Melhores Discos de 2025 (por Vinícius Cabral)

A segunda lista de melhores discos de 2025 do Silêncio no Estúdio está no ar.

ENFIM, NOVIDADES!

Todos os anos falamos por aqui sobre como as coisas ficaram feias pro lado dos músicos, produtores e fãs de música em geral. Ano passado nossa inquietação era refletir sobre o suposto “fim da música”, enquanto mostravamos diversas alternativas para manter a paixão viva e não deixar a música morrer de fato. Pois essas alternativas começam a ser colocadas em prática, e com muita destreza. Seja por bandas já maiores, como Turnstile, seja por iniciantes e não menos incríveis (como Geese), a palavra de ordem tem sido ocupar novamente o espaço dos palcos (e das ruas). O público agradece, e deixa as telas de celular de lado para engrossar as fileiras de shows espontâneos e catárticos. 

Isso se reflete nas cenas locais, que saem dos aparelhos para começar a viver com todo o gás. É isso que explica tantos lançamentos nacionais interessantes, da parte de bandas muito pequenas, com bases de fãs regionais. As coisas de fato estão mudando para melhor. Lentamente, mas estão mudando.  

De modo geral, o rock não apenas voltou, como venceu. Bandas como Candelabro, Geese, Wednesday, Deafheaven, Horsegirl (e tantas outras) não só renovam estilos antigos, como fazem a energia rebelde e jovem do rock ganhar uma conformação quase que inédita. Não que nenhuma delas (re)invente a roda – isso é impossível. Mas a forma como vivem o bom e velho rock nos faz acreditar que ainda há espaço, sim, para interpretar a velha angústia do gênero de formas tão singulares que chegam a soar inovadoras. 

No universo do pop, o de sempre: a hiper aceleração do consumo fútil e irrelevante em um flood absurdo de lançamentos – quase sempre duvidosos. A estratégia “brain rot” de artistas dominantes globalmente (como a “loirinha”) tem dado o que falar, embora ninguém aguente mais ouvir – a música e o blá-blá-blá acessório. Por trás de todo o burburinho, o que de fato sobra, a não ser lixo, impulsionado pelo “AI Slop” que soterrou a web? Se, assim como a gente, você quer continuar se apaixonando por música (realmente) nova e humana, debater sobre gêneros, novidades, hibridismos e tendências alternativas, você já sabe que o seu lugar é com o Silêncio no Estúdio, nesta sequência de posts de nossos melhores do ano. 

Minha lista vai como homenagem a algumas das grandes perdas de 2025: Lô Borges, Jards Macalé, Angela Rô Rô, Brian Wilson. A música nunca mais será a mesma depois que vocês passaram por este plano.


BREVES NOTAS SOBRE UMA GRANDE LISTA

Vou começar chutando a porta. 2025 é o melhor ano da década, musicalmente falando. Isso exigiu duas mudanças na minha lista. A primeira, é que passei de 20 para 25 álbuns: 15 menções honrosas, e o tradicional Top 10. A segunda, é que dei notas. Sou contrário a essa metodologia (que considero arbitrária), mas foi importante para que eu conseguisse rankear direito as coisas, especialmente no Top 10, concorridíssimo. Sem mais delongas, segue minha lista dos 25 melhores álbuns de 2025. 


TOP 25

25. Hesse Kassel – La Brea

A banda estreante chilena já chega com os dois pés na porta, em um álbum que, por falta de definição melhor, trafega por um “post rock progressivo” bastante inspirador. Com bases instrumentais longas e imersivas e vocais declamados, a banda bebe do melhor de algumas de suas (claras) influências gringas, como Black Country, New Road e Swans

Nota: 7.5

24. Jane Remover – Revengeseekerz

Por falar em “pós” qualquer coisa, Jane Remover parece ser sua síntese. É trap, house, techno e hyperpop – mas, ao mesmo tempo, não é nada disso. Em um disco de beats fortes, pesados e provocativos, Remover nos indica novos caminhos, dos escombros de estilos reverenciados nos últimos tempos (ps: obrigado a nossa apoiadora Márin pela dica!).

Nota: 7.8

23. Marilina Bertoldi – Para Quien Trabajas Vol. 1

Para entender uma certa fixação argentina pelo synth pop, é necessário, antes, entender a relação que eles estabelecem com o gênero em função do trabalho de Charly García. Em seu novo disco, Marilina enfia os dois pés no legado do mestre, seguindo a vibe de suas canções mais roqueiras dos ’80s (como Demoliendo Hoteles), enquanto advoga ironicamente pela volta do rocanrol; “voltem atrás, o trap morreu“, canta a artista. Provocativo, necessário e divertido.

Nota: 8

22. Panda Bear – Sinister Grift

Disco que merecia um pouco mais do que recebeu este ano, em função do histórico magnífico do artista e da forma arrojada como este envolve dub, ambient e indie de forma orgânica em seu novo disco. É, na realidade, o melhor trabalho do artista em muitos anos, com destaques magníficos como Praise e Defense (com Cindy Lee).

Nota: 8.2

21. FKA Twigs – Eusexua

Outro que merecia ter ido melhor nas listas de fim de ano. O pop experimental de FKA assume uma forma mais dançante, com pérolas como Girl Feels Good e Room of Fools. Talvez o disco tenha se perdido com as versões alternativas que a artista lançou no final do ano, na (péssima) estratégia de floodar pra se manter em “relevância”. Mas, se focarmos no disco original, fica clara a potência.

Nota: 8.3

20. Deafheaven – Lonely People With Power

O disco novo da Deafheaven caiu nas tags de “metal experimental“, ou “ambient black metal“. De fato, para entrar numa lista minha, o álbum precisa disfarçar o metal com outras influências e hibridismos ousados. É o que ocorre aqui. Há até uma influência pós-punk (como em Heathen). No mais, é um disco denso e pesado, com clássicos instantâneos como Magnolia e Amethyst. Lonely People With Power parece conjugar o peso do metal com traços do indie, realizando de forma bem mais competente (ao menos este ano) o que Turnstile propôs a partir do Hardcore (e que, pra mim, já deu o que tinha que dar).

Nota: 8.3

19. Amaarae – Black Star

A artista ganesa-americana entrega um disco dançante e ousado (impossível ficar parado com canções como Kiss Me Thru The Phone pt 2 e S.M.O). A obra traz uma espécie de afrobeat eletrônico com mil outras influências e misturas (inclusive com funk brasileiro). Um pouco fora da minha alçada, mas um excelente representante de certa tendência eletrônica dançante (bastante criativa) que marcou o ano.

Nota: 8.3

18. billy woods – GOLLIWOG

É certo que não foi um dos anos mais memoráveis para o hip hop. Mas tivemos, dentre outros bons discos, GOLLIWOG; um representante totalmente fora da curva do gênero. Um disco super denso, com um clima geral horrorcore, um impressionante trabalho de samplers, e as letras e flows sempre afiados do artista.

Nota: 8.3

17. Juana Molina – DOGA

Melhor disco do ano para o portal Indie Hoy, DOGA é um dos trabalhos mais livres, criativos e irresistíveis da (já super frutífera) carreira da veterana artista argentina. Com obras primas como siestas ahí, o trabalho foi todo composto e gravado a partir de um processo aberto, que mescla loops e elementos eletrônicos em um conjunto meio “folk-electro psicodélico“. A cara de Juana Molina, e uma das marcas também de 2025 (confiram à frente meu texto sobre o álbum do Dijon).

Nota: 8.5

16. Lucrecia Dalt – A Danger to Ourselves

Curioso o novo álbum da artista colombiana estar próximo do de Juana Molina em minha lista. Além de serem parecidos em estilo e processos, A Danger to Ourselves chega a contar com Molina em uma das faixas (num excelente feat.). Mas o disco tem vida própria – e que vida. Avança em relação às ideias do espetacular álbum anterior da colombiana (o maravilhoso Ay!, de 2021), em canções memoráveis como cosa rara, no death no danger e divina.

Nota: 8.6

15. Horsegirl – Phonetics On and On

2025 viu um retorno triunfal de certo indie lo-fi meio jangle, de guitarras estraladas e canções cativantes de no máximo 3 minutos. Uma das representantes mais claras desta tendência é a Horsegirl, power trio só de mulheres (com uma rara química de banda colocada à prova). O álbum, produzido pela imparável Cate Le Bon, lembra as experiências de início de carreira da artista galesa, e tem canções irresistíveis, como Julie e Switch Over. Na realidade, o disco é todo irresistível, e merecia mais das listas (inclusive da minha).

Nota: 8.8

14. Oneohtrix Point Never – Tranquilizer

Como quem não quer nada, Daniel Lopatin (o monstro por trás deste projeto) solta um álbum que, em pleno 2025, tem muito a contribuir para um contexto que eu sempre levanto por aqui: o da “música de sampler“. Este ano mesmo refleti sobre o “gênero” neste texto. Com Tranquilizer, o artista parece voltar ao ritmo processual que o posicionou como um dos “pais” do Vaporwave, mas com a exploração de novas texturas e métodos; o disco é construído a partir de um pack de CDs com samplers comerciais, que servem de matéria prima para uma verdadeira ópera experimental. Imperdível.

Nota: 8.8

13. Stereolab – Instant Holograms on Metal Film

Não é segredo que Stereolab é minha banda preferida de todos os tempos. Ao lançarem seu primeiro álbum de inéditas em 15 anos, era natural que eu parasse tudo para conferir. E o disco não decepciona nem um pouco – realmente só não entrou no Top 10 porque a concorrência ali foi desleal. Canções perfeitas, como Aerial Troubles e Transmutted Matter, embalam um disco que é Stereolab até a espinha. Diga-se de passagem, a banda é conhecida, realmente, por se repetir um pouco – embora isso sempre funcione, porque o que se repete é, justamente, a assinatura inimitável do grupo.

Nota: 8.8

12. Water From Your Eyes – It’s a Beautiful Place

Depois de um debut matador em 2023, o duo americano retorna com um disco ainda mais impressionante. Conduzido pelo 1º single (e uma das canções mais absurdas do ano), Life Signs, o álbum traz guitarras desconcertadas, distorções malucas, e experiências super híbridas (como em outro enorme destaque, Playing Classics). Parte da genialidade do disco pode ser conferida a partir de outro exemplar: a canção Born 2. Com riffs pesados (meio Weezer) e progressões totalmente inesperadas, a música parece adotar mil “caras” diferentes enquanto se descortina diante dos nossos ouvidos. Baita canção que, assim com as outras citadas, mostram uma banda buscando algo diferente – e chegando a um lugar, realmente, muito singular.

Nota: 8.9

11. Candelabro- Deseo, Carne y Voluntad

Enquanto o Chile se aproxima do fascismo na política, no rock independente as coisas andam muito bem, obrigado. A banda mutirão (com 8 integrantes), Candelabro, apresenta também uma espécie de “post rock progressivo” (como os conterrâneos da Hesse Kassel). Mas de uma forma totalmente diferente, com sax misturados às guitarras (o que grita pela associação com Black Country, New Road) e um senso harmônico melhor definido – como se ouve nas lindíssimas Tumba, Ángel e Tierra Maldita, dentre outras. Um álbum grande e denso, com uma temática católica (crítica, ok, Rosalía?) e diversos pontos de destaque. A ser melhor degustado nos próximos anos. É bom ficar de olho também nas apresentações ao vivo da banda, sempre impressionantes.

Nota: 8.9


10. Sharp Pins – Radio DDR

Lembram que falei ali em cima de um indie lo-fi meio jangle, de guitarras estraladas e canções cativantes de no máximo 3 minutos? Pois é. O jovem Kai Slater, em sua primeira experiência solo, chega à excelência dessa retomada indie específica, com um álbum que parece greatest hits de banda veterana. Do início ao fim, o disco nos arrebata com um clima extremamente despojado, com timbres de garagem e um senso melódico irresistível. Lorelei, Storma Lee e Race For The Audience são destaques. Mas o disco é bom de cabo a rabo. Sem skips.

Nota: 9

9. Oklou – choke enough

Em vários sentidos, 2025 é o ano de Oklou. A impressionante artista francesa conseguiu lançar um álbum, ter um bebê, fazer uma apresentação (impecável) no Tiny Desk e sair bem colocada com seu disco em praticamente todas as listas relevantes de melhores do ano. Não sem méritos. choke enough é um disco que traz uma espécie de hyperpop diluído em climas mais etéreos (teve gente que lembrou de New Age), com um senso melódico muito impressionante, e chegando a um lugar muito (mas muito) próprio. Singular e inimitável (este talvez seja o grande mérito do trabalho: uma identidade marcante e intransferível). Além de hits incontestáveis, como obvious e a faixa título, o disco termina com blade bird. Para mim, uma das canções mais lindas da década (e falo com tranquilidade!).

Nota: 9

8. Juana Aguirre – anónimo

Com lo_divino, uma das melhores canções do ano e um grande destaque deste lindo álbum, Juana Aguirre meio que resume seu trabalho; uma melodia angelical, irresistível, somada a uma parede de samplers esquisitos (mas rítmicos e pontuais) e um loop de violão. Trata-se de um “folk-electro” como o de sua conterrânea (a outra Juana, a Molina)? Não somente. Aguirre parece trafegar por outra tradição argentina, esta mais voltada às melodias. Já escrevi sobre como a artista manifesta este fenômeno em um texto de 2022 (que você pode ler aqui). anónimo ainda nos oferece mais do que lo-divino, evidentemente. Pedradas como la noche e las ramas constroem um verdadeiro épico de climas fortes e arranjos híbridos exuberantes. Um trabalho que mescla o artesanal e o futurista com uma atenção aos detalhes que é característica dos grandes discos. Não saiu do repeat por aqui em 2025, e ainda ganhou um texto mais elaborado em nosso site (aqui).

Nota: 9.1

7. Nourished By time – The Passionate Ones

Marcus, o Nourished By Time, é um duplo. É Marcus (seu nome de batismo), e também seu projeto musical, cujo nome se inspira em Guided By Voices. Para quem já ouviu Nourished, a associação pode parecer meio inusitada, já que quase todo mundo classifica seu som como R&B (ou “post R&B“, como definido pelo próprio Marcus). Mas a associação de fato existe. O som do projeto de Marcus é quase lo-fi (como o da banda que inspira seu nome), feito com um laptop, um synth vintage e um pack de plugins. Em cima dessa base modesta, Marcus compõe hinos como Max Potential (com uma guitarra de agitar auditórios no refrão), 9 2 5 e BABY BABY. São canções que realmente soam como um R&B lo-fi: experimental, radical, influenciado (fortemente) por atos de rock alternativo, e com letras sempre muito conscientes (políticas, até). The Passionate Ones, melhor álbum do ano para a Paste Magazine, é de fato uma obra prima. Fica em pé em qualquer momento em que se resolva dar o play – e recomendo fortemente este play caso vocês não conheçam o trabalho do artista de Baltimore (já veterano até nas minhas listas).

Nota: 9.1

6. Dijon – Baby

Por falar em R&B experimental com traços indie, parece até proposital que Dijon apareça na minha lista logo após Nourished By Time. Mas os dois renovam o gênero de formas (e com resultados) completamente diferentes. Pode parecer exagero dizer isso, mas creio que Dijon avança as experimentações em R&B e soul para além de onde Frank Ocean parou com Blonde. E chega a este lugar não com uma sinfonia lo-fi de quarto (como Marcus), mas com uma sinfonia de big band que, no fim, também soa meio lo-fi pela forma como o artista manipula a instrumentação. É ele mesmo quem disse que queria que o álbum soasse ultrajante, deixando os ouvintes embaraçados, com cada faixa em um volume diferente da outra (por exemplo).

O ultraje se dá, também, quando o artista nos nega uma canção “fechada”, como faz na incrível Baby!, que abre o álbum. Baseada em um loop de guitarra, a canção parece fugir desesperadamente de uma estrutura. Dijon manipula uma guitarra tocada, orgânica (com um ruído branco de cabo que nos acompanha do início ao fim) como se fosse um sampler. Conjuga seus samplers com os instrumentos como se tudo fizesse parte da mesma “massa” sonora. O resultado é incrível. Quando o artista consegue completar uma canção de forma mais tradicional, como em Yamaha, o produto final, ainda assim, é inusitado – porque mira em Prince, mas acerta em NSYNC, lembrando as “experiências boy band” do Brockhampton em 2017 (quem viveu nunca esquecerá!). Dijon é também produtor. Após ter trabalhado este ano com Bon Iver e Justin Bieber, o rapaz parece ter deixado todo o senso de experimentação e risco para seu álbum solo. Ainda bem. Baby é um disco ousado. Irritante, às vezes, por não fazer concessões; suas melhores melodias, como em Rewind, parecem se dissolver nas paredes.

Toda sua proposta parece não ter sido muito bem assimilada pelo público, mas a aclamação crítica do disco (em um momento em que a crítica gringa parece começar a tomar vergonha na cara) atesta que trata-se de um disco que avança. Em um momento em que a música precisa, urgentemente, começar a avançar sem olhar pra trás.

Nota: 9.2

5. caroline – caroline 2

Eu repetidamente fico refletindo sobre o legado de Animal Collective (e do indie dos ’00s de maneira geral) no atual cenário do rock alternativo. Pois bastam os primeiros acordes de Total euphoria, primeira faixa deste lindo álbum da banda britânica caroline, para identificarmos o tal legado. As guitarras desencontradas, produzindo um “vai e vem”, lembram diretamente o Feels. Embora as demais canções do álbum (com acento folk) remetam ao lendário Sung Tongs. Mas a banda inglesa está longe de copiar a influente banda de Baltimore. Busca seus caminhos de uma forma muito particular. Riffs folk no violão se repetem, junto a versos (também em repetição) que parecem funcionar como mantras – é o que se houve nas brilhantes Coldplay cover e Tell me I never knew that (essa com uma participação incrível de Caroline Polachek). O clima todo do disco, com os violões em um Drop D que segura os riffs como uma “âncora”, remete levemente também a certo post-rock que tem sido a tônica de muita coisa nos últimos anos. Mas caroline não se filia a nenhuma dessas influências irreversivelmente, uma vez que soa muito única. Canções como When I get home mostram que, para o grupo londrino (formado também por uma penca de gente), a repetição e o clima folk servem como motivos ambientais que tentam subverter melodias icônicas com uma roupagem estranha. Inquietante, às vezes, e super contemporânea. Puta álbum.

Nota: 9.3

4. Wednesday – Bleeds

Eu já fiquei chateado quando, ao rever minha lista de 2023, vi que neguei ao incrível Rat Saw God, da banda Wednesday, o posto de melhor álbum daquele ano. Fico mais chateado ainda agora, ao ser “obrigado” a tirá-los do meu pódio com seu álbum seguinte (em muitos aspectos, bem melhor do que o anterior). Bleeds é perfeito. A banda enfia o pé na distorção, com o conjunto de guitarras mais malucas, sujas e desafiadoras que se ouviu o ano todo (o que contrasta lindamente com os temas cada vez mais afetivos e confessionais da compositora e vocalista Karly Hartzman). O disco é quase que silenciosamente marcado por um coração partido. O término de Karly com MJ Lenderman (que ainda gravou guitarras no álbum, mas depois deixou a banda) é uma espécie de combustível. Super inflamável. Que nos transporta de explosões roqueiras impressionantes (como em Townies) para climas mais folk, reflexivos e tenros (como em Eldelberry Wine). Mas não é um álbum sobre términos, especificamente. É sobre perdas, corações partidos, mas também histórias cotidianas – a banda é, acima de tudo, muito regional. E é um disco que atualiza mil linguagens do rock alternativo de uma forma muito rica. Eu já escrevi um pouco aqui sobre como Wednesday conjuga grunge, slacker, e alt-folk de uma forma bastante única. Só o que eu posso acrescentar é que Bleeds talvez não seja o melhor álbum do ano, mas é o melhor disco (especificamente) de rock alternativo do período.

Nota: 9.5

3. Los Thuthanaka – Los Thuthanaka

Há muito o que eu poderia falar sobre o grande disco de 2025 para a Pitchfork. Muito eu já disse aqui, em minha resenha sobre o álbum. Ou aqui, em uma importante reflexão sobre o lugar da música experimental nos dias de hoje. Mas não vou me repetir. O que posso acrescentar é que Los Thuthanaka é um álbum necessário. Mais do que nunca. Longo, barulhento, cheio de loops que parecem intermináveis, canções que dão viradas completas bem no meio, chiados, ruídos, masterização porca (o disco “estoura” o tempo todo) e por aí vai. Em tempos tecnicistas e cheios de critérios estéticos invisíveis (mas sufocantes, porque hegemônicos), trata-se de um disco que manda tudo (e todos) se fuderem. Realiza, com mais destreza, aquilo que Dijon desejava com seu Baby: constrange os ouvintes, com um senso estético impossível de se classificar, e com um despojamento artístico inimitável. É certo que o disco se constrói a partir de ritmos regionais andinos. Mas isso está longe de ser uma amarra, uma vez que, em cima desses temas, o duo traz guitarras distorcidas, teclados, e todo o tipo de ruído para desconstruir as bases de forma absolutamente criativa. E é justamente um disco inclassificável, grande e difícil até de se acessar para a maior parte das pessoas (ele não está no Spotify, o monopólio vergonhoso da escuta musical atual), que vai marcar o ano para uma das publicações mais interessantes da cena alternativa. Ou, pelo menos, para uma das publicações que parece querer voltar a ser da cena alternativa. Que álbuns como este marquem as decisões artísticas (e críticas) de muitos de nós daqui pra frente.

Nota: 9.5

2. Cameron Winter – Heavy Metal

É difícil falar sobre Cameron Winter (sobre quem já se falou exaustivamente o ano todo). Gênio? Farsa? Nepobaby superestimado? A minha resposta é bastante simples. É a primeira opção. Não é sempre que podemos utilizar a definição de gênio sem sermos irresponsáveis. Agora podemos. Com apenas 23 anos, o artista nova-iorquino escreve como um veterano, tem a voz de um veterano. Tem a singularidade dos grandes. Ninguém, nem hoje, nem na história do rock alternativo, canta como Cameron. É evidente que podemos associá-lo a atos indie-folk esquisitos clássicos, como (sua referência) Leonard Cohen, Tim Buckley, e por aí vai. Mas Cameron consegue ser único, mesmo dentro desta linhagem. A forma como sofre, e parece inserir este sofrimento em vibratos e falsetes estranhíssimos, é tão irresistível quanto rara. E isso perpassa sua obra, como em Love Takes Miles (sim, a música do ano). Mas se acentua nas baladas de piano do disco, Drinking Age e $0.

Nesta última, depois de uma estrutura mais ou menos fechada em estrofe-refrão, o artista entra numa piração meio inusitada.

God is real, God is real / I’m not kidding, God is actually real / I’m not kidding this time / I think God is actually for real / God is real, God is actually real / God is real, I wouldn’t joke about this / I’m not kidding this time“.

Não vamos nos enganar. A forma desesperada com a qual Winter entrega estes versos só tem comparativo com Jeff Magnum berrando “I love Jesus Christ” em The King Of Carrot Flowers, Pts. 2-3“, no antológico In The Aeroplane Over The Sea – mas vejam: não chegam a ser parecidos os timbres, ou o estilo, mas o conceito. Acho que, para entender este álbum, e a genialidade rara de Winter, precisamos recorrer a este tipo de associação (que não vi ninguém fazer por aí). Com as coisas mais estranhas, deslocadas e radicais da história do rock alternativo – novamente, em conceito, não em similaridades estritamente estilísticas.

Falem o que quiser sobre Cameron Winter. Trata-se de um dos maiores, iniciando uma carreira absolutamente disruptiva enquanto rolamos feeds igual idiotas atrás da próxima grande novidade. Aproveitem o Cameron. É a novidade que a gente mais precisava, e que não desaparecerá tão cedo.

Nota: 9.8

1. Geese – Getting Killed

#2: Cameron Winter. #1: sua banda, Geese. Realmente, trata-se de um período avassalador para o artista. Mas, para a Geese, Cameron apenas empresta suas estranhezas para que se encaixem perfeitamente em um arranjo de banda bastante raro. Para ser mais claro, Geese finalmente entrega, mais de 20 anos depois (quando Cameron e seus parceiros de banda estavam nascendo), a tão preconizada “salvação do rock” que foi atribuída no início do século aos Strokes. A diferença é nítida. Enquanto os Strokes emulavam bandas como Television, Gang Of Four e Wire, como um pastiche meio melancólico, Geese mergulha neste legado (chegando também ao rock dos anos ’60s e aos Stones dos ’70s) de uma forma totalmente natural. Não como uma repetição nostálgica, mas como uma continuidade. Isso fica claro desde os primeiros acordes de Trinidad, canção que abre o disco. Antes de explodir no icônico refrão (“There’s a bomb in my car!“) o clima de banda tocando ao vivo se estabelece; há algumas “freadas” na bateria, e eles não parecem tocar com metrônomo ou se apoiar em pós-produção – tudo soa natural, construído por uma banda real.

Geese é uma banda. De rock. Tocando de verdade. Errando, ousando, provocando. Acho que nem eu, nem a maior parte daqueles que se sentem arrebatados pela banda de Nova Iorque sabiam o quanto sentiam falta disso. É evidente que há outros grupos explorando estas dinâmicas orgânicas de composição e gravação já há algum tempo (sendo Big Thief o exemplo mais claro). Mas Geese leva isso a um espaço reservado, claramente, a estilos do rock. Passeia por Stones, como na faixa título. Por Beatles, como em Au Pays de Cocaine. Pelo rock britânico “clássico” em geral, como em Taxes. E abandona, também, tudo isso ao chegar à infame Long Island City Here I Come, que só pode ser comparada, pela desconjunção geral, a Animal Collective. As métricas impossíveis de Cameron e os arroubos quebrados das percussões da canção tornam essa associação inevitável.

Mas o mais legal de Getting Killed é (pasmem) não precisar ficar elencando uma biblioteca de influências para “entender” o som. Trata-se de um disco de rock, recheado de guitarras, gritaria, climas tenros (nas “baladas”), e por aí vai. O que parece tornar tudo tão único é, além da personalidade absurda de Cameron, a forma como as coisas se encaixam, mesmo no erro. A banda tem circulado demais ao vivo, e é possível ver pela web muitas apresentações que explicam isso tudo que tento dizer, nestas linhas tão tortas quanto os versos de Cameron Winter.

Getting Killed é o álbum do ano. Perdeu, no agregado das listas, para o LUX, de Rosalía (que dispenso comentar), mas isso é só porque ainda estamos nos livrando (ainda que lentamente) daquilo que tenho chamado de “Realismo Pop“. Queiram ou não, Geese veio pra mudar as coisas. E já mudou.


Destaques nacionais

Como prometido, segue apenas uma breve lista de bandas/projetos nacionais que lançaram trabalhos este ano (ou estão pra lançar) e que acho que vale a pena demais vocês conferirem: BAAPZ, Nigéria Futebol Clube, Fernando Motta, Varanda, Lupe de Lupe, 43duo, Maré Tardia, calvin voichicoski & pelocurto, Janine, Vera Fischer era Clubber, Azymuth (de volta!), Ebony, Celacanto, Clara Bicho, Memórias de Ontem, Jadsa, Mateus Aleluia, Nyron Higor, ursamenor, Escadacima, Tênias de Chinelo, Cayena.

Nota do autor:

Cabe mais uma vez o apelo: precisamos qualificar o processo da crítica e do pensamento musical no Brasil. É complicado vivermos de portais que, para sobreviver, precisam fazer uma cobertura amplíssima de tudo. Isso salta aos olhos, especialmente em períodos de listas de fim de ano, que são o espaço para a validação crítica de artistas pequenos. Estes artistas encontram-se, infelizmente, cada vez mais escanteados diante de um tratamento genérico, pouco afeito a trabalhos que exigem um processo mais imersivo em função de suas características experimentais (ou, simplesmente, um pouco fora dos padrões estabelecidos). Por mais que possam ser talentosos e qualificados, não dá mais pra ver artistas como Zé Ibarra ou Gaby Amarantos em seleções de portais “indie“. Qual é o critério destas seleções? quem é indie e quem já tem uma estrutura (de selo, empresariado e divulgação paga) para se destacar? Seria bom delimitarmos as coisas, e abrirmos espaços para quem realmente anda precisando ter seu trabalho descortinado, analisado e contextualizado.

Tem muito mais coisa para listar e dizer. Mas por ora, chega!

Feliz 2026.