A geração Z está ficando velha. Envelheceu antes dos nossos sonhos

Será que algum rapaz de 20 anos vai telefonar / na hora exata em que ela estiver com vontade / de se su1c1d4r??

Entendedores entenderão

Eu não sou zoomer. Mas de alguma maneira, por estar na web desde os meus 12 anos, eu entendo algumas coisas que acometem hoje esta geração, agora adulta. Fui cronicamente online antes da expressão existir, e vi de camarote toda a trajetória de derrocada da web – de espaço praticamente utópico de circulação e construção de conhecimento a um emaranhado de oligopólios poderosíssimos. Há um texto recente da 300 Noise que elabora sobre esse assunto de uma maneira que não elaborarei aqui. Corram lá.

Sobre este emaranhado, acho que a palavra é super adequada. Eu resolvi fazer um doutorado sobre a trajetória da web, desde seus primórdios, e meus primeiros achados são perturbadores. Eu até fiz um grafo para tentar ilustrar o problema. Nós estamos bem ali no meio, enredados em uma teia costurada pelas Big Five (ou GAFAM – Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft).

Agora que você visualizou o problema, podemos prosseguir

Mas no que isso afeta a nós, produtores e consumidores inveterados de música? Como o texto da 300 Noise bem nos lembra, “Houve um tempo em que selos musicais eram pilares da música independente e uma resistência contra o mercado estabelecido por gravadoras”. Agora não há nenhum espaço, dentro do emaranhado ilustrado acima, para algo que seja “resistente”, ou “independente”. Tudo o que é colocado na internet será monetizado, dentro de uma estrutura totalizante. Seu som pode ser independente. Mas, colocado em uma plataforma que vive de extrair dados dos usuários e de modificar seus comportamentos a ponto de torná-los dependentes dela, ele é apenas um pedaço de informação incorporado à uma indústria cujo produto não é (ironicamente) o conteúdo publicado – e, antes que alguém caia no clichê do “você é o produto”, saiba que também não é bem assim.

O produto é o tempo que você despende scrollando. É isso o que produz valor – não a publi, a campanha ou algo do tipo, mas a sua presença online em uma plataforma qualquer. Ou seja, antes de consumir conteúdos nas plataformas, você basicamente trabalha pra elas. Isso dá uma bugada na mente, mas não tem como conhecer O Capital de cabo a rabo e não chegar a essa conclusão.

Só que isso não quer dizer, como venho falando aqui até babar, que não exista mais o independente, o alternativo, ou o artisticamente desafiador e relevante. A questão é que tudo isso existe em uma enorme nuvem que não distingue uma coisa da outra. E que, como bem falamos aqui sem parar, você não é mais dono de nada. A gen Z já deve ter se acostumado com isso. Você basicamente aluga o que quer ouvir, até que aquilo simplesmente deixe de estar disponível – nos últimos tempos, dois baluartes do independente já pularam fora do Spotify: Xiu Xiu e Deerhoof.

No encerramento da disciplina “Clube do Disco” eu escrutinei minha coleção de CDs e, para surpresa de ninguém, notei que 95% do meu acervo foi adquirido até 2009. São raros os meus CDs de bandas atuais – como já falei em meu texto anterior desta coluna, conseguir estes CDs hoje em dia não é nada fácil. No entanto, não é que não existam bandas neste período do meu “apagão discográfico” que podem ficar pra história, resistindo à efemeridade de tendências. Comecei a fazer um levantamento de artistas e bandas surgidas após 2010, ou que construíram suas discografias essenciais entre 2010 e 2025, e a lista já conta com mais de 20 nomes. Em breve publicarei isso por aqui.

O problema posto, portanto, não é apenas geracional. Mas esbarra em uma encruzilhada que se abre diante da geração que já envelhece, e começa a se sentir destituída, desorientada e eternamente cansada. A geração Z pode ser aquela que vai abraçar novamente a pirataria, as ruas, os encontros presenciais, e começar a produzir “apagões offline”, mas também pode ser aquela que irá sucumbir definitivamente diante da nova ordem. Eu sempre vou botar as minhas fichas na juventude.

E para não dizer que esses meus textos estão muito densos e catastróficos, vamos terminar com a bela referência que inspirou o título. Divirtam-se.