Labubu, Karl Marx e o fetiche da mercadoria

Em melhor estilo Linkedin: o que o labubu no túmulo de Karl Marx pode nos ensinar sobre mercadoria, expropriação e trabalho na era dos streamings?

Recentemente, um exemplar do famoso labubu foi deixado no túmulo de Karl Marx. A imprensa burguesa e uns bobalhões de redes sociais se apressaram a apontar a suposta ironia: um símbolo vazio e hiper inflacionado do capitalismo tardio aos pés do “pai do comunismo”. Não há nada certo nessa análise, como não há nada de irônico aí.

Um dos grandes feitos do filósofo alemão foi nos explicar como a mercadoria, produzida pelo trabalho humano, adquire características a um só tempo sensíveis-supra sensíveis. Convertida em valor de troca, é como se ela ocultasse o trabalho, do qual os donos de produção retiram o excedente. Não há mágica ou fantasmagoria nisso. Não foi uma entidade divina quem transformou pedaços de pano e plástico em um boneco desejado por milhões de pessoas ao redor do mundo. Foi simplesmente o trabalho. É isso que Marx identifica como “o fetiche da mercadoria e seus encantos”, e não a abstração posterior a essa, que permite com que algumas mercadorias em específico atinjam valores (e consequentemente, preços) estratosféricos. Este segundo ponto pode ser explicado simplesmente por orientações simbólicas e pela dinâmica dos mercados. Dinâmica que leva em conta, por exemplo, o caráter finito e de exclusividade de algumas mercadorias – o que explica a valorização desmedida de criptoativos, diamantes e até labubus.

Se aquele bonequinho é, então, apenas uma abstração produzida por um ciclo de trabalho humano (ainda que complexo), o descarte dele, aos pés do homem que melhor compreendeu o processo de produção de mercadorias e a gênese da formação capitalista, não é irônico. Chega a ser uma justiça histórica. Se vocês observarem direitinho a foto do post, verão que ao lado do labubu existem algumas cartas. Uma delas é da estudante chinesa Liu Yu Hao, agradecendo ao mestre Marx por sua importância. Afirmando, inclusive, que “o desenvolvimento da China hoje está dentro de suas expectativas”. Ela está correta. A China compreendeu tão bem o processo que tento explicar brevemente neste post, que passou a produzir as mercadorias mais indispensáveis do planeta hoje – o que inclui, sim, um bonequinho de luxo que é pura abstração e desejo consumista.

Seja com microchips, bonequinhos ou carros elétricos, é o povo que fez uma Revolução Comunista em 1949, e que mais estuda Karl Marx no mundo, que aprendeu a manipular a mercadoria dentro dos mercados capitalistas, na intenção de superar o sistema. É complexo, mas faz muito sentido. Infelizmente, é mais fácil uma adolescente chinesa entender este processo do que um militante de esquerda no Brasil.

A grosso modo, tudo se resume à máxima, geralmente atribuída a Marx, mas na realidade cunhada por Lassalle: “se a classe trabalhadora tudo produz, a ela tudo pertence”. E é aí que esse deixa de ser um texto off topic. Temos discutido tanto por aqui a expropriação vivida por músicos, compositores e técnicos diante do mercado baseado no modelo do streaming, que às vezes é necessário lembrar que estes são os verdadeiros “donos” da música: os trabalhadores envolvidos em sua produção.

Que labubu, Marx e a teoria do “fetiche da mercadoria” sirvam sempre como lembretes deste ponto fundamental.