O acústico que não foi acústico: um catálogo imortal de Soda Stereo

A banda argentina desafia o formato "unplugged" e entrega uma retrospectiva criativa e potente de sua impecável carreira.

Você já deve ter ouvido falar por aí coisas como “Soda Stereo é a maior banda argentina de todos os tempos”. Há motivos para a fama, mas é preciso, sempre, aprofundar as coisas. Aqui no Silêncio no Estúdio o fizemos ainda em 2020, em um especial digno de nota.

Na ocasião, eu e Bruna Soares, nossa apoiadora e fã incondicional da banda argentina, destrinchamos com detalhes toda a discografia da banda. Com muitos detalhes mesmo. Mas é claro que nem sempre temos tempo para uma cacetada de informação dessas. Então, se você é daqueles que sempre quis começar a conhecer a banda argentina e nunca soube por onde, talvez esse post seja bastante útil.

Digo isso porque resgato aqui o célebre “unplugged” da banda. Célebre por alguns motivos. Primeiramente, por ser um acústico que não é acústico. Gustavo Cerati se recusava a aderir ao formato, alegando que ele descaracterizaria totalmente a proposta da banda. Com muito esforço, conseguiu dobrar todo mundo e fazer um “unplugged” com guitarras, sintetizadores, e tudo o que tinha direito (ainda bem). Depois, por ser o álbum que encerra a carreira da banda com chave de ouro, propondo uma retrospectiva única de alguns de seus maiores clássicos. Alguns revisitados profundamente, como Un Mísil En Mi Placard (interpolando Chrome Waves, do Ride, na introdução), e En La Ciudad de La Furia, revolucionada em uma versão de mais de 8 minutos com loops, solos, climas absurdos e a monstruosidade de Andrea Echeverri (da incrível banda colombiana Aterciopelados) compartilhando os vocais com Cerati*. Outros clássicos ganharam versões mais fiéis às originais, como aqueles que saíram diretamente do álbum anterior da banda, o mágico Sueño Stereo (casos de Ella Usó Mi Cabeza Como Un Revólver e Ángel Eléctrico).

Há espaço também para revisitar brilhantemente canções do álbum Canción Animal, como Entre Caníbales e Té Para Tres– essa interpolando Cementerio Club, clássico daquele que é indiscutivelmente o maior álbum da história do rock argentino: Artaud, de Luis Alberto Spinetta à frente da banda Pescado Rabioso. Como se não bastasse isso tudo, o álbum também traz 4 canções inéditas, sobras das gravações de Sueño Stereo que não entraram no corte. Destas, destaco particularmente Sonoman (que poderia facilmente ter saído de um álbum do Stereolab) e Superstar (que lembra as experiências mais “molhadas” no shoegaze como aquelas que a banda havia desenvolvido em outro álbum absurdo de seu panteão, o Dynamo, de 1992).

Só que é agora que começa o problema. Toda esta descrição que faço diz respeito à tracklist do álbum lançado originalmente em 1996. Em 2007 o disco foi relançado (com o mesmo nome, mas com capa e tracklist diferente). A nova versão coloca a performance do unplugged integralmente na tracklist. É aí que podemos conhecer como outros clássicos deixados de fora originalmente foram revisitados. Eu destaco Cuando Pase El Temblor, Paseando Por Roma (outra pérola de Sueño Stereo) e Génesis, clássico da banda argentina Vox Dei, que ganha para mim aqui uma versão melhor do que a original, para o delírio da plateia.

Há vantagens e desvantagens em ouvir apenas uma versão do álbum. Se você não conhece nada de Soda, recomendo que fique com o álbum de 1996 e vá descobrindo a banda aos poucos. Se já tem alguma iniciação, cheque as canções originais inéditas (presentes apenas no de 1996), e depois ouça a versão original, sem dó. Abaixo eu linko as duas, para não termos dúvidas.

Em breve devo revisitar mais coisas da banda argentina, nesta nova etapa do nosso projeto, que valoriza os textos e uma catalogação histórica daquilo que gostamos pra cacete.

Versão 1996:

Versão 2007:

*A versão desta (En La Ciudad de La Furia) é, aliás, um enorme atestado da transformação radicalmente impressionante que a banda conseguiu imprimir na reta final de sua carreira. A sofisticação e o clima moderno de seus últimos 3 álbuns (incluindo este acústico) deixam pra trás, com muita veemência, todos os maneirismos oitentistas que galgaram a banda ao sucesso a partir de seu debut de 1984. Em uma década, é notável a forma como a banda esmigalha a estrutura “power pop trio“, baseada muitas vezes no que os argentinos chamam de “musica divertida”, e que marca as manifestações locais da new wave (com bandas como Soda Stereo e, principalmente Virus).