jazz Inglês fez um disco alegre, inovador, cinematográfico, vivo e espetacular. Jazz é sobre vocabulário e eles fazem um Jazz com mistura de música Latina, Hip Hop, Reggae, Soul e Funk. As partes instrumentais são divinas e musicais. Muitas vezes o Jazz me perde nas aleatoriedades, mas em Where I'm Meant To Be, tudo está no lugar certinho. Tudo muito bem pensado e tocado. São 14 músicas que surpreendem em vários momentos. Um disco delicioso de se ouvir.
5. Soccer Mommy - Sometimes, Forever
Texturas, tristeza, melancolia, agonia, beleza e lucidez. Tudo isso muito bem misturado no terceiro disco da Sophie Allison, mais conhecida como Soccer Mummy. Um dos plays mais agradáveis de 2022, me cativou do começo ao fim. Um disco pra se ouvir em loop e se envolver nos sentimentos e melodias. Soccer Mummy fez um disco ousado como o Live Through This do Hole e com pitadas de Stories from the City, Stories from the Sea da PJ Harvey. Com essa geração com Snail Mail, Soccer Mommy, Lucy Dacus, Phoebe Bridgers, Japanese Breakfast, Mitski e Julien Baker, o futuro da música está muito bem representado pelas mulheres.
4. Key - Gasoline - The 2nd Album
Ano passado, um dos discos que foram parar na minha lista de melhores do ano foi o primeiro mini álbum solo do KEY, integrante do SHINee, chamado BAD LOVE. O BAD LOVE foi um disco que mostrou pra mim e pra todo mundo que ouviu, que a saturação na experimentação do pop da Coreia do Sul é muito acima da média. A produção, composição e inovação nas transições e melodias, são o mais puro ouro do que se pode fazer no Pop mundial.
Enquanto artistas chegam no limite do ciclo e fazem discos retrôs, KEY chega mais uma vez, agora com seu segundo lançamento completo chamado Gasoline, mostrando que ainda dá pra puxar mais pra cima o sarrafo e não precisa fazer um disco em homenagem ao passado.
O que se destaca na diferença entre o BAD LOVE e o Gasoline talvez seja na voz. O ataque da voz nas melodias, fazem que cada música seja uma surpresa. Num mundo onde o Pop tá cada vez mais genérico e seguro, feito pra ser música de fundo de lojas de Fast Fashion, ouvir o Gasoline é uma agradável surpresa. Vale cada segundo do seu play.
3. Meshuggah - Immutable
O famoso Djent é basicamente um Pop Metalcore que coloca uns riffs com tempos quebrados com um refrão com vocal meio Pop Punk e pronto. Por isso que acho que o Meshuggah detesta ser chamado de "inventores do Djent", pois eles não fazem Djent. Eles fazem um Extreme Jazz Metal. Em Immutable, eles acertaram mais uma vez. É um disco de uma banda que não tem mais nada pra provar. Quando a gente acha que o Meshuggah chegou ao seu limite e vai começar a se repetir, eles vão lá e lançam mais uma pedrada. O Meshuggah é uma das bandas mais inovadoras da história do metal e não existe nada parecido. Eles influenciaram talvez as novas bandas pra formarem o que chamamos de Djent, mas eles são muito mais que isso. Eles são uma banda testa riffs pesados com tempos incrivelmente malucos, porém tudo muito musical, angustiante e com muita raiva. Assim como o metal deve ser. Coloque um fone bom, aumente o volume e venha para o universo sonoro do Meshuggah.
2. Kendrick Lamar - Mr. Morale & The Big Steppers
Gerenciamento de expectativas sempre será a coisa mais difícil pra mim, quando se trata de artistas que já gosto. Muitos lançamentos após um grande disco, geralmente me causa decepção. Será que isso aconteceu com o Mr. Morale & The Big Steppers do Kendric Lamar? Na primeira audição, sim. Eu esperava um disco que viria com um tapa na cara do mundo, xingando geral e falando sobre pandemia, racismo e eleições nos EUA. Mas veio um disco com críticas sobre mídias sociais, sexualidade, paternidade e romance.
Mr. Morale & The Big Steppers é um disco que tive que mudar meu próprio pensamento do que eu esperava, durante a primeira vez que dei play porque estava achando estranho e me senti desconfortável. Quando ouvi pela segunda vez, já lendo as letras, minha cabeça já sabia o que viria, a expectativa não existia mais e foi libertador sentir essa melhora na segunda vez. Esse disco é um documentário em formato de disco e a cada play, ele cresce dentro de mim um pouco mais. Obra de arte mais uma vez
1. Coheed and Cambria - Vaxis - Act II: A Window of the Waking Mind
O Vaxis II: A Window of the Walking Mind, não me decepcionou, como eles nunca me decepcionaram. Talvez esse seja o disco mais versátil da banda, que conta com suas melodias de vocal quase emo, com instrumental de rock progressivo e transições criativas. Nesse disco temos até um Synth Rock, coisa que a banda nunca testou.
O melhor disco de 2022 pra mim é um disco que tem todo um contexto de conexão emotiva. Assim que saiu o disco, eu ficava de fone andando pela casa cantando uma das músicas, "Rise, Naianasha (Cut the Cord)", e meu filho de 9 anos me perguntou que música era aquela. Coloquei lyric vídeo da música e ele ficou vendo em loop por alguns dias. Falei sobre a banda e toda a história conceitual do universo Coheed and Cambria e ele começou a ouvir o disco completo comigo cantando todas as músicas.
Mudamos pros EUA e a banda iria fazer um show aqui perto de casa. Perguntei se ele queria ir no show comigo e ele aceitou. Fomos no primeiro show da vida dele e seus olhos brilhavam e ele ficou até rouco de tanto cantar. Essa conexão que tenho com meu filho com esse disco é o que faz a música ser única. A arte nos uniu ainda mais. Nunca fiquei forçando meus filhos a ouvirem o que gosto. Deixo o disco tocando e se eles se interessarem eu dou a maior força.
Mas mesmo sem a conexão emotiva que tenho com esse disco e meu filho, o Vaxis Act II é um disco impecável. Tudo está no lugar certinho e sem excessos. O Claudio Sanchez está cantando cada vez mais lindamente. As melodias vão dentro da minha alma e me emocionam demais. Música é sobre isso. Sobre emoção e conexões.
Quando lembrar de 2022 na música, o Coheed and Cambria será a maior lembrança, então não tem como eu não colocar esse disco como o melhor do ano pra mim.
Top 10 Nacional
1. Planet Hemp - JARDINEIROS
Em pleno 2022 eu não sabia que precisava de um disco novo do Planet Hemp. Eu adoro descobrir coisas que eu não sabia que queria. JARDINEIROS é uma obra de arte necessária e poderosa. Ainda que com o tema sobre a maconha em algumas músicas, o disco traz uma crítica ao Brasil atual e mostra que o Rock, misturado com Dub, Reggae e Hip Hop pode se misturar pra fazer um dos discos mais incríveis lançados no Brasil nos últimos anos. É um disco perfeito. O único defeito de JARDINEIROS é que ele acaba. Nota 10+ pro melhor disco nacional dos últimos anos.
2. Ratos do Porão - Necropolítica
3. Mundo Livre S/A - Walking Dead Folia (Sorria Você Teve Alta!)
7. Erasmo Carlos - O Futuro Pertence À... Jovem Guarda
8. Terminal Guadalupe - Agora e Sempre
10. Urias - Fúria
VINÍCIUS CABRAL
Eu sabia que quando abrisse meus ouvidos definitivamente para a cena latino-americana isso seria um caminho sem volta. Em um ano em que os lançamentos gringos também não decepcionaram (por gringos, leia-se: estadunidenses e europeus), foi dificílimo conciliar tudo. Optei por incluir álbuns do sul global (em especial América Latina e China) na minha lista de internacionais, e continuar separando os destaques nacionais.
Claro que foi um ano absolutamente inspirador para os destaques do "meu" nicho. Tanto o foi que, infelizmente, faltou espaço na lista para bandas que alguns de vocês estranharão terem ficado de fora (como Beach House, Special Interest, Gilla Band, Mitski … ). Não dava para incluir tudo e, como sempre, meu recorte curatorial partiu da identidade musical que costumo defender, e equilibrou novidades inspiradoras e artistas consagrados. Dito isso, não esperem da minha lista os devaneios pop que em outras ocasiões eu destaquei. Há coisa boa demais sendo feita "abaixo do radar", e o pop certamente não precisa de pessoas como eu para ganhar holofotes.
A lista que se segue é uma humilde tentativa de construir um panorama alternativo do ano de 2022. E garanto que são obras inspiradoras, raras e desafiadoras, que prometem transcender as cercanias caóticas de um ano em que, simplesmente, aconteceu coisa demais para ser processada em tempo real. É legal lembrar que vários dos discos da lista (e tantos outros que não entraram) são citados em textos da nossa newsletter semanal, que pode ter todas as suas edições acessadas aqui:
https://tinyletter.com/silencionoestudio/archive. Aproveitem!
Álbum que é uma espécie de "retorno dos que não foram". Os veteranos de Baltimore voltam à boa forma, depois de anos tropeçando com álbuns medíocres. Um disco que alegrou profundamente o início do ano, e segue soando bem.
O disco novo da galesa mais genial da contemporaneidade não chega a decepcionar. Mas também não encanta tanto, após a magnífica pedrada de Reward (2019). Com momentos inspirados, como Running Away e Moderation, a artista deixa um gosto de quero mais, em um disco irregular, que ganha mais pontos por acertos em faixas isoladas.
God Save The Animals é provavelmente o melhor disco cheio de Alex, do início ao fim. E não o é sem algumas contradições. O disco soa ao mesmo tempo original e velho. Estranho e familiar. É um amálgama pautado por ambiguidades e contradições permanentes. Eu, que adoro contradições, estou amando o processo de tentar decifrar (ainda sem muito sucesso) o novo disco do artista. Alex G pode ser muita coisa, afinal, menos entediante.
O estreante artista pop argentino atualiza a cruza entre tradição melódica tanguera e synthpop (eternizada pelo mestre Charly García). E o faz com a categoria de um veterano, em um disco alucinante, do início ao fim.
O duo chileno-argentino de EDM desponta com um debut absurdo. Com 6 faixas perfeitas, o EP apresenta melodias angelicais adornadas por beats eletrônicos sutis e envolventes.
O sophomore da banda inglesa não decepciona. Repete a fórmula matadora do primeiro álbum e, em alguns momentos, começa a propor novas viagens. Ouvidos muito atentos, sempre, à magnífica Dry Cleaning.
O novo disco de Mike Hadreas é o mais estranho e experimental de sua carreira. O que é encantador e irresistível. O artista trafega por texturas desafiadoras, em canções inusitadas e fortes como Eye In The Wall (quase um dubstep). Criativo, inquieto e inspirador.
A artista neozelandesa atinge a excelência em seu novo álbum. Um trabalho que explora a fundo a versatilidade incrível da compositora, enquanto nos entrega clássicos como Lawn e Tick Tock.
Lançado em novembro, o novo disco da brilhante Natalie Mering talvez ainda não tenha sido devidamente digerido. Parece uma experiência mais acessível e suave do que a anterior (a obra prima Titanic Rising), baseando-se no folk para trazer a atualização das sonoridades setentistas que caracterizam o trabalho da artista.
Chat Pile é a escolha fora da curva da minha lista. Um álbum de sludgemetal, que me encanta pela visceralidade com que representa um certo universo: a franca decadência pós-industrial estadunidense. E o representa da melhor forma possível, com uma porradaria massiva de guitarras e berros muito bem concatenados.
10. Sara Hebe - Sucia Estrella
A veterana rapper argentina é, em vários sentidos, a anti-Rosalía. Muito mais agressiva em sua crítica à sociedade datificada, Sara também mistura ritmos latinos com o bom e velho hip hop, mas com muito mais propriedade. Afinal, ela própria é latina. E desfila um conjunto de pérolas inesquecíveis neste Sucia Estrella, como Almacén de Datos (a pedrada que divide com Ana Tijoux - prestem muita atenção nesta letra!), e como La Bronca, canção que trafega entre o hip hop e o trance, em uma variação totalmente inusitada e quase roqueira. O disco todo tem momentos de porrada realmente roqueira, que se reproduzem com instrumentos reais nas apresentações da artista ao vivo. Sara matou 2022 no peito e lançou seus pibes e pibas ao ataque, com um verdadeiro manifesto em defesa da música independente, e crítico à superficialidade dos modismos.
Al final esto no es arte, mami. It 's branding.
9. Soccer Mommy - Sometimes, Forever
A artista estadunidense volta à incrível forma apresentada em seu disco de estréia com este Sometimes, Forever. Um disco que aponta como poucos outros para o presente e o futuro do indie rock. A um só tempo nostálgico e atual, o trabalho recheia de texturas modernas o incrível senso clássico de composição da artista, com todas as influências tradicionais que seu trabalho suscita. É o que se ouve em canções marcantes, como Shotgun, Following Eyes e Unholy Affliction. Esta última, uma pedrada digna de mestres como Beck ou Trent Reznor. Sophia Allison, a Soccer Mommy, sabe muito bem o que está fazendo.
8. FAZI 法兹 - Folding Story 折叠故事
FAZI é uma das bandas mais interessantes de uma incrível cena indie chinesa, que gira em torno do selo Maybe Mars. Seu último disco, Folding Story, moderniza características do krautrock e do pós-punk, em uma atualização impressionante dos estilos. Trata-se de um disco conceitual, denso, moderno e inspirador, que se junta ao que de melhor tem sido produzido mundialmente neste mesmo universo - bandas britânicas, como Gilla Band e Squid vêm à mente. FAZI, porém, vai além de qualquer associação neste último trabalho: "mergulha" os beats motorik em um continuum espacial, com texturas impressionantes ao fundo e interlúdios etéreos que conectam canções fortíssimas, como Eye in the Sky 带上我的眼睛 e Died in Wind 热死荒梁.
7. Lucrecia Dalt - ¡Ay!
Colombiana radicada na Alemanha, a artista lança um disco exuberante, chamado ¡Ay!. Conciliando seu histórico na música eletrônica com novas investigações estéticas, a colombiana entrega uma espécie de neo-bolero, inventivo e inédito. Um disco experimental, mas com momentos pop impressionantes, como em No Tiempo, Contenida e Atemporal. Canções com acentos de Beach Boys imersos em um clima latino (provavelmente advindo das melodias e levadas de bolero). Um disco escandaloso, com o pulsante baixo erudito em diálogo constante com os vocais precisos e potentes de Lucrecia.
6. Big Thief - Dragon Warm Mountain I Believe In You
Big Thief é uma banda totalmente livre. Não deve nada a ninguém, e não se baseia em amarras - nem nas criadas por eles próprios em trabalhos anteriores. Após lançar dois álbuns acabadíssimos e inacreditáveis em 2019, a banda solta um novo trabalho que é quase um rascunho. Uma junção de experiências relativamente desconexas, que vão de um folk hillbilly ao eletrônico experimental. Tudo reunido, claro, pelas composições inspiradíssimas de Adrienne Lenker. Totalmente "solta", a artista concilia desde obras-primas como Simulation Swarm, No reason e Time Escaping (essa uma espécie de cruza entre Fionna Apple e Animal Collective), com canções bizarras e estranhas como Heavy Bend e Wake Me Up To Drive (quase um delírio digno de Daniel Johnston). Um disco aberto, livre, sem limites e inacabado. O White Album que a banda podia - e merecia - fazer.
5. Black Country, New Road - Ants From Up There
O segundo (e provavelmente, último) disco da banda britânica é um clássico instantâneo. Com canções que desafiam o ritmo do indie contemporâneo, retornando a uma estrutura quase clássica, analógica e desacelerada de composição, o álbum impõe um caminho próprio. Como nas belíssimas Concorde e The Place Where He Inserted The Blade, o que se ouve neste belíssimo trabalho é a conjunção perfeita entre instrumentos inusitados (sopros e cordas se destacam) arranjando perfeitamente as melodias tortas de Isaac Wood. O resultado é uma ópera contemporânea. Torturada, esquisita e bela. O estilo declamatório e às vezes pomposo de Isaac agrega-se perfeitamente à cozinha luxuosa, embora arrebatadoramente simples, o que produz um sentimento agridoce, paradoxal: um desconforto estranhamente confortável. Um disco que parece olhar para o Arcade Fire, quase duas décadas depois da obra prima Funeral e perguntar: pararam aí por quê? Infelizmente ainda vai demorar para aparecer outra banda propondo o mesmo desafio com tanta competência.
4. Mabe Fratti - Se Ve Desde Aquí
Mabe Fratti é uma violoncelista guatemalteca, que constrói suas canções em torno do instrumento, em um disco arrebatador. Seja em músicas que utilizam riffs de cello como base, como na espetacular Cada Músculo, seja utilizando o instrumento como um contrabaixo quase jazzístico, como em Desde el Cielo, Mabe nos hipnotiza com uma sonoridade inacreditável e melodias inspiradas. Um dos pontos altos do álbum é o diálogo entre a faixa No Se Ve Desde Acá, que termina com a frase-título cantada em verso, e a próxima canção, Esta Vez, que termina com um refrão espetacular, conduzido por um riff de cello e os versos: Todo se ve desde aquí. Não se vê nada daqui/tudo se vê daqui.
Arrepiante.
O disco ainda tem espaço para um clássico instantâneo: a canção Algo Grandioso, provavelmente o hit da obra. A jovem artista guatemalteca trafega em um universo relativamente inédito. Apesar de surgirem algumas associações aqui e ali (Fiona Apple e Joanna Newsom, certamente), Mabe constrói sua própria sonoridade, em um conjunto raro de canções perfeitas, em letra, melodia, harmonia e performance. Um disco pelo qual nem eu, nem muita gente, esperaria em 2022.
3. Nilüfer Yanya- Painless
Nilüfer não tem limites. Depois de um debut altamente promissor, parece avançar 50 passos em seu sophomore. A mistura única que Nilüfer faz entre guitarras indie, violões ambient e batidas eletrônicas que ecoam o melhor das experiências noventistas em alternativo-experimental (Beck, Björk, Massive Attack), carregam sua voz (aveludada e densa, à lá Sade) a lugares de conforto - e confronto, a partir de letras autoconscientes e inquietas. Nilüfer atinge sínteses interessantíssimas, com camadas inteligentes e sofisticadas. É o que se ouve na belíssima Midnight Sun, ou em Shameless - uma obra-prima. Outras canções impecáveis, como The Dealer, The Mystic e Anotherlife se destacam aqui, em uma obra moderna, criativa e inovadora. Um trabalho que, como tantos outros desta lista, não se contenta em fazer o "bom e velho indie", expandindo os limites do nicho e lhe abrindo novas portas.
2. Alvvays - Blue Rev
Sem dúvida o grande álbum indie pop do ano. Uma coleção de hits perfeitos, que não se perdem em superficialidade e nostalgia porque a banda insiste em não ser retrô. Com camadas de guitarras e synths que botam Johnny Marr e Bernard Butler para dançar com novas texturas em 2022, a banda atualiza os clássicos que os inspiram. O resultado são canções perfeitas como Pharmacist (com um solo de guitarra bizarro ao final), Very Online Guy e Belinda Says. Blue Rev é um disco que soa como o shoegaze/dream pop deveria soar no século XXI: clássico, cativante, barulhento e pop - mergulhado, é claro, em muito reverb e em novas texturas etéreas (guiadas por um Korg analógico bem característico). A cada audição o disco cresce, cheio de clássicos com estrofe-ponte-refrão compostos com a meticulosidade rara de Molly Rankin (guitarra e voz) e Alec O'Hanley (guitarra).
1. Niños Del Cerro - Suave Pendiente
Ao longo de toda essa lista tenho me referido a uma certa modernização do velho indie. Novas texturas, arranjos sofisticados e híbridos. Um novo clima, enfim, com as abordagens estranhas, inusitadas e imprevisíveis que um rock verdadeiramente alternativo precisa acessar. Esse movimento de renovação já se estende a mais de uma década. Mas não é sem surpresas que fui descobrir na américa latina, mais precisamente no Chile, o álbum de 2022 que encarna este processo de maneira mais competente. Desde que ouvi Tentempié, primeiro single de Suave Pendiente, fui atropelado por uma certa novidade; uma canção de paredes sólidas e sofisticadas, e sem um refrão óbvio, com partes em evolução. Uma cruza inimaginável entre o apelo indie pop de um Tame Impala, e a sensibilidade processual e progressiva de um Animal Collective. Em espanhol. Em uma língua que é quase nossa, com um gingado especialmente latino.
A descrição poderia se restringir ao maravilhoso single (para mim a melhor canção do ano), mas se aplica a todo o álbum. Com 15 canções inesquecíveis, o terceiro disco da banda chilena explora esses caminhos, adaptando os sons mais modernos do indie contemporâneo à poética andina. É o que se ouve em Tentempie, Miel, Sulamita, Tamarugal, Esta Enorme Distancia, e tantas outras. Canções que parecem resumir décadas de indie rock gringo e injetar nestas referências um novo ânimo, totalmente inédito.
Os Niños del Cerro são totalmente universais, porque processam suas raízes a partir de um conjunto sólido de influências atemporais vindas de fora. Atingem, com isso, uma síntese perfeita. A ser celebrada, divulgada e degustada ao extremo.
Destaques Nacionais:
Pelados - Foi Mal
Composta em parte por membros da banda de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, a banda Pelados entrega o álbum mais despretensiosamente criativo do ano. Um trabalho que se apoia em lindas canções recheadas de um humor muito aguçado (como mesmasmesmasmesmas e foda é que ela era linda), em um clima stereolabiano especialmente brasileiro. Um som que me lembra o melhor que conseguimos produzir no Brasil, quando processamos o indie gringo sem vergonha ou medo de arriscar.
Fernando Motta, Jonathan Tadeu & Vítor Brauer - Quebra Asa, Vol. 1
Haroldo Bontempo - Haroldo Bontempo
Mundo Livre S/A - Walking Dead Folia (Sorria Você Teve Alta!)
Ratos de Porão - Necropolítica
Grupo Porco - Dinossauro Com Um Beck Gigante Vs Bois Robôs de Brasília
MÁRCIO VIANA
É a minha lista, mas pode chamar também de Diagnóstico Pessoal de 2022, ou se preferir 2022: Um ano de Voltas e Revoltas. Talvez eu tenha focado um pouco mais em um tipo específico de discurso e de música e deixado a indignação ser o meu motor. Ainda houve algum espaço para alguns discos mais emocionais, além de - o oposto do mote que coloquei inicialmente (sobre bandas que voltaram), alguns discos de despedidas.
No geral, senti que foi um ano extremamente produtivo para os artistas, mas o mundo ao redor esteve um tanto congestionado, e eu resolvi diminuir a velocidade das audições e sentir um pouco mais a vibe de cada lançamento, ouvindo cada acorde com o coração na ponta do ouvido.
Estranhamente, este disco se conecta com minha escolha de disco do ano, uma vez que é inspirado por questões pessoais de seus compositores. Aqui, Roland Orzabal trata dos efeitos da perda de sua esposa, vitimada por um longo processo de demência causada pelo alcoolismo, além de seu processo de cura do luto e um recomeço em um novo casamento. Desde 2004 novamente ladeado pelo parceiro Curt Smith, com quem lançou Everybody Loves a Happy Ending, que marcou o retorno da dupla, em The Tipping Point o Tears for Fears parece ter reencontrado o fio condutor que o leva a sua estreia em The Hurting. Um belo retorno.
ESTRANHO é o sucessor de Normal, disco anterior do Molho Negro, e isso diz muito sobre o novo álbum do trio paraense. A banda mescla um som poderoso com letras sarcásticas cheias de grandes tiradas. Me lembrou um pouco os Titãs da fase áurea, mas vai muito além disso. Diversão garantida. Destaco a faixa Não Nasceu para Brilhar, com os versos-soco-na-cara do tipo “Eu acordo e o algoritmo me avisa que eu passo muito tempo implorando a atenção de um monte de gente que eu mal conheço, que eu me acostumei a ter que dar satisfação”. Resume bem a nossa vida em redes sociais, e é isso aí.
Certas verdades só podem ser ditas empunhando uma Fender Stratocaster. Em seu trigésimo quarto álbum de estúdio, o veterano bluesman conta algumas delas, com participação de Elvis Costello, Mavis Staples, James Taylor e Jasol Isbell. Não costuma ter erro com Buddy Guy, e aqui não é diferente.
Aos 86 anos de vida e 70 de carreira, Alaíde Costa não precisava provar nada. Mas provou, em disco produzido por Pupillo e Emicida, que é uma das nossas grandes. Com canções de Guilherme Arantes, Joyce, Erasmo Carlos, João Bosco, Céu e Diogo Poças, Fátima Guedes, além de uma composição sua, Tristonho, ela nos dá o privilégio de sua convivência. É um presente.
Ainda que eu tenha ficado um pouco distante da audição das bandas latinas, infelizmente, tive tempo de ser influenciado por algumas indicações do nosso time, aqui no caso do Vinicius Cabral, e entre elas, achei por bem incluir o Bestia Bebé na minha lista, embora este não seja exatamente um disco de carreira, mas uma apresentação ao vivo da banda no estúdio onde foi gravado o disco de 2020, Gracias por Nada, com o repertório deste e mais alguns sons da banda. Indie Rock de respeito, com guitarras, efeitos e barulhinhos. Quando algum amigo te disser que o rock não inova, aconselhe que ele olhe um pouco mais em volta da vizinhança.
Se em Dutsiland, disco de 2019 do grupo argentino, o clima era de melancolia, aqui eles assumidamente buscam mais cores, em um álbum composto e gravado em apenas oito dias. Indie Pop extremamente bem feito. Segue a recomendação: olhe ao redor.
Se certas verdades só podem ser ditas empunhando uma Fender Stratocaster, aqui está Sophie Allison contando mais algumas. Meus colegas já descreveram bem este disco, e foram eles quem me influenciaram a colocá-lo aqui. Poderia até estar no Top 10, se eu não tivesse demorado tanto a ouvir.
Eu fico só imaginando o quanto a gravação deste disco pode ter influenciado na decisão de seu vocalista Isaac Wood em deixar a banda após o lançamento. Porque o disco é de uma melancolia intensa e imensa. Mas é lindo demais. Parafraseando uma antiga crítica de um site português sobre uma outra banda, dá pra resumir este álbum com uma frase: quanta desgraça bonita!
Porrada ultrassônica muito bem dada, o Soul Glo não está para brincadeira. Diaspora Problems é hardcore dos pesos-pesados.
A gente pode fazer um paralelo aqui com os brasileiros do Black Pantera, no sentido de que é uma banda muito consciente de seus dilemas e de como responde a isso com a raiva necessária. Ouça quando quiser descarregar o estresse acumulado.
Mal tive tempo para digerir o novo álbum do Warpaint, e me surgiu Heart Tax, segundo disco solo de Jenny Lee Lindberg, baixista do grupo. Apresentando-se com o nome JennyLee, a musicista traz em Heart Tax os singles que lançou nos últimos anos e mais algumas canções novas.
Inevitável que o destaque seja grande para o dueto com Dave Gahan do Depeche Mode em Stop Speaking, mas não dá para desprezar a harmonia simples de In Awe Of, ou o ritmo cativante de I’m So Tired, cover do clássico do Fugazi. Há também momentos em que o baixo fica mais discreto, dando espaço a outros instrumentos, como o piano de I Love You.
A coisa mais legal desse disco é que é inevitável percebê-lo como um “disco de baixista”. E aí não tem como não me ganhar.
10. Jair Naves - Ofuscante a Beleza que Eu Vejo
Quem acompanha os trabalhos de Jair Naves desde o Ludovic, já sabe mais ou menos o que pode esperar a cada disco novo do artista: vocais e harmonias que vão além das estruturas tradicionais e letras em um tom confessional com muita riqueza poética.Em Ofuscante a Beleza Que Eu Vejo não é diferente. A começar por Meu Calabouço (Tão Precioso É o Novo Dia), possivelmente a música que melhor representa o nó na garganta que tem sido constante nestes últimos quatro anos vivendo esta realidade do Brasil e do mundo. Continuam a surgir os títulos inspirados e inspiradores, como Morre um Apaziguador / Nasce um Saqueador e seu reverso, ou Irrompe (É quase um milagre que você exista) e as alternâncias entre melodia e spoken words. Para quem tem um animal de estimação, vale o alerta de gatilho: Breu é uma canção pesada e emocionante sobre Fred, o cachorro do artista e sua condição (você vai entender logo no começo da faixa, mas garanta um lenço por perto). Ainda que o álbum caminhe todo o tempo pela constatação de tempos difíceis que ainda custarão a passar, é também um disco esperançoso que nos convida a dar um passo à frente. É preciso seguir. Vamos juntos.
9. Black Pantera - Ascensão
Ainda que eu já conhecesse um pouco o Black Pantera, foi vendo-os num show que realmente entendi a essência da banda.
O trabalho mais recente do grupo, Ascensão, intencionalmente ou não, reproduz bem a energia da banda no palco, em faixas muito inspiradas, como Revolução é Caos, Padrão é o Caralho, Fogo nos Racistas e Eles Que Lutem.
Em tempos tão hostis, me parece indispensável poder canalizar a raiva. Que bom que existe o Black Pantera.
8. The Mars Volta - The Mars Volta
Depois de dez anos de seu último registro, o projeto de Omar Rodríguez-López e Cedric Bixler-Zavala volta (perdão, foi inevitável), e dessa vez, talvez até pelo inevitável distanciamento, com uma linguagem um pouco mais direta, diluindo um pouco o experimentalismo de outrora e ficando cada vez mais diferente do post punk/hardcore do At the Drive In, o outro projeto de ambos.
Nitidamente mais melódico, o ponto alto aqui aparece em faixas como Blank Condolences e Vigil.
Uma belíssima volta.
7. Terminal Guadalupe - Agora e Sempre
A emblemática banda curitibana Terminal Guadalupe voltou a se reunir para o lançamento de um disco 15 anos após o último álbum, A Marcha dos Invisíveis, de 2007. A reunião foi na verdade virtual, já que os integrantes atualmente moram cada um numa parte do planeta. Mesmo assim, houve a possibilidade de alinhamento para a composição de dez novas canções, gravadas com a colaboração do renomado produtor Iuri Freiberger (baterista da lendária banda gaúcha Tom Bloch e participante de inúmeros projetos).
O disco tem faixas em português, inglês, italiano e espanhol, formando um conjunto de canções que são crônicas de nossa realidade atual, com alguma dose de esperança, externada na faixa de encerramento, A Flor de Drummond, que acaba por ser a canção em que a guitarra mais aparece, diferentemente dos trabalhos anteriores da banda, mais homogêneos na sonoridade roqueira.
6. Planet Hemp - Jardineiros
Não sei se consigo expressar a importância que esse disco tem para o Brasil atual, mas creio que ele se junta a quase uma dezena de álbuns lançados este ano por artistas que entenderam a necessidade de um discurso que trouxesse uma interpretação fiel e crítica do que foram os últimos sei lá, dez anos. Por mais que o Planet Hemp ainda centre algum foco na questão da legalização das drogas, a banda sabe e soube transformar em letra toda a indignação pelo autoritarismo que não está mais atrás da porta, já está na sala de jantar e já se senta à mesa.
E é aí que o ecletismo sonoro nos traz alguns petardos como Distopia, com sonzão pesado e participação de Criolo nas rimas, e Taca Fogo, hardcore de deixar Jello Biafra morrendo de orgulho (incluindo o clipe).
Se é fato que começamos a dar alguns pequenos passos para fora do caos, é preciso saber que ainda falta muito para encontrarmos a paz, e este registro é uma polaroid bastante fiel do que temos passado. E que seja em breve somente isso: passado.
5. Mundo Livre S/A - Walking Dead Folia
Como não poderia ser diferente do que se espera de uma banda punk (estamos convictos disso, certo?), Walking Dead Folia é focado em temas que remetem à situação atual do país e o modo como o governo tem lidado com isso e com as consequências que vêm a reboque. E é assim que nascem clássicos instantâneos como os singles Baile Infectado e Usura Emergencial e a faixa de abertura, Necropolitano.A capa, com arte de Wendell Araújo, é tão simbólica quanto o título e os temas, uma vez que traz um palhaço vestido de verde e amarelo em um caixão, carregado por uma multidão em festa, um Hitler com faixa presidencial brasileira e pessoas com celulares tirando fotos obsessivamente.
4. Mukeka di Rato - Boiada Suicida
Após um hiato de 8 anos, o Mukeka di Rato, banda capixaba de punk rock dos bons, chega com um disco destruidor e necessário, Boiada Suicida, com título auto-explicativo e temática que o faz juntar-se a outros discos igualmente indispensáveis como crônicas do desesperador Brasil atual.
Nas suas 16 curtas e interligadas faixas, a banda manda o recado a todos que colocaram o fascismo, a miséria, a fome e a ignorância na linha de frente dos assuntos a nos causar desespero. Sobra pedrada para toda vidraça conservadora. Por falar em pedrada, o disco conta com uma versão para a canção de Chico César, originalmente um reggae - Pedrada, do disco O Amor é Um Ato Revolucionário, de 2019 - aqui transformada num empolgante punk rock bom para berrar junto.
A disposição das músicas, uma após a outra, quase sem pausa, nos remete à urgência e à necessidade de prender a respiração para suportar a situação do país.
Fica aqui o desejo de que um dia ele seja lembrado como retrato do que foi o Brasil dos últimos tempos. E que nunca mais nos esqueçamos dele.
3. King Hannah - I’m Not Sorry, I Was Just Being Me
Por serem de Liverpool, é muito tentador chamar o King Hanna de fab duo e cair no clichê de compará-los aos Beatles. Mas ainda que a dupla formada por Hannah Merrick e Craig Whittle tenha se conhecido quando ambos trabalharam juntos em um pub da cidade portuária, seria limitador demais defini-los como uma banda de Liverpool. Até porque Hannah, a cantora principal do duo, é galesa. Inclusive, mesmo que tenham se unido no momento em que dividiram um emprego, a verdade é que Craig viu a cantora se apresentar cerca de um ano antes, em uma noite de microfone aberto em uma casa noturna, e desde então soube que gostaria de produzir algo com ela. O resto foi com o acaso.
O álbum de estreia completo do duo tem uma sonoridade muito interessante, que lembra bons momentos de The Kills, Portishead, Yo La Tengo e outros sons alternativos, mas que também bebe em outras fontes, como a psicodelia, o folk e até um quê de progressivo.
Para além do som, que rodou a semana inteira nos meus fones, os títulos das músicas são geniais, a começar pela que dá nome ao disco, I’m Not Sorry, I Was Just Being Me, passando por Foolius Caesar e The Death of House Phone.
2. Kikagaku Moyo - Kumoyo Island
Tomei conhecimento da existência do Kikagaku Moyo somente agora, justo quando o grupo japonês de pop psicodélico anunciou um hiato em sua carreira. Mas eis que o fazem deixando um belo disco de despedida, o recém-lançado Kumoyo Island.
É óbvio que para nós do Brasil o grande destaque seja Meu Mar, regravação da canção de Erasmo Carlos do clássico álbum Sonhos e Memórias, de 1972.
A versão em si guarda uma peculiaridade: o grupo inicialmente traduziu a canção para o inglês, para depois vertê-la para o japonês. Segundo o release, a letra ganhou o efeito de ilustrar o protagonista flutuando entre nuvens.
Mas o que o grupo entrega aqui é bem mais do que Meu Mar, desde a abertura com Monaka, inspirada em um biscoito wafer japonês e uma mistura de música folclórica japonesa com guitarras de rock progressivo (lembra um pouco o trabalho do Focus), passando pelo riff em wah wah de Dancing Blue, a viagem transcendental de Daydream Soda, a guitarra criativa da curtinha Field of Tiger Lilies e o término calminho em Maison Silk Road.
O nome Kikagaku Moyo significa “padrões geométricos”, que se referem à experiência do membro fundador Go Kurosawa durante uma jam session que durou a noite toda, quando se sentiu tão cansado que começou a ver grades de formas ao fechar os olhos.
Kumoyo Island foi gravado durante a pandemia, em Amsterdã e Tóquio, e como dito, é o último disco antes da pausa por tempo indeterminado nos trabalhos do grupo. Que seja um “até logo'', para que não pensemos em um adeus.
1. Gang of Youths - angel in realtime.
Existe uma tentação muito grande, e eu confesso aqui que cometi este pecado, de colocar o grupo australiano Gang of Youths na caixinha de “bandas que se parecem com U2”. Mas embora a voz do frontman Dave Le'aupepe em muitos momentos lembre a de Bono, e a sonoridade de angel in realtime traga algumas referências que remetem a um elo entre o U2 de The Joshua Tree e o de Pop, a banda é muito mais do que isso, e o disco em questão, grandioso.
Até porque, para além de uma semelhança advinda da crença religiosa de Le'aupepe, o conceito do álbum foca na perda do pai sofrida em 2018 pelo vocalista, e a descoberta de alguns segredos reveladas a ele no leito de morte: a existência de uma família a qual abandonou, enquanto vivia entre Samoa e Nova Zelândia.
A revelação fez com que o vocalista, acompanhado de sua esposa, fosse em busca de seus irmãos até então desconhecidos, e a tal jornada resultou nas composições de angel in realtime, além da coleta de alguns sons e corais das ilhas da Polinésia.
Sabendo de toda a história, o disco acaba por adquirir toda uma carga emocional relevante, e convida o ouvinte a escutar o álbum como um plano-sequência, desde as lembranças tristes da partida do pai em you in everything até a nostalgia das recordações sobre a relação com o futebol e sua admiração por Maradona, em hand of god (sacou a referência?) e goal of the century, passando pela delicadeza de como o cantor descreve seus irmãos em brothers.
Parece U2? Às vezes, mas coloque aí nessa mistura um pouco de Nick Cave, David Gray, Wilco, Sufjan Stevens, The National e outras referências, além de muita originalidade.
BRUNNO LOPEZ
Mais um ano voando abaixo dos radares da crítica especializada, buscando aquele conforto de sons que foram ouvidos por expectativas já ajustadas. Em oportunidades anteriores, o leque tinha sido aberto em extensões maiores do que poderia sintetizar com alguma autoridade, logo, em 2022, diminuí consideravelmente as opções de deleite sonoro para aproveitar ao máximo o que cada material lançado tinha a oferecer.
Mesmo nesse processo menos abrangente, é evidente que nomes novos conseguiram atravessar a fronteira desse minimalismo apreciativo e figuram nessa lista com gêneros levemente diversos mas que se completam em alguns momentos específicos.
No geral, são registros com características capazes de prender e emocionar - o que pra mim soa como algo obrigatório quando se decide ocupar o tempo com um artista.
Esperei até o último segundo na esperança de lançamentos que adoraria incluir aqui, mas alguns deles decidiram deixar tudo para o ano que vem. E eu, assim como eles, fiz o mesmo.
20. Rafaga - Señales
Eymael, o democrata cristão, além de um dos jingles mais famosos da política tupiniquim, também costuma usar uma frase peculiar em suas publicações em redes sociais: “Sinais, fortes sinais”. Bom, se ele estava se referindo ao novo álbum do Rafaga, Señales, acertou em cheio.
A legítima cumbia argentina voltou com tudo, inclusive com o retorno do clássico vocalista Ariel Pucheta, resgatando a essência desse grupo tão popular em nossos vizinhos da América Latina.
Quando membros fundadores de uma banda dão adeus após um último álbum muito promissor, é compreensível que os grupos se dissolvam ou esperem um tempo para se aventurarem com novos integrantes. No caso do Kissin’ Dynamite, a saída do baterista Andy Schnitzer não impediu que a estrada chegasse ao fim - tal qual o título do álbum.
Nesse sétimo ato dos alemães, nos deparamos com um inspirado e pulsante material de hard rock stadium, nos moldes que os adoradores do gênero se rendem facilmente.
Uma sequência do Temple of Shadows é o tipo de acontecimento tão aguardado quanto As Branquelas 2, mas nem o Angra nem o Latrell conseguiram fazer esse delírio se tornar realidade. Honestamente, chamar Vera Cruz de uma continuação do álbum lendário da banda brasileira é não ser justo com todas as camadas que o disco atual oferece.
A atmosfera virtuosa pode até transitar em alguns momentos, mas a obra do vocalista é densa e representa um marco importante no metal nacional, sendo gravado nos estúdios do renomado produtor Liminha.
É, no mínimo, indispensável.
17. Train - Am Gold
Existem vários moods a serem explorados nesse disco. Se formos direto para “Running Back (Trying To Talk To You)”, já será possível perceber que aquela pegada cadenciada favorita de qualquer comédia romântica dos anos 2000 está mais do que viva. O Train tem aquela assinatura de banda que fala com propriedade sobre sentimentos e relações, trazendo com muita elegância vários elementos cotidianos que aproximam inevitavelmente quem está ouvindo.
O timbre de Pat Monahan continua inconfundível, deslizando sobre arranjos envolventes que fariam Marvin Gaye ficar orgulhoso. Claro, não se trata de soul, mas os californianos beberam dessa fonte com a sede de quem caminhou por um deserto interminável durante a pandemia.
Porém, o ponto alto parece estar em “Cleópatra”, onde temos Sofia Reyes trazendo um tempero latino para essa que é a melhor música do AM Gold.
O tempo passa e o Train continua sendo uma locomotiva de hits em diferentes estações.
16. Avantasia - A Paranormal Evening With The Moonflower Society
O Avantasia é um projeto que segue se reinventando a cada novo capítulo. Tobias já explorou vários estilos dentro do metal e sempre mantendo o nível alto tanto nas composições quanto nas participações. Nesse lançamento, além das presenças indispensáveis de Jorn Lande, Michael Kiske e Eric Martin, também tivemos a voz da maravilhosa Floor Jansen, levando a canção “Kill The Pain Away” para níveis absurdamente viciantes.
Jorn é definitivamente uma das maiores vozes do metal de todos os tempos. Sua consistência de lançamentos mantendo o nível nos arranha-céus é digna de admiração. Nesse álbum, o norueguês impressiona fazendo o que sabe fazer de melhor: rock intenso com letras implacáveis e melodias que nos levam nos braços.
Vale o destaque para a versão estendida de “Faith Bloody Faith”, que mesmo não vencendo as eliminatórias da Noruega para representar o país no Eurovision de 2021, chegou nas finais consagrando Jorn como um ícone em seu país.
Certos relatos transcendem as observações técnicas pois, quando as coisas são feitas do mais profundo coração, fica praticamente impossível enxergar a música nos critérios tradicionais. Foi assim que meus ouvidos receberam a voz da incrível Joss Stone com seu álbum Never Forget My Love. Como se você precisasse pedir, né, Joss? Claro que nunca vamos esquecer do seu amor, afinal, não podemos esquecer de algo que sempre lembramos, todos os dias.
O Raul Gil ensinou que quando algo é bom a gente tira o chapéu. No caso da Joss, eu tiro os sapatos.
Desde os tempos de Pink Cream 69, quando entrou na banda para substituir Andi Deris que estava indo ao Helloween, David se mostra um frontman talentosíssimo e com um timbre único capaz de deixá-lo sempre nas ribaltas do hard rock. Em Medusa, isso continua evidente, com o vocalista explorando sua capacidade de forma muito solta.
Para quem já conhece o trabalho do britânico, o álbum é mais do que indispensável. Pra quem não conhece, é uma ótima maneira de começar.
O progressivo é uma vertente que divide fãs: ou é absurdamente técnico e melodioso ou é apenas uma porção de notas complexas jogadas sobre tempos quebrados e a impressão de estarmos num workshop de seis instrumentistas em que cada um quer aparecer mais que o outro com a participação especial de um vocalista. Felizmente, em Lalu, esse equilíbrio é encontrado e todos tocam para a música.
De qualquer forma, o que mais chama atenção são as frases de bateria do álbum, todas muito bem executadas por Jelly Cardarell.
Paint The Sky é um registro contemporâneo que muitos dinossauros do prog gostariam de ter feito.
Depois de quase vencer o Eurovision de 2022 com ‘Jezebel’ - escrita em parceria com o hitmaker Desmond Child - a banda finlandesa voltou aos estúdios para entregar Rise, um álbum aguardado com carinho após o Dark Matters, de 2018.
O disco veio com algumas revisitações do The Rasmus de antigamente, ousando trazer algo mais alegre em meio ao visual dark que as composições recentes traziam. No geral, existem excelentes momentos que talvez pudessem ser melhor distribuídos no material, entretanto, por se tratar de um álbum de transição, com uma nova guitarrista substituindo um membro fundador, o registro é mais do que válido e não perde a essência que a banda imprimiu desde seu nascimento.
10. Hibria - Me7amorphosis
Sempre que falamos de bandas em formações novas, o trabalho mais recente costuma trazer uma expectativa ainda maior do que um lançamento comum. No caso do Hibria, essa preocupação é multiplicada por se tratar de um grupo com 25 anos de estrada.
E em meio a tantas transformações, nada mais coerente que batizar o álbum de Me7amorphosis. Transitando entre o metal, o prog e o power de bom gosto, o novo lineup surge com muita competência num disco impecavelmente bem produzido por Bruno Godinho. A precisão das linhas de bateria de Otávio Quiroga impressionam, ao mesmo tempo que a personalidade do vocal de Victor Emeka é impossível de se ignorar. Junte isso com o baixo pulsante de Thiago Baumgarten e as guitarras criativas e técnicas de Abel Camargo e o já citado Bruno Godinho e temos um dos melhores lançamentos do estilo do ano.
Me7amorphosis é uma prova mais do que viva de que existe metal de altíssimo nível sendo feito e produzido no Brasil. O resultado é tão incrível que soa injusto escolher uma música pra destacar. É pra dar play de “War Cry” até “A Storm to Leal” e depois repetir sem medo de enjoar.
9. Set It Off - Elsewhere
O Set It Off é uma verdadeira aula de hits. As composições de linhas melódicas deles estão cada vez melhores e mais viciantes. Neste álbum mais recente, eles conseguiram ir além do post-punk que os lançou ao mundo e incluíram elementos mais variados, sendo quase impossível cravar um estilo. É divertido, é envolvente, é atemporal. Segundo a própria banda, eles querem que as pessoas se sintam confortáveis sendo vulneráveis.
E não é esse o papel de quem ouve música? Estar vulnerável ao que nos transmitem pela arte sonora? Em 2022, Elsewhere já nos ensina o poder de não tentar se defender de boa música.
8. Aranda - Recollections Of A Painted Year
O melhor duo de Hard Rock que surgiu nos últimos tempos se mostra presente e, infelizmente, pouco reconhecido até mesmo dentro do gênero. Este é mais um registro impecável que precisou aguardar a pandemia para sair e valeu cada segundo de espera, trazendo uma excelente produção, letras bem escritas, arranjos inspirados e uma das melhores performances de Dameon e Gabe Aranda desde o surgimento do projeto.
7. Taboo - Taboo
Quando menos se espera, o entretenimento de qualidade sonora inquestionável aparece e faz a alegria daqueles que já não acreditavam mais que teriam seus números marcados na cartela da música pseudo-oitentista. Felizmente, a Frontiers Music assina um duo maravilhoso, o Taboo. Um duo dinamarquês formado pelo vocalista Christoffer Stjerne e o guitarrista Ken Hammer que resgata toda a essência do hard rock que amamos, porém, com um toque moderno viciante. Pra ter um selo de qualidade irretocável, quem assina a mixagem é a lenda do metal dinamarquês Jacob Hansen.
Com tudo isso, 2022 é um ano de cartela cheia. De hits.
6. Alter Bridge - Paws & Kings
O Alter Bridge sempre foi uma banda consistente em suas jogadas no campo do Hard Rock. Dessa vez, após quase 20 anos de partidas memoráveis com estratégias firmes, o tabuleiro virou por completo e mostrou que a banda sabe jogar com as peças do jogo.
Em Paws&Kings, toda essa evolução de Myles Kennedy, Mark Tremonti, Brian Marshall e Scott Phillips chega ao clímax, derrotando todos os adversários de seu som e reinando altivos com provavelmente um dos trabalhos mais impecáveis da banda.
É sempre prazeroso quando podemos enxergar que a química criada pelo tempo de estrada promove uma evolução musical, e essa evolução aumenta o range de possibilidades do grupo. A prova? Bem, Alter Bridge é capaz de fazer absolutamente qualquer coisa e “Fable of a Silent Sun” demonstra um flerte poderoso com o prog.
São combinações assim que elevam patamares e mostram o quanto os dissidentes do Creed dominam o xadrez do rock moderno e poderiam ocupar lugares tão altos quanto sua capacidade de criar canções tão icônicas.
5. Seventh Wonder - The Testament
Nunca é bom ficar longe do bom e velho rock progressivo. Do moderno então, nem se fala. Pra não errar, o segredo é sempre escolher algo que venha da Suécia, pois a satisfação é garantida.
O Seventh Wonder embalou todos esses ingredientes num disco delicioso e indispensável que chegou pavimentando o nome da banda dentro e fora do gênero. The Testament tem um equilíbrio genial do prog e aor, deixando o grupo transitando com excelência em campos tão exigentes do rock.
4. The Dear Hunter - Antimai
O The Dear Hunter é uma grande injustiça por não figurar entre as maiores bandas de rock, não apenas de prog. Antimai consegue trazer elementos novos em todas as vezes que se escuta, algo que é absurdamente desafiador para qualquer projeto do estilo. São camadas e camadas de descobertas ininterruptas. Casey Crescenzo é um gênio subestimado pelo mainstream preguiçoso, um colecionador de obras-primas.
3. Polyphia - Remember That You Will Die
A existência do Polyphia já é uma pequena revolução por se tratar de uma banda que faz som instrumental inclinado poderosamente ao lado técnico. Fazer esse universo parecer acessível torna tudo ainda mais improvável, porém, eles parecem sentir prazer nesse desafio de expandir o som para ouvidos menos acostumados.
Em Remember That You Will Die eles fazem de tudo, até canções com vozes. Entretanto, não é exatamente por elas que o material recebe mais atenção e sim pela forma de encaixar tantas informações numa maneira fluente de fazer música.
Na contemporaneidade previsível que habitamos, ousar surpreender é uma atitude dos raros.
2. Sticky Fingers - Lekkerboy
Este material é uma viagem sobre preciosidades, ouro puro, diamante triplamente lapidado em forma de trilha sonora obrigatória. As nuances que a banda consegue criar entre as faixas são como rios infinitos que se enchem uns dos outros, uma arquitetura irresistível de naturalidade. É até covardia rotular de indie rock toda essa pluralidade e sensibilidade.
A performance que esses australianos entregam causa assombro e deslumbre imediatos.
1. Panic! At The Disco - Viva Las Vengeance
É sempre admirável quando os artistas decidem contar verdades incontestáveis sobre si mesmos, ainda que tal atitude possa vir embrulhada num pacote bem enfeitado de ironia.
O Helloween fez isso em 2003, na canção “Never Be A Star” do disco Rabbit Don’t Come Easy, quando reconheciam que a banda poderia até ser relevante, mas nunca seria uma estrela. Como fã, creio que eles estavam sendo duros demais com eles mesmos, talvez fosse mais um deboche sobre tudo aquilo que o mainstream produz e seus números inalcançáveis para grupos que não fazem uma espécie de som, digamos, comercial.
Pois bem. Eis que agora, o Panic! At The Disco - meio que a sua maneira - retorna com um discurso parecido em seu Viva Las Vengeance.
“Local God” propõe essa reflexão, porém, com a história sendo bem mais generosa com eles em relação ao grupo alemão de power metal. Basicamente, descrevem a experiência que tiveram com bandas locais e a desconfiança de muitos sobre eles. Afinal, assinando o primeiro contrato aos 17 anos, quase todos os outros grupos odiavam o quarteto (na época) de Nevada.
Nem todos nasceram para o estrelato e a grande maioria passa por esse mundo apenas com a competência pra ser um Deus local. Um apontamento interessante a se fazer nesse universo tão competitivo de pessoas alucinadas por holofotes mas que, saindo da vizinhança, são apenas grandes desconhecidos.
Todas as outras 11 músicas merecem destaque? Claro que sim.
Mas se apenas uma já vale tanta atenção, é impossível que não estejamos diante do melhor trabalho de 2022.
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