Episódio #116 – Melhores Discos de 2020

Mais uma vez o nosso time completo com Bruno Leo Ribeiro, Vinícius Cabral, Márcio Viana e Brunno Lopez, escolhem os melhores discos do ano. Estamos diante de um ano histórico. Uma pandemia mortal se alastrou pelo planeta. Mas musicalmente teve de tudo. Entre os artistas citados, Bruce Springsteen, Lady Gaga, Taylor Swift, Grimes, HAIM, Fiona Apple, Phoebe Bridgers, Neil Young, Bob Mould, Bayside, Blue Öyster Cult, Donna Missal, Rina Sawayama, Poppy e muito mais. Separe o papelzinho e anote todas essas dicas dos melhores lançamentos de 2020. Ouça, divirta-se e compartilhe. Abaixo leia nossos reviews e a lista completa.


Já dissemos, em um dos nossos muitos episódios – nosso silêncio já é centenário – que os anos que marcam inícios de décadas costumam ser meio erráticos no que diz respeito ao volume e à qualidade dos lançamentos musicais.

Essa provavelmente foi a única regra (se é que se trata de fato de uma regra) que 2020 não quebrou.

Estamos diante de um ano histórico. Uma pandemia mortal se alastrou pelo planeta, de tal forma abrangente e amedrontadora, que não havia muito o que comentar, além do Coronavírus e de seus impactos. Enquanto isso, líderes de grandes e importantes países davam de ombros e lançavam suas populações em uma roleta russa psicopata. Vivemos isso. Uma verdadeira guerra mundial. Perdas evitáveis – e outras nem tanto – atingiram todas as vidas de quem ficou aqui, mirando melancolicamente os destroços. É claro que a arte, e a música em específico, refletiria isso – o que justifica largamente no pé no freio que os artistas foram obrigados a dar. Turnês e álbuns cancelados, videoclipes adiados, projetos abandonados. Destroços. De novo aí, o que ficou pra contar história, tendo o privilégio de chegar ao mundo, foram obras pouco certeiras, mas urgentes, honestas e, de certa forma, livres. Livres de qualquer filiação clara, ou de qualquer exigência pontual.

Artistas consagrados e veteranos nos trouxeram um “mais do mesmo” – que como aponta nosso querido Márcio Viana, não é algo necessariamente ruim: Metallica, Bon Jovi, Deep Purple e até Bob Dylan, Bruce Springsteen caberiam aqui. Por outro lado, artistas novos, que já a algum tempo desafiam gêneros e convenções, seguiram suas rotas cada vez mais experimentais: A.G. Cook, Rina Sawayama, Poppy, Charli XCX. No meio dessa ponte tortuosa, novos e velhos artistas abriram suas entranhas em praça pública, despejando no mundo toda a angústia de se viver um momento tão complexo.

Para o nosso deleite, essa trajetória está registrada parcialmente em nossas newsletters semanais (apoiem a gente!), e em vários episódios lançados ao longo do ano. Outro ano de revisionismos urgentes, mudanças drásticas, e de busca por locais de conforto. Pontos pacíficos de onde se possa olhar o horizonte com a certeza de, pelo menos por alguns instantes, termos controle sobre nossos futuros.

Seja bem vinda a década que vem. E que seja de confrontos construtivos (e confortos reais). Estamos todos exaustos das relações virtuais, mas ainda precisaremos nos apoiar nelas até que seja seguro botar novamente os pés no chão das novas cidades que estão nascendo após esse desastre inesquecível e incontornável que foi 2020.


Bruno Leo

2020 foi um ano que nem preciso falar o tanto que foi louco. Mas de certa forma, ficar em casa e poder ouvir mais música do que ano passado, me fez abrir a cabeça. Na minha lista tem Black Metal, Pop, Indie, Trash Metal e Rock Clássico. Minha essência está aqui nessa lista. Ou a música me emociona ou não me emociona. E esse ano muita coisa me emocionou. Foi uma das lista mais difíceis que fiz em toda minha vida. Antes de mesmo de fazer parte do time do Silêncio no Estúdio, sempre gostei de fazer a lista de melhores discos do ano. Alguns anos tive que ir atrás e procurar discos pra colocar no top 10, hoje em dia, acho que preciso começar a pensar em um Top 50. Colocar em ordem esses 20 melhores discos do ano foi uma tarefa difícil, mas consegui. O critério é puramente emocional. Não consegui escolher os melhores discos de forma crítica. 2020 é um ano cheio de emoções e minha lista não poderia ser racional. Ou a gente escuta música pra nos abraçar, ou a gente fica técnico demais e racionalizando demais a arte de se fazer música. Espero que gostem da minha lista e me contem se a ordem faz sentido pra você. 🙂

20. AC/DC – Power Up

Dizem que o AC/DC está há mais de 50 anos fazendo o mesmo disco e isso é ótimo. Muitas bandas querem inovar, testar coisas novas, mas o AC/DC quer aprimorar o que eles são bons. Esse é o primeiro disco depois da triste morte do Malcolm Young, que foi substituído pelo sobrinho dos irmãos Young, o Stevie Young. O Power Up marca o retorno do vocalista Brian Johnson, do baterista Phil Rudd e do baixista Cliff Williams, que deixaram a banda depois do lançamento do Rock or Bust de 2014. É um disco com o melhor do AC/DC, riffs matadores e refrões cativantes. Será que é o disco pra fechar a discografia? Se for, fecharam muito bem.

19. Puscifer – Existential Reckoning

Como falei nas nossas Newsletters pros nossos apoiadores, o Maynard James Keenan é mais famoso por seu trabalho genial no Tool, mas se você acha o Tool muito complexo e progressivo demais, no Puscifer você vai encontrar um Rock Alternativo de muito boa qualidade. A banda conta com várias participações nas gravações e a principal é a parceira do Maynard dividindo os vocais com a Carina Round, que já colaborou até com o Tears for Fears. Disco muito bom, principalmente se você ainda não conhece o Puscifer.

18. Killer Be Killed – Reluctant Hero

Uma mistura perfeita de Cavalera Conspiracy + Soulfly e Mastodon. Qualquer projeto que o Max Cavalera faz parte eu já escuto de coração aberto. Um dos maiores Brasileiros vivos, trouxe seus riffs matadores, juntando com os vocais melancólicos do Tray Sanders do Mastodon, fazendo esse super grupo ser uma das melhores surpresas de 2020.

17. Grimes – Miss Anthropocene

Apesar das “esquisitices” da Grimes, esse disco é um disco confortável de ouvir. Uma perfeita trilha sonora de um mundo cheio de tecnologia. Quando falam que estão programando computadores pra comporem músicas de sucesso, acho que a Grimes é a pessoa que mais se aproxima do que um humano pode fazer com pensamento tecnológico.

16. Rina Sawayama – SAWAYAMA

O Pop está ótimo, obrigado. A Rina Swayama fez um disco quase sem gênero. Um disco com toques e melodias de Pop tradicional, misturando riffs de guitarra de New Metal. Uma das melhores coisas que descobri esse ano graças as dicas dos amigos. Ela é uma artista que temos que ficar de olho nos próximos lançamentos. Provavelmente vem mais coisa boa.

15. Lianne La Havas – Lianne La Havas

A Lianne La Havas faz um Soul, Indie Folk meio Jazzy que agrada demais. Se você precisa de um disco pra ouvir nos dias que você precisa de um conforto, esse disco é pra irvocê. Uma voz linda com muita personalidade. Ela se destaca no mundo onde ser genérico é mais seguro. Ela faz música com alma e dá pra sentir isso em todas as faixas do disco.

14. HAIM – Women in Music Pt. III

Apesar de eu achar que os dois primeiros discos das HAIM serem bem melhores, o Women in Music pt. III é um ótimo disco. Um disco diverso com todos os tipos de emoções pra cada momento do seu dia. O único defeito desse disco é que acho ele meio longo. Poderia ter 3 faixas a menos. Seria um disco com gostinho de quero mais.

13. Dua Lipa – Future Nostalgia

Nunca cozinhei dançando tanto na minha vida. Graças ao Future Nostalgia da Dua Lipa, cozinhei e dancei um monte esse ano. Um disco com cara de hoje em dia, mas que soa como um disco de pop dos anos 80 e 90. Se você precisa de alegria pro seu dia. Um disco pra levantar o astral e ter um dia pelo menos mais dançante. Afinal, dançar sem ninguém te julgando é a melhor coisa.

12. Imperial Triumphant – Alphaville

Um dos discos mais estranhos que já escutei na vida. O Imperial Triumphant faz um Black Metal Avant Garde, que você precisa de algumas audições pra se acostumar. Foi o disco que mais insisti no ano. Um disco que começa meio “que diabos é isso?” e termina com “Gente! Que coisa mais genial!”. Pra quem curte metal melancólico, o Imperial Triumphant faz o Ghost ser brincadeira de criança.

11. Poppy – I Disagree

Quando o New Metal apareceu fazendo mistura de Metal com Rap e Pop, nunca imaginei que um dia teríamos um Pop New Metal. A Poppy é incrível. Que disco bom de se ouvir. Se você curte pop e de certa forma, gosta de new metal, esse disco é perfeito. Riffs de guitarra comandam um disco de pop moderno. Misturando Djent e Eletro-Pop. Talvez tenha sido a melhor surpresa do ano. Foi difícil deixar o disco da Poppy de fora do top 10, mas vamos fingir que tinha vaga e ela levou como menção honrosa. Ouçam!

10. The Pineapple Thief – Versions of the Truth

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O The Pineapple Thief fez um disco que cada vez que escuto a posição dele na minha lista foi aumentando. Comecei a fechar a lista e o disco Versions of the Truth estava em 15° lugar. Quando comecei a ouvir de novo todos os discos da minha lista, parei nele e ouvi mais vezes do que os outros. Talvez tenha sido injusto com os outros discos, mas o som que eles fazem me emociona demais. Se você gosta de Porcupine Tree (inclusive o incrível baterista Gavin Harrison do Porcupine Tree entrou no The Pineapple Thief em definitivo). Foi dessas bandas que só fui ouvir por causa da entrada do Gavin na banda e não me arrependi. Um som spacey, com muita melancolia e melodias e harmonias perfeitas. Um disco pra ouvir em dias de chuva e com uma caixinha de lenço de papel do lado.

9. Code Orange – Underneath

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Nunca fui muito fã de hardcore, mas o Code Orange faz um som tão diferente do que se tem em mente quando se pensa em Hardcore que eu tive que entrar de cabeça na obra dessa banda sensacional. Eles fazem um metal moderno com toques de eletrônico industrial que deixaria qualquer purista de nariz torcido. E por isso mesmo que gostei. Eles fazem o que a gente não espera. Surpreendem com ritmos e agressividade únicos. Um discáço que pra mim, ficará na lista de melhores discos de metal moderno dos últimos anos. E a banda ainda tem muito o que mostrar. Ainda bem!

8. Pain of Salvation – PANTHER

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Quem me conhece, sabe que sou fanboy do Pain of Salvation desde 1998 quando ouvir pela primeira vez o One Hour by the Concrete Lake. Desde então sou obcecado pela banda. Todos os discos que eles lançam eu acho maravilhosos. É claro que ser fã, te torna clubista. E sou mesmo. Tudo que envolve o Pain of Salvation eu já começo gostando antes mesmo de ouvir. Eu sei que a música desses gênios do Prog Metal são diferentes e experimentais, mas é justamente por isso que eu gosto. Não tem virtuosidade ou solos infinitos sem fim. É sobre estrutura de música. Tempos complexos e letras incríveis. O Daniel Gildenlöw é um gênio e tem uma das vozes mais lindas e perfeitas que já ouvi. O Panther é um disco que ele faz em homenagem ao seu filho que vê o mundo de uma maneira diferente. E ele faz o disco tentando entender como seu filho vê o mundo. Uma belíssima homenagem que criou um dos melhores discos da banda.

7. Paradise Lost – Obsidian

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O Paradise Lost é dessas bandas que sempre gostei, mas nunca fui desses fãs que seguem a banda o tempo todo. Toda vez que eles lançam um disco novo eu vou lá e escuto e geralmente gosto. A banda faz um metal melancólico e pesado, no melhor do Gothic / Doom Metal. A banda esteve sempre em alto nível. Mas o Obsidian se destaca entre os lançamentos dos últimos 10 anos. A banda veterana parece que rejuvenesceu. A sonoridade está moderna e cada vez mais pesada. Um disco pra ouvir em dias pesados. Um climão de tristeza e agonia, mas se você curte metal e rock pesado pra se sentir assim, o Paradise Lost é a banda pra você.

6. Katatonia – City Burials

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O Katatonia é uma banda que adoro demais. Eu já estava triste quando a banda anunciou que tinha parado em 2018. Mas pra nossa sorte eles voltaram pro estúdio em 2019 pra lançar mais um disco. Depois de algumas mudanças na formação a banda se encontrou com um novo line up muito competente. Mais uma vez o Katatonia fez um disco triste, sombrio e de sofrência. Mas dessa vez eles lançaram uma das melhores músicas de 2020 na minha opinião chamada “Behind the Blood”. A mixagem do disco é uma coisa de outro planeta. O City Burials é um dos melhores discos da belíssima carreira dos suecos do Katatonia e se você ouvir, vai poder concordar comigo.

5. Lady Gaga – Chromatica

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Hits, Hits e mais Hits. Pra mim, esse disco entra no clube de clássico do Pop de todos os tempos. A sequência da primeira metade do disco é impecável. Hits feitos com muita produção de primeira linha e compositores como Max Martin ajudando a Lady Gaga no que ela tem de melhor, escrever canções Pop com um temperinho diferente que só ela tem. O disco tem uma ou outra música não tão forte. Talvez se ele fosse um pouco menor seria perfeição pura, mas as músicas de preenchimento do disco são boas, mas não memoráveis. Stupid Love, Free Woman, Plastic Doll e 1000 Doves são as músicas que mais gosto. Apesar do clima pop, o Chromatica é um disco sobre dificuldades, luta, resiliência e cura. Pra mim, o melhor trabalho da Gaga até hoje e olha que o nível já era altíssimo.

4. Haken – Virus

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O Prog Metal está salvo e em boas mãos. Desculpe o palavrão, mas puta que pariu. Que pedrada foi essa do Haken? Que disco meus amigos! Pra quem gosta de Prog Rock, Prog Metal e Metal Moderno, o Virus do Haken é um dos melhores discos dos últimos 20 anos. Desde o Scenes from a Memory do Dream Theater eu não me emocionava tanto com um disco de Metal Progressivo. Diferente do Dream Theater, o Haken fez um disco preciso e compacto. São 51 minutos de musicalidade sem virtuosismos sem necessidade. Eu inclusive adoro firulas desnecessárias, mas o Haken faz um metal progressivo que as partes instrumentais ficam com gostinho de quero mais. Quando algumas bandas fazem demais, o Haken faz na medida. Vários momentos eu pensei, “tomara que tenha mais uns 2 minutos desse riff repetindo até eu cansar”, mas não acontece. Você tem que voltar e ouvir a música de novo. Não à toa esse é um dos disco que mais ouvi no ano. A música de abertura “Prosthetic” é um hino máximo do metal progressivo. Entrou na minha lista de músicas mais incríveis do gênero. Claro que se você não gosta de progressivo em geral, esse disco pode não ser pra você, mas se você algum dia teve curiosidade de ouvir músicas complexas, mas que não soam como uma competição de alunos virtuosos de escolas de músicas, o Virus do Haken é pra você. O nome do disco é apenas uma curiosidade. O disco não tem nada relacionado com a COVID-19, mas sim uma continuidade do disco Vector de 2018. O disco foi mixado pelo genial Adam Nolly Getgood, ex-baixista do Periphery. A sonoridade, precisão e qualidade do disco é impressionante. É um disco que nunca vai envelhecer. Tudo soa pesado, forte, com energia e timbres lindos. Os ingleses do Haken com certeza vieram pra mostrar que o Prog Metal tá longe de morrer. Talvez seja um nicho que poucos gostam, mas se você gosta e ainda não conhecia o Haken, de nada :).

3. Taylor Swift – Evermore / Folklore

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Quando estivermos em 2029 e lembrarmos dos discos da década de 2020 vamos lembrar dos discos feitos na pandemia. Talvez o Folklore tenha sido o mais marcante e quem sabe o disco definitivo quando lembrarmos de uns dos anos mais difíceis da história. Talvez o maior motivo do Folklore ser tão avassalador pra carreira da Talylor como compositora é que sem pandemia, muito provavelmente ela faria um disco diferente, com clipes e apresentações na TV e premiações. Com a pandemia ela se mostrou gigante. Uma compositora que já sabemos ser talentosa e diferenciada, mas no Folklore ela mostra uma profundidade e emoções que me encantaram. Dos grandes nomes da música mainstreaming, a Taylor nunca foi a que mais escutei ou prestei atenção, mas nessa obra prima ela não só mostrou todas as suas emoções, mas também uma qualidade única. A primeira vez que escutei “cardigan” meus olhos se encheram de lágrimas. Em “epiphany” me arrepiei do começo ao fim. O Folklore é um disco que gosto de chamar de cobertor quentinho. Um disco pra ouvir nos momentos que precisamos de um abraço e uma cama quentinha. A Taylor conseguiu esquentar o coração de várias pessoas em um ano que foi complicado achar bondade e alegria. Obrigado, Taylor por esse disco. Mas não parou por aí. Chega Dezembro e ela me lança mais um disco. Não imaginei que seria um disco tão bom quanto o Folklore, mas foi melhor. Escutei no dia do lançamento por 4 vezes em repeat e sim… o Evermore me emocionou mais do que o Folklore. Como muitos falaram por aí, o Folklore é um disco de inverno e o Evermore é um disco de outono. Poderia ser facilmente um disco duplo, por isso vou roubar no jogo aqui e colocar os dois discos como um só na 3a posição.

2. Deftones – Ohms

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No final do ano passado eu sabia que o Deftones iria lançar mais um disco e eu já sabia que entraria na minha lista mesmo antes de ouvir. Deftones pra mim nunca erra. Alguns discos são menos geniais que outros, mas não foi o caso do Ohms. Esse disco só confirma minha tese. De 10 em 10 anos o Deftones lança uma obra de arte. Em 2000 foi o White Pony, em 2010 o Diamond Eyes e agora o Ohms.

O Ohms é um disco cheio de emoção. Começando com a Genesis, que já abre o disco com um sintetizador e o riff limpo de guitarra bem característico da banda. É o momento em que você se lembra de onde vem todo esse clima sexy da banda. De repente vem um riff super pesado e a voz incrível do Chino. Em sequência, Ceremony vem como um Dream Pop com uma linha melódica sedutora e cheia de sussurros e sensualidade. Em Urantia, talvez o Riff mais Heavy Metal do disco, mas que logo se transforma em uma viagem fluída trazendo um sentimento transcendental. Em Error, que pra mim é a melhor música de 2020 até agora. É uma das misturas criativas mais impressionantes que o Deftones fez nesses mais de 30 anos de banda. Pega o Faith no More e mete um The Cure no meio, dá uma misturada boa e é isto!

O disco fecha com Ohms, que talvez seja a música mais ousada da banda nos últimos anos. Um Riff de guitarra com dissonância que chega até ser estranho no início, mas depois que a banda toda entra, tudo faz sentido. Eu nem tenho muito o que falar sobre os gênios Stephen Carpenter, Abe Cunningham, Frank Delgado, Chino Moreno e Sergio Vega. O Deftones basicamente salvou o meu 2020 emocionalmente.

O disco foi novamente mixado e produzido pelo mestre Terry Date, que trabalhou com a banda no Adrenaline (1995), no Around the Fur (1997), no White Pony (2000) e no autointitulado Deftones (2003). Além desses 4 trabalhos geniais, o Terry Date ainda produziu bandas como Slipknot, Pantera, Soulfly, White Zombie, Dream Theater, Slayer e Soundgarden.

É daqueles discos que quando acabam você pensa, “Ué? Mas já!?” Preciso ouvir de novo. É um disco que já nasceu clássico. Daqui há alguns anos, as pessoas que fizeram uma tatuagem do White Pony, vão tatuar os olhos da capa do Ohms.

1. Bruce Springsteen – Letter To You

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Tão bom se emocionar e chorar ouvindo um disco do começo ao fim. Ainda mais quando as letras tem tanta história e sentimento. O The Boss é conhecido como um grande contador de histórias. Ele sempre dominou a arte de se contar uma história com suas músicas. Desde que começou nos anos 70 o Bruce foi aprimorando sua escrita e suas composições. No disco Letter To You, ele faz uma viagem no tempo e faz uma belíssima homenagem ao passado pra lembrar quem ele é e quem ele se tornou.

Depois que seu amigo George Theiss faleceu, o Bruce Springsteen se tornou o único integrante vivo da sua antiga banda The Castiles. Com toda essa reflexão, o Bruce escreveu várias músicas sobre perda, morte, dor, saudade e homenagem.

Além de compor incríveis novas canções, o The Boss trouxe 3 músicas que ele compôs nos anos 70 e depois de 6 anos ele juntou novamente a E Street Band na sua casa para 5 dias de gravações. A química da banda é tão perfeita que em 4 dias eles gravaram todas as 12 músicas.

A produção ficou por conta do Ron Aniello e tudo foi gravado ao vivo com a banda toda tocando ao mesmo tempo. A sonoridade do disco é um escândalo. Mixado pelo gênio Bob Clearmountain que mixou discos como Let ‘s Dance do David Bowie e o These Days do Bon Jovi.

Além do disco sensacional, não é atoa que foi o meu favorito do ano, o Bruce lançou um documentário na Apple TV+ no mesmo dia do lançamento do disco. O filme mostra o processo criativo de um dos maiores talentos do Rock e a sua amada banda que está novamente reunida.

O disco começa com a melancólica One Minute You’re Here, que já mostra qual será o clima do disco. Logo em sequência vem Letter to You que mostra um Rock de arena que está prontíssima pra ser ouvida por todo um estádio assim que os shows voltarem depois da pandemia. O disco segue impecável com músicas lindas como The Power of Prayer e a sua composição de 73 chamada If I Was The Priest e o hit Ghost. O disco fecha com a maravilhosa I’ll See You In My Dreams que é de chorar.

É um disco quase conceitual de um gênio da escrita e da composição. O Bruce é uma lenda viva. Um dos maiores seres humanos vivos. É um sujeito cativante e que me emociona como ninguém. Esse disco tocou meu coração e minha alma. É um disco que EU precisava ouvir. É um disco com cara de saudade e dor. É um disco com a cara de 2020. Quando eu lembrar desse ano difícil, vou lembrar dos momentos de emoção que tive ao lado da E Street Band e do Bruce “The Boss” Springsteen. É um disco que provavelmente você também estava precisando. Abra o coração e se joga.


Vinicius Cabral

Já que estamos falando de listas, me permito começar com uma autorreferência listável: 2020 está no top 3 dos anos mais complicados da minha vida. Sei que não detenho o privilégio do perrengue (sobrenome desse ano), mas fui particularmente testado por intempéries tão magistrais quanto a minha paciência e minha força pra lidar com elas. Por outro lado, lancei dois discos e passei no mestrado. Por isso, talvez, minha relação com a cena musical esteja tão intensa e, paradoxalmente, crítica. Embora não esteja buscando caminhos para categorizar meu próprio trabalho, tenho visto com ceticismo, quanto mais me aprofundo artística e intelectualmente, os telhados de vidro: as falsas promessas, a superficialidade da cultura influencer (que invade imensamente a música) e os paradoxos e limitações da tecnologia (do streaming, das automatizações, das plataformas digitais). A música sempre será uma expressão humana. No fim das contas, absolutamente orgânica e real, indissociável do corpo, da mente e da alma. Tudo o que é simulação se apaga quando desligam-se os computadores. As melodias ficam.

20. Grimes – Miss Anthropocene

Esse disco é uma tragédia. A narrativa do humano que cedeu (e se integrou) à máquina. Embora a música de Grimes teime tanto em ser humana, a artista segue insistindo em sua distopia – e insistindo em achar que ela é utópica.

19. Poppy – I Disagree

2020 foi tão maluco que promoveu uma espécie de encontro inusitado entre Korn e Britney Spears nos corredores do purgatório. Poppy é isso, mas felizmente, também não é só isso. E, mais do que felizmente, não é só uma celebridade de YouTube. Tem tudo pra ficar é seguir inovando. Não é um álbum A+, claro, mas um passo importante para uma carreira ainda curta, mas que promete muito.

18. Megan Thee Stallion – Good News

Precisava uma mina chegar pra chacoalhar o establishment do rap atual. Basta dizer que a estreia de Megan (que assina com Cardi B um dos hits do ano, WAP), escapa da mesmice do onipresente trap em um disco que resgata boombap, gangsta e outras variáveis do rap, recicladas aqui a partir da personalidade e dos flows incríveis da cantora. Uma boa notícia, de fato, esse debut da poderosa Megan Thee Stallion.

17. Dogleg  – Melee

Emo-indie-hardcore-punk: Play Fast é o slogan que a banda involuntariamente adota. O disco é assim mesmo, uma fusão do que há de mais distorcido, rápido e gritado no cenário atual, com aquele indiscutível “arzinho” indie característico que me agrada tanto.

16. Charli XCX – How I’m Feeling Now

Nada de novo em relação a seu grande disco do ano passado, mas mais um degrau da Charli em direção a … não sabemos. A questão aqui é justamente essa: a experimentação vai criando uma identidade – que alguns já chamam, acertadamente, de hyperpop- , mas como em toda experimentação, ainda não conhecemos o ponto de destino. A Charli segue, e nós seguimos – de perto- a Charli.

15. Porridge Radio – Every Bad

Um pecado não ter entrado nos meus 10+, mas é importante dizer que tive um cuidado grande com esse disco em uma das newsletters do ano. Por trás da aparente roupagem “pós-punk tardio”, Porridge Radio mostra uma jovem compositora (Dana Margolin) com a imensa moral para já nos entregar, em seu segundo disco apenas, clássicos do tamanho de Circling, Lilac e Sweet.

14. Lil Uzi Vert – Eternal Atake

Esse disco pra mim é um petardo, que coloca o suposto – e muito caricaturado – “emo-trapper” da nova geração como o que ele realmente é: um excelente rapper. Letras fortes, flows inovadores, e uma indicação de que tem muito caminho ainda pela frente pro sensacional Uzi.

13. Jessie Ware – What’s Your Pleasure

Um disco perfeito, fora do top 10 só por teimosia do autor da lista. Basta dizer que a veterana Jessie nos entrega o melhor álbum disco-electronica desde Hercules and Love Affair. Uma pequena obra-prima. Pop até o talo, dançante, mas de uma elegância singular.

12. Blake Mills – Mutable Set

Outra pequena obra prima “perdida” aqui fora. Um disco cheio de nuances e climas, do outrora músico de apoio  – sempre nos bastidores como guitarrista – Blake Mills. Money Is The One True God e Vanishing Twin estão, facilmente, na minha lista de melhores músicas do ano. 2020 foi sensacional para o Blake, que também produziu um certo disco aí que veremos mais pra frente na lista.

11. Waxahatchee – Saint Cloud

Belo álbum indiefolk da cantora/compositora estadunidense. À princípio parece “só” um belo disco indie, mas “só” isso já tem sido muita coisa ultimamente. Só pelos singles incríveis Lilacs e Fire já valeria uma audição, mas quanto mais a gente vai entrando no universo de Saint Cloud, mais se pode cravar: é um disco que beira a perfeição.

10. HAIM – Women in Music Pt. III

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HAIM é, pra mim, a melhor surpresa de 2020. Não porque não achasse que o trio de irmãs fosse capaz de compor grandes canções, mas pela coesão e brilhantismo de um disco irrepreensível desde o primeiro play. A forma com que esse trabalho mescla influências do pop mainstream de final dos 90/2000 com um espírito indie rocker é algo pra se destacar mesmo, para a posteridade. Destaques absolutos aqui, em um álbum que é um hit atrás do outro.

9. Destroyer – Have We Met

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Dan Bejar é um pequeno gênio. Marcou profundamente a década passada com sua obra-prima Kapput, e enriqueceu profundamente um ano tão duro com um disco cheio de imagens insólitas, melodias divinas e uma métrica ousadíssima. Um crooner moderno, meio “filho” de Gainsbourg’s da vida, Dan nos entrega à frente de sua banda Destroyer,um disco cheio de pérolas (Cue Synthesizer, The Raven, Crimson Tide). O disco saiu em janeiro e, ouvido em dezembro, mostra que não tem mês nem ano: trata-se de mais um petardo atemporal do artista canadense.

8. Bartees Strange – Live Forever

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Bartees é um alento. Em seu debut, o artista de Oklahoma entrega a que veio, com um domínio estético sensacional, indo do indie rock clássico ao dreampop cheio de climas, passando por beats meio desconstruídos (que não devem nada a um Injury Reserve da vida). Na essência, Bartees é um rocker negro, cavando seu espaço em um universo que é, superficialmente, dominado por artistas e bandas brancas, ou embranquecidas. Impossível não lembrar de uma de suas maiores influências, como TV On The Radio ou Bloc Party, mas é importante dizer que Bartees constrói seu próprio espaço, e parte dessas referências bem claras para nos entregar um dos melhores álbuns de rock alternativo do ano.

7. Adrienne Lenker – Songs/Instrumentals

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Adrienne é um gênio. Sem mais. Se o disco (duplo) já me impactou nas primeiras audições, sua performance recente das principais canções no Tiny Desk (Home) deixou bem claro pra quem quiser ver o quanto essa mulher é gigante. Com um violão e sua voz ela domina totalmente o ambiente que ocupa. E ocupa vários, com seus sons captados, inclusive, e “jogados” no meio das canções na mixagem dos discos. Mais uma obra de letras íntimas e densas, com a profundidade e maestria melódica de uma artista em plena forma, e que tem muito a nos oferecer ainda, seja como solista, seja com sua magnífica banda, Big Thief.

6. Moses Sumney – græ

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Moses não está brincando em serviço. Em seu segundo LP, já nos traz uma obra digna de mestre. Um disco denso, calcado em dualidades, crises intimistas e (profunda) auto crítica masculina. O belo Moses, além de ter uma voz angelical, passeia por arranjos arrojadíssimos (como em  Cut Me, com produção de Daniel Lopatin) e abordagens mais cruas, onde se realiza com harmonias mais simples e diretas (como em Polly, onde basta um violão e sua voz para o artista nos desmontar totalmente). græ é uma obra sobre um certo tipo de isolamento, e navega pelas profundezas de uma mente criativa e sensível, em um mundo duro e repleto de desafios materiais e afetivos. “Isolation comes from insula which means island”. A frase, que ecoa em nossas mentes após algumas audições, embala o disco, nos envolvendo em um loop viciante capaz de nos manter atentos a essa obra por meses a fio.

5. Yves Tumor – Heaven To A Tortured Mind

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É fácil se perder nas referências ao falar deste álbum de Yves. Quem bate na faixa de abertura Gospel For a New Century por exemplo, já ressuscita imediatamente uma banda já citada nessa lista – o TV On The Radio. Superficialmente, Yves está nesse entrelugar, passeando por sonoridades de um rock alternativo moderno, pelas texturas do eletrônico e do experimental, e pelas tradições de um certo pop desconstruído (Prince vem à mente, como em Kerosene!). Tem algo novo aqui, no entanto. O que as “paredes” elaboradas, com camadas de synths, samplers e beats quebrados revelam, mais do que qualquer aceno a um pop-indie-jazz-R&B (que já estava claro no debut do artista) é um flerte mesmo com as sonoridades mais breakthrough dos 90 (Bjork, Massive Attack, Beck). O que fica mais do que claro no jogo de vozes e dos beats de Strawberry Privilege, quase um hino lofi em meio a um disco que parecia ter nascido para projetar Yves a universos mainstream. Heaven to a Tortured Mind é uma pedrada, que merece ainda muita atenção.

4. Perfume Genius – Set My Heart On Fire Immediately

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Mike Hadreas começa seu melhor álbum até hoje com os versos: “Half of my whole life is gone“. Ao se auto-contemplar o artista se dissolve no reverb de sua própria voz, em uma canção que faz alusão ao pop de Big Band dos 50 e 60, com paredes marcantes (obra, talvez, do produtor Blake Mills?) e uma letra confessional e profunda. É só a introdução (Hadreas ainda tem metade de uma vida, e um disco inteiro pela frente). A obra vai passeando por um indie rock inspirado nos anos 2000 (Describe, Without You, Nothing at All), dreampop (Leave, Just a Touch) e outras sonoridades espantosamente bem recicladas. Como no single On The Floor que, segundo o artista, se inspira em Cindy Lauper, em seu histórico hit Girls Just Want to Have Fun. Mas tudo aqui é reciclado com tanta excelência e identidade, que as linguagens originais que Hadreas toma como inspiração soam apenas como o que de fato são: inspirações. O artista toma para si as estéticas, adaptando-as a uma visão única de performance e composição, em um dos grandes  – e inesquecíveis – discos de 2020.

3. Phoebe Bridgers- Punisher

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Phoebe Bridgers demorou a me convencer. Por puro preconceito meu mesmo, admito. Músicas muito low tempo, violãozinho, clima acústico de fim de festa indie anos 2000, etc. Bastaram os primeiros acordes de Kyoto soarem – vendo o maravilhoso clipe em chroma key caseiro da canção – que mordi minha língua inteira até não conseguir mais falar. A música resume o gênio de Phoebe: “Day off in Kyoto, got bored at the temple / looked around for the 7/11″. A maestria gráfica das letras da artista, somadas aos arranjos arrojadíssimos e cheios de camadas intrigantes, despertam uma energia inesperada. Especialmente se considerarmos que  Phoebe é, realmente, low tempo. Com exceção de Kyoto e I Know the End, praticamente todas as músicas de Punisher são lentas, arrastadas, climáticas e envolvidas em uma performance indie-folk que, na boca de outros artistas, soaria comum. Mas Phoebe tem uma … energia mesmo.

Única.

Algumas das canções desse disco reverberam tanto, que foram necessárias pra mim acumuladas audições para entender o que acontecia nas camadas mais sutis. Destaques fenomenais, como: Garden Song, uma balada incrível, cheia de timbres “enfiados” na mix, pelos quais a voz de Phoebe sobrevoa em versos incríveis; Punisher, a faixa título, melodiosa e reveladora de crises internas, com uma letra fenomenal; Chinese Satelitte, que tem o refrão mais absurdo do ano pra mim (liricamente, ao menos): “I want to believe / Instead I look at the sky and I feel nothing / you know I hate to be alone”. Não à toa, é essa mesmo a imagem da capa do álbum: Phoebe com seu macacão de caveirinha (marca registrada), olhando as estrelas. Não há nada lá em cima? Ninguém sabe. Talvez por isso a compositora vá olhar para dentro de si, encontrando os anseios que expõe em todas as outras faixas desse disco impecável (Moon Song, Savior Complex, Graceland Too … ). Impecável, mas “uniforme”. Bridgers realmente tem uma visão estética, e não abre mão dela. A bela I Know The End, uma das maiores canções do ano também, reforça isso. A música segue o clima acústico, lento, até que a coisa “cresce” em um final catártico, encerrando a canção (e o disco) com uma explosão com direito a gritos da cantora. De dentro pra fora, do indivíduo para o coletivo, do íntimo de Phoebe para o íntimo de todos nós – Punisher é um disco que vai sempre traduzir 2020 pra mim … e pra muita gente.

2. The Microphones – Microphones in 2020

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“A new album. One really long song” 

Assim Phil Everum, o cara por trás de The Microphones, define sua nova empreitada artística. Uma única canção, de dois acordes, noises e captações caseiras, adornando uma autobiografia emocionante. “Poderia ser um audiobook“, disseram alguns maldosos. Só que não … tinha que ser um álbum! Phil é um compositor já experiente (autor de uma das obras primas do início dos 2000, The Glow Pt 2., também sob a alcunha The Microphones), e isso é o que compositores fazem: manipulam as linguagens musicais para criar canções, álbuns, obras sonoras que capturem aspectos de suas realidades e do mundo ao redor.

Por isso, The Microphones in 2020 não poderia ser um audiobook, um livro ou um documentário. Tinha que ser o que é: um álbum que, ainda que sob um formato incomum, reúne um conjunto de climas e construções pessoais, traduzidas em música. Acordes, melodias, barulhos … todo o aparato lofi da obra, se relaciona diretamente com o mural de fotos das memórias de Phil, que ele vai jogando em uma mesa no vídeo que acompanha o disco/canção pelo YouTube. E ele parece jogar todas as “cartas” na mesa mesmo: sua adolescência, sua relação com o rock alternativo, seus medos, a dor da perda de sua esposa (levada precocemente por um câncer a poucos anos atrás), suas reflexões filosóficas mais profundas que, pelo menos para mim, cristalizam-se todas no verso: “I saw Stereolab in Bellingham and they played one chord for fifteen minutes. Something in me shifted. I brought back home belief I could create eternity”. 

É isso o que compositores fazem: manipulam as linguagens musicais para, afinal, tentar criar a eternidade. Se no caso do Stereolab isso veio para o Phil (e para tantos outros fãs, como eu) pelas repetições mântricas da banda, neste Microphones in 2020 a eternidade que se cria é a da timeline da vida do autor, e das vidas que ele toca. Dos 23 anos que tinha quando lançou seu primeiro disco como The Microphones, aos 41 que tem hoje, Phil atravessou uma estrada tortuosa, com quedas, perdas e sonhos interrompidos. Não é essa também a minha trajetória? Não é este também o estado das coisas, em 2020? Em suas palavras: now only. Devemos atravessar o agora, para um lugar melhor. Mas pensando sempre no melhor … agora (porque nenhum futuro pode ser tão terrível quanto esse 2020, quando as sombras de todo o planeta parecem ter vindo à tona).

1. Fiona Apple – Fetch The Bolt Cutters

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O disco foi lançado em abril. De lá pra cá não havia uma única imagem para promover o trabalho (com exceção do projeto gráfico do próprio álbum). A alguns meses atrás, de relance, uma apresentação ao vivo (feita no festival do The New Yorker) apareceu em uma conta desconhecida no YouTube, apenas para derrubarem o vídeo em questão de dias. Desapareceu. Um tempo depois, agora oficialmente, aparece no canal da artista um videoclipe para Shameika (acompanhado por um vídeo mostrando o processo, o que atesta a legitimidade do trabalho). Considerando que se trata de uma rotoscopia feita quadro a quadro, é de se imaginar que o vídeo pode realmente ter ficado esses 7 meses para ser produzido. O mais fácil de se imaginar, porém, é que Fiona não quer depender de nenhum aparato estético auxiliar (e ela pode se dar ao luxo de não querer). Apple lançou um disco que fala por si, e que despreza arestas e desdobramentos. Ela lançou um álbum.

Histórico.

Histórico porque rompe completamente, desde os primeiros acordes, com qualquer consenso comercial ou estético adotado atualmente. Histórico porque me fez largar absolutamente o Spotify (a plataforma é demasiadamente “barulhenta” para que eu conseguisse me concentrar naquelas canções tão violentas e poderosas). Histórico porque coloca Fiona Apple, pra mim, no mesmo patamar de Brian Wilson, Paul McCartney ou Carole King. Isso sem uma banda gigantesca, uma orquestra ou milhões de dólares em estúdio. Bastou um piano, baixo acústico, alguns synths, uma guitarra aqui e ali, e percussões (que frequentemente incluem o chão, ou o próprio piano de Fiona, ou até mesmo tampas de panelas).

No polêmico e já histórico review do disco na revista Pitchfork, uma das primeiras frases me deixou intrigadissimo, por meses: “no music has ever sounded quite like this”. Eu achei que era um exagero. Mas não é. Brian Wilson, quando tentou fazer o disco mais perfeito da história da música (pra tentar talvez superar a si mesmo), tinha milhares de horas de estúdio, uma orquestra e até corpo de bombeiros à disposição. Suas composições dispensariam facilmente qualquer estrutura grandiosa dessas para nos emocionar, mas essa era a forma do tempo dele e, depois de muito tempo batalhando com fragmentos para atingir a perfeição, o projeto naufraga (o mítico e nunca propriamente lançado, SMiLE).

Hoje bastam os fragmentos, e o som de uma casa. Dizer que nunca se ouviu música assim não quer dizer que Fiona descobriu a décima terceira nota do piano ou criou um novo estilo. Ela só criou um disco perfeito, executado e tocado em sua casa, com a sua casa. Cachorros que latem, detalhes maximizados de toques nas teclas do piano, porradas no chão, gritinhos e brincadeiras vocais … percussões quase tribais que, como em Newspaper (com uma letra que fala de sororidade diante do abuso sexual), invadem a melodia rascante de Apple, criando uma orquestra minimalista de voz e pancadas (metafóricas ou reais).

Nunca se ouviu música assim.

E hoje em dia, como não se ouve mais música – porque estamos a maior parte do tempo nos debatendo contra outdoors luminosos em alguma rede social disfarçada de player musical – esse disco é um marco. Pelo simples fato de nos fazer voltar a ouvir, e a querer ouvir cada detalhe, cada suspiro, cada sopro, cada acorde. Quando, depois de mais de 8 meses, eu finalmente ouvi todos os detalhes dessa obra prima, cheguei à conclusão de que esse é o disco mais importante do ano (e da nossa época). Por tudo isso que eu já disse … por nos fazer voltar a acreditar nas canções.

Eu não tenho mais nada a dizer, que Fiona já não deixe claro em um verso (da faixa título):

“Those it-girls hit the ground”.

A artista, que já tentou ser “vendida” como apenas isso (uma it-girl do momento), reverte a história e nos ensina o seguinte: tudo o que é líquido se dissolve em vapor e se desmancha no ar.

Fiona Apple não vai se desmanchar.

Destaques Nacionais:

Negro Leo – Desejo de Lacrar. FIM.

Brincadeiras à parte, esse ano é pra louvarmos o rap nacional (que tem carregado nossa música nas costas), o Brega Funk (perfeito), e as múltiplas tendências underground, bem próximas de nós e às vezes, infelizmente, tão distantes. Em 2020 eu finalmente vou cumprir – a sério – minha orientação de não publicar minhas análises sobre a cena. Lancei dois álbuns, com meus dois projetos autorais, e minha carreira musical já me exige muita isenção. Falarei dos clássicos, e de nossas cenas históricas. 2020/BR eu deixo para outros blogs, sites e listeiros. Mas sim, ouçam Negro Leo – Desejo de Lacrar, godofredo – Arquivos Vol. 3, The Innernettes – comuna (e os sons maravilhosos dos nossos hosts e colaboradores). Como sempre dizemos: apoie a cena local. Sem frase pronta … apoie mesmo!  The Innernettes – comuna


Márcio Viana

Eu não tenho como negar que a pandemia me afetou em tudo o que faço, e uma delas é inevitavelmente o modo como consumo música. Além da mudança na forma como me locomovo, a minha atenção se voltou para outros assuntos e eu admito que este ano estou um tanto mais conservador em relação à música – só em relação a ela, que fique claro -, o que me fez dar mais atenção a artistas que eu já conhecia, com algumas exceções. Ainda assim, há que se dizer que os veteranos também acabaram por lançar coisas boas e mereceram o destaque, tanto na lista dos dez melhores quanto nas menções honrosas.

20. Deep Purple – WHOOSH!

Como eu já disse em alguma newsletter e como o Bruno Léo relembrou na introdução do episódio, o Deep Purple fez o que se espera dele: um disco que poderia ser lançado em 2020 ou em 1987. A banda, já com meio século de existência e apostando na continuidade de uma fórmula que ela própria criou, se fiou no produtor Bob Ezrin para não pisar fora da linha. Boas canções que, se não empolgam, também não irritam.

19. Edu Schmidt – Croto

O álbum mais recente do argentino Edu Schmidt, ex-integrante do grupo Árbol, Croto, vem para fechar uma espécie de trilogia iniciado com Chocho! (2014) e entremeada por Loco (2017). Segundo ele próprio, Chocho! era uma fotografia sua, Loco uma lembrança de como era quando criança e Croto uma declaração do velho que ele quer ser. O destaque aqui é a faixa de abertura, Felicidad.

18. Herbert Vianna – HV Sessions Vol. 1

O líder dos Paralamas do Sucesso sabe de suas limitações. Não só a que o impede de andar, após seu triste acidente de ultraleve em 2001, mas também a imposta pelo tempo, que fez com que ele, que já não se considera um grande cantor, baixasse o tom. Neste disco, todo de covers cantadas em inglês, em voz e violão e a companhia do produtor Chico Neves em alguns efeitos sonoros e instrumentos não-tradicionais, Herbert homenageia algumas de suas influências. Sobressai a habilidade do músico no violão e guitarra. O título indica que haverá uma continuação.

17. Vanessa Krongold – Singular

Vanessa Krongold, conhecida como vocalista do Ludov, banda paulistana que de 2002 a 2014 lançou quatro álbuns e quatro EPs, e no momento encontra-se em um hiato, lançou seu primeiro disco-solo este ano, num trabalho iniciado há cinco anos, com o lançamento de quatro singles e seus respectivos clipes.

Singular, o disco, inclui então as quatro faixas lançadas em 2015, Hoje, Concreto, Instante e Paciência, e junta a elas mais cinco, À Queima Roupa, Dois e Dois, Xeque-mate, Menú del día e Recomeço, em sons que, se não representam uma grande ruptura com a sonoridade do Ludov, carregam um pouco mais na sonoridade pop, com metais, teclados e até violino (tocado por Fernanda Kostchak, do Vanguart).

16. Pretenders – Hate for Sale

O que eu disse sobre o Deep Purple pode também ser aplicado aos Pretenders. Sempre contando com o carisma de sua líder Chrissie Hynde, a banda faz um disco que não soaria estranho na segunda metade dos anos 80, se valendo das tecnologias mais modernas de gravação para entregar um trabalho muito inspirado. Destaque para The Buzz e para a faixa-título.

15. Ira! – IRA

O disco que marca o retorno do núcleo base do Ira!, formado por Edgard Scandurra e Marcos Nasi Valadão, junto a dois novos integrantes (porém veteranos), Johnny Boy e Evaristo Pádua, representando uma banda que muda para não mudar: o grupo continua o mesmo, se fiando das harmonias bem construídas na guitarra canhota de Edgard e contando com o carisma do vocalista Nasi. É uma fórmula que dá certo, geralmente, e IRA, o disco, tem um conjunto bastante coeso de canções, coisa que nem sempre se encontrou em álbuns do grupo. Vale escutar.

14. Neil Young – Homegrown

Um disco novo/velho de Neil Young, gravado entre 1974 e 1975 pelo cantor, que não o lançou à época por considerá-lo exagerado na sofrência. O álbum foi escrito após a separação de Young da atriz Carrie Snodgress. O próprio cantor descreve o álbum como uma ponte melódica entre o Harvest e o Comes a Time, dois álbuns clássicos dele, e não é exagero. Prato cheio para quem gosta da obra de Neil Young.

13. Fernanda Takai – Será que você vai acreditar?

Gravado bem no início da pandemia, o disco consolida a ideia de que talvez a veia mais pop da parceria entre Fernanda e seu marido, John Ulhôa, funcione melhor em carreira-solo, deixando para o trabalho com o Pato Fu a missão e a liberdade de serem mais experimentais. Em clima caseiro, a temática do disco circula por temas que celebram a preocupação com o mundo que está se apresentando para as novas gerações, em especial a filha dos dois, Nina. A síntese disso está no primeiro single do disco, Terra Plana.

12. Green Day – Father of All Motherfuckers

Acho curioso que o Green Day tenha abraçado as influências de new wave de uma maneira bem incisiva neste disco no mesmo ano em que esteja lançando um álbum de seu projeto paralelo The Network, que vai mais a fundo nisso.

Aqui, a banda erra e acerta, mas no geral vai bem. Da primeira vez em que ouvi Oh Yeah no rádio, não fiz ideia de que eram eles até que fosse anunciado. O clima é esse, portanto.

11. Bruce Springsteen – Letter to You

A gente sempre pode contar com Bruce Springsteen como o working class hero que precisamos, né?

Aqui, em vários momentos (em especial em Rainmaker), embora não de modo literal, o Boss faz um relato um tanto desesperançoso sobre a situação de seu país, e consequentemente do mundo. Mas o tema central do disco parece ser a morte, que em I’ll See You in My Dreams ele indica que não é o fim. Letter to You foi lançado acompanhado de um belo documentário, que mostra Bruce e banda no estúdio e o clima que permeia o disco.

10. The Network – Money Money 2020 pt 2: We Told Ya So

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Em 2003, o sexteto The Network lançou um profético álbum chamado Money Money 2020. Agora, 17 anos depois e bem no momento em que a suposta previsão tem a chance de se concretizar, o grupo volta para lançar a segunda parte, Money Money 2020: Part II: We Told Ya So!.

Ocorre que o grupo formado pelos seis integrantes mascarados e auto-intitulados Fink , Van Gough, the Snoo, Balducci, Captain Underpants e Z é um projeto paralelo do Green Day com seus músicos de apoio, fato preguiçosamente negado pela banda, deixando várias brechas para provar que sim, é um projeto paralelo.

A sonoridade do projeto é inspirada na new wave (o que não é incomum no Green Day, já que o álbum mais recente, Father of All Motherfuckers, tem canções influenciadas pelo estilo), e em muitos momentos soa como Gary Numan ou The B52’S, o que não é nada mau.

O disco completo foi precedido pelo EP Trans Am, com quatro faixas, que integram também o álbum, com outras 21 (sim, o disco tem 25 faixas).

O Green Day, por sua vez, vai continuar negando sem negar a relação com o The Network, porque faz parte do discurso.

9. Guilherme Held – Corpo Nós

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Talvez o nome de Guilherme Held não te seja familiar. Mas saca só a lista de artistas com quem ele já trabalhou/gravou: Criolo, Tulipa Ruiz, Juçara Marçal, Mariana Aydar, Filipe Catto, Curumin, Fernando Catatau , Kiko Dinucci, Iara Rennó, Maria Gadú, Juliana Perdigão, Ná Ozzetti, Jards Macalé, Lanny Gordin e Milton Nascimento, entre outros.

Muitos destes aparecem em seu primeiro disco solo, Corpo nós, ao qual dediquei minha audição neste final de semana. De cara, saquei a influência inegável de Clube da Esquina na faixa de abertura, Tempo de ouvir o chão, e fui sacar: a música foi composta pelo guitarrista nos intervalos das gravações da série do Canal Brasil Milton e o Clube da Esquina, em que o cantor mineiro repassa os sons do famoso álbum com alguns convidados, e do qual Held fez parte da banda de apoio. Cantada por Juliana Perdigão e Rômulo Fróes (principal parceiro dele no álbum), a canção encaixaria perfeitamente no repertório do Bituca, especialmente pelo som de guitarra com fuzz que remete ao trabalho de Beto Guedes no disco do coletivo mineiro, mas que na verdade prepara o ouvinte para a maior influência do disco.

Outros destaques são Laço de Fita, parceria com Criolo, e Pólvora, com Tulipa Ruiz.

Mas o que ecoa bastante no disco é a referência de Lanny Gordin, que aparece no álbum como co-autor de Pingo d’água, música em que ambos dividem as guitarras psicodélicas.

8. Hail Spirit Noir – Eden in Reverse

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Essa talvez seja minha escolha mais inusitada, mas o fato é que essa banda grega que faz uma mistura muito interessante de black metal com psicodelia e prog metal me surpreendeu com este álbum, que traz sons bastante inspirados, a começar pelos títulos das músicas, como Darwinian Beasts ou The First Ape on New Earth.

A banda, que originalmente era um trio, desde 2018 é um sexteto, inclusive contando com dois tecladistas, o que reforça a sonoridade progressiva.

7. Cornershop – England is a Garden

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Eu confesso que não me lembrava bem do Cornershop, mas uma rápida busca no streaming me trouxe a memória de Brimful of Asha, hit do grupo que ganhou até remix de Fatboy Slim.

Fato é que o Cornershop ainda está na ativa, e veio em 2020 com um belíssimo álbum, o recém-lançado England is a Garden.

O som do Cornershop traz muitas referências sessentistas e setentistas, especialmente do glam e do psicodélico, aliado a um certo suingue, como fica característico em Slingshot, a segunda faixa, em que uma flauta se sobressai na canção, acompanhada de uma guitarra limpa e vocais melódicos.

A mesma flautinha reaparece em Highly Amplified, num clima de jam session com a banda e um naipe de cordas.

Dá pra ouvir sem pular faixas, tranquilamente.

6. Pearl Jam – Gigaton

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Quando o passado é o presente e o futuro não existe mais, frase presente em Dance of Clairvoyants, dá o tom deste disco e do mundo em que estamos vivendo. Sem pensar em pandemia, o disco traz algumas influências diferentes do que estamos acostumados, como ecos de Talking Heads na música citada, além de uma sonoridade punk em Superblood Wolfmoon.

A banda tem 30 anos de estrada e parece saber muito bem o que quer de si mesma, com uma formação consolidada (há muito tempo pararam de trocar de baterista com a chegada de Matt Cameron).

Arrisco dizer que é meu preferido desde Yield.

5. Lianne La Havas – Lianne La Havas

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Eu não tenho como fugir do clichê para descrever este álbum: o disco, que leva apenas o nome da cantora, é agridoce. Sorte a minha é que a faixa de abertura se chama justamente Bittersweet, e já deixa claro de que é um álbum sobre relacionamentos que dão certo até determinado ponto, depois deixam de funcionar.

É curioso que mesmo uma faixa como Weird Fishes, do Radiohead, aqui ganhe uma doçura inédita, perdendo o tom fantasmagórico da original, mesmo sem grandes alterações no arranjo.

Li diversas críticas relacionando Courage a uma influência de Milton Nascimento e do Clube da Esquina, aí fui reouvir e não consigo mais dissociar.

Acho que o que mais me impressiona é que um álbum com tema tão supostamente melancólico tenha ganhado um tom angelical na voz dessa talentosa cantora, filha de pai grego e mãe jamaicana.

4. Sepultura – Quadra

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Mais do que o melhor álbum do Sepultura sem os irmãos Cavalera, eu considero Quadra o melhor álbum do grupo desde a entrada de Derrick Green. A produção do sueco Jens Bogren parece ter funcionado bem para dar liga aos blocos de músicas, inspiradas no livro Quadrivium, que fala sobre as quatro artes liberais: cosmologia, geometria, matemática e música.

Foram alguns anos e alguns tropeços até que a formação atual se consolidasse. Paulo Jr. finalmente parece ter domínio sobre seu instrumento, Andreas Kisser continua caprichando nos riffs inspirados e Eloy Casagrande é um fenômeno de técnica. Não vale a pena compará-lo com Iggor Cavalera, nem mesmo com seu antecessor Jean Dolabella. São escolas muito diferentes e talvez seja isso que tenha feito demorar um pouco até a consagração de uma banda coesa. Os quatro blocos de três músicas se dividem em músicas com sonoridade mais thrash, outras mais percussivas, outras com sonoridade puxada para o progressivo e por fim as três mais cadenciadas e melódicas. E é aí que a versatilidade de Derrick Green se apresenta.

Se é questionável a banda ter seguido com o mesmo nome ao longo dos anos, mesmo sem seus fundadores, por outro lado é inquestionável que atuais integrantes já construíram seu legado.

3. Fiona Apple – Fetch the Bolt Cutters

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Fiona Apple entende muito mais do que nós quando o assunto é reclusão. Se hoje estamos quase todos em isolamento, nos defendendo como podemos de um inimigo que não podemos visualizar, a cantora apresenta suas armas, com as quais luta contra seus próprios fantasmas, medos, lembranças ruins e histórias do passado. Oito anos se passaram desde o ótimo The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do, que foi aclamado em seu lançamento, ganhando nota 9 em reviews em sites e revistas musicais ao redor de nosso mundo redondinho.

Mas Fiona merecia mais. A gente também, e ela sabia disso. Ainda havia (e haverá) muito a ser dito. E é por isso que Fetch the Bolt Cutters existe. E a musicista constrói este disco do modo mais artístico possível: a maior parte das gravações ocorreu em sua casa em Venice, Califórnia, utilizando inclusive de recursos inusitados: percussão com utensílios de cozinha (ao que parece, Fiona também entende mais de panelaços do que nós), backing vocals de sua irmã, Maude, da atriz Cara Delevingne e também – vejam vocês – uivos e latidos de seus animais de estimação. O piano continua magistral, com seu timbre que é meu preferido de toda a história da música, sem exagero.

E as letras – ah, as letras! – são seu manifesto a respeito de um mundo cruel – sem ser piegas. Ela diz essas coisas sem nenhum floreio: O mal é um esporte de revezamento / Quando quem é queimado / Se vira para passar a tocha, trecho de Relay que dispensa explicações.

Para não passar batido, Fetch the Bolt Cutters é um disco que requer a nossa atenção. Eu não recomendaria a audição junto de outra tarefa. Talvez o mundo tenha se cansado das pessoas que são multitarefas e nos peça um pouco mais de calma e atenção nos detalhes.

2. James Dean Bradfield – Even in Exile

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Quando ouvi o primeiro single de EVEN IN EXILE, segundo disco-solo de James Dean Bradfield, lançado em agosto deste ano, eu questionei a necessidade dele existir como álbum paralelo, uma vez que não representava ruptura sensível à sonoridade dos Manic Street Preachers. THE BOY FROM THE PLANTATION (sim, em caixa-alta, como todas as demais faixas do disco) não faria feio se integrasse o disco mais recente dos Manics, Resistance Is Futile (2018).

Mas aí eu fui procurar saber um pouco mais sobre as motivações do disco, e tudo mudou. EVEN IN EXILE foi composto por Bradfield com base em poemas de Patrick Jones, irmão do baixista dos Manics, Nicky Wire. Os escritos de Jones versam sobre a vida e obra de Victor Jara, artista e ativista chileno torturado e morto pela ditadura do general Augusto Pinochet.

Sabendo da história, o disco ganhou para mim ares de trilha sonora de documentário e me trouxe inclusive o interesse em conhecer o trabalho de Victor Jara.

Sonoramente, as composições de Bradfield se aproximam discretamente da obra do chileno, mas é possível encontrar alguma semelhança em canções mais puxadas para o folk, como THE LAST SONG, por exemplo. A menção direta fica por conta de LA PARTIDA, reinterpretação de um tema instrumental de Jara, presente em seu disco El Derecho de Vivir Em Paz, de 1971.

A presença de temas instrumentais, aliás, como UNDER THE MIMOSA TREE, deixa o álbum com mais clima ainda de pano de fundo para um documentário, o que poderia muito bem acontecer.

Voltando então ao meu questionamento inicial, EVEN IN EXILE era realmente necessário? Eu mesmo respondo: não, este álbum não era necessário. Era INDISPENSÁVEL!

1. Bob Mould – Blue Hearts

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Bob Mould tem uma visão incrível do mundo em que habita. Seu novo álbum, Blue Hearts, inicia com a frase “a costa esquerda está coberta de cinzas e chamas”. Preocupante e sintomático: Mould mora na Califórnia, onde incêndios florestais têm mudado a cor do céu e a qualidade do ar.

Além do testemunho em tempo real de um mundo em chamas, Bob Mould sabe que os EUA de Donald Trump são muito parecidos com os EUA de Ronald Reagan, época em que o cantor já sabia das coisas estando à frente do Husker Dü, banda que antecipou muito do que foi e do que é o rock alternativo. Krist Novoselic, baixista do Nirvana, hoje surpreendentemente um defensor do atual presidente norte-americano, declarou certa vez que Nevermind não trazia nenhuma novidade, tudo aquilo já havia sido feito antes pela banda de Bob Mould (com Grant Hart e Greg Norton). Depois do fim da banda, Mould continuou à frente de seu tempo, liderando outro trio, o Sugar, além de já ter uma carreira solo bastante produtiva.

Mais ainda: Mould é homossexual e viveu toda sua carreira em um meio predominantemente masculino e heteronormativo, o do hardcore. Com seu estilo que unia o punk rock com toques de psicodelia e pop, o cantor ainda experimentou criar letras que falavam de relacionamentos, saindo (não totalmente, é claro) do tradicional rock de protesto. Aqui, observe, nasceu muito do que depois viria a ser o movimento do emocore.

Bem, o ano é 2020, Bob Mould está em seu 13º álbum solo e tem de lidar com os mesmos problemas dos anos 80. E faz isso com preocupação, mas também com esperança, nas letras de Blue Hearts. Em especial em American Crisis. Sente só:

Nunca pensei que veria essa merda de novo. 

Chegar à maioridade nos anos 80 já era ruim.

Fomos marginalizados e demonizados

Eu vi muitos da minha geração morrerem.

Ao tablóide britânico Guardian, Mould disse “Blue Hearts foi escrito como um aviso terrível, mas será uma celebração louca se chegarmos ao outro lado”. É o que todos nós queremos, Bob, é o que todos queremos.


Brunno Lopez

Antes do Silêncio no Estúdio, eu nunca tinha parado pra fazer listas. Antes da pandemia, eu nunca tinha parado pra lançar um olhar sobre minha própria vida de uma forma mais cuidadosa.

Tanto uma atividade quanto a outra foram igualmente desafiadoras pois não é simples catalogar o que se escuta e o que se espera para si a longo prazo.

O que percebemos é que olhar a longo prazo é bastante pretensioso, pois estamos sujeitos a turbulências que não emitem nenhum aviso seguro de preparação.

Esse talvez tenha sido o critério para me abrigar em canções que, não apenas me acolheram, mas também foram capazes de contribuir para um esboço de planejamento para o futuro no mundo real.

Posso dizer que me orgulho do que ouvi e, consequentemente, do que compus.

20. Jorn – Heavy Rock Radio II (Executing The Classics)
Um cover feito por Jorn Lande não é um simplesmente um cover, é um atestado de que a sua música é definitivamente boa.

Se na parte I ele trouxe ares mais imponentes para ‘Don’t Stop Believin’, ‘Hotel California’ e ‘Rainbow In The Dark’, na segunda parte da sua jornada excelente de releituras, o norueguês foi de Bryan Adams a Peter Gabriel com a mesma essência rock que o consagrou como uma das vozes mais poderosas do seu estilo.
O resultado é absolutamente tentador.

19. Gotthard – #13
O nome do álbum foi o único momento sem inspiração desse disco.

De resto, o décimo terceiro trabalho do Gotthard é uma excelente experiência de rock tradicional com algumas pitadas modernas capazes de empolgar os mais céticos.

2020 certamente foi menos doloroso com ‘Save The Date’ no último volume.

 

18. Norah Jones – Pick Me Up Off The Floor
Norah já vagou por muitos estilos durante sua carreira, muito mais pela perspectiva da indústria em tentar lhe colocar um rótulo do que por sua própria natureza.

Mas, ainda que ela tenha sido variável esse tempo todo, ao ouvir esse disco todas as pessoas serão obrigadas a concordar que essa jornada particular que vai da mágoa à dúvida até a satisfação e contentamento é provavelmente o melhor trabalho da cantora em 10 anos.

17. Bon Jovi – 2020 

Não carrego o sentimento infantil de esperar que o grupo de New Jersey soe como era em seus anos dourados de muita inspiração, transpiração e Richie Sambora.

Inclusive, por mais absurdo que  possa parecer, o que me fez mencionar o Bon Jovi aqui foi justamente a performance do substituto de Sambora em uma das faixas do disco.

Ainda que lembre consideravelmente o arranjo de ‘Save The World’, presente no longínquo Crush, eu me emocionei com o trabalho de Phil X em “Story Of Love”.

E o que emociona não pode ficar esquecido.

16. Ra – Intercorrupted

Não se espante se o futuro disco dessa banda levar a medalha de ouro da lista de 2021.
Só pelo single Intercorrupted já foi possível perceber que o Ra está numa escala elevadíssima dentro do metal alternativo.

Nesse cenário, eles conseguem fazer um som enigmático que transcende o tempo, fatalmente os levando para uma posição de relevância ainda maior daqui em diante.

15. Revolution Saints – Rise

O Hard Rock é a minha vida e o Hard Rock Melódico é a evolução da minha própria vida.
E aí eu me deparo com a combinação dos talentos de Deen Castronovo, Jack Blades e Doug Aldrich que, juntos, oferecem uma viagem de primeira classe até os tempos áureos do rock oitentista, só que um ar divinamente renovado.

‘Price We Pay’ é a música que levarei de 2020 para o resto da minha existência.

14. Bayside – Acoustic Volume 3

Tão fresco quanto as manhãs de verão, este lançamento do Bayside apareceu em meu radar aos 48 do segundo tempo. E talvez o Acoustic Volume 3 seja o melhor abraço que eles poderiam dar aos fãs, reinventando faixas das páginas mais profundas de seu vasto catálogo que transita entre o pop punk e o rock contemporâneo.

Apesar de conhecer o grupo há pouco mais de dois anos, já compreendi que o Bayside, desde o seu surgimento, apresentou uma válvula honesta de escape, sendo a legítima contracultura.

É impossível ficar alheio ao carrossel de sentimentos que a banda despeja, mesmo desplugada. E provavelmente dessa forma eles consigam penetrar ainda mais na sensibilidade abandonada das pessoas atuais.

13. July Talk – Pray For It

Contrastes não costumam oferecer reações confortáveis em qualquer forma de expressão. Porém, isso é o que existe de mais marcante nessa banda: a contraposição dos vocais delicados de Leah Fay e os grunhidos terrosos de Peter Dreimanis.

Não existe um tema predominante em Pray For It, muitas das canções transitam sobre relações pessoais intercaladas sobre temas sociais maiores, desde o idiossincrático ao papel do jornalismo, por exemplo.

Mas é na faixa ‘Champagne’ que temos um corte mais distinto. Uma atmosfera quase gospel (muito pela participação dos artistas James Baley e Kyla Charter) toma forma quando os convidados invocam a importância de se acreditar em alguma coisa, mesmo que isso seja uma mentira. A música sugere que a dor e a alegria são as duas faces de uma mesma moeda e que a vida sem esses elementos seria pior do que já é.

O que podemos absorver esse disco? Que talvez July Talk nos ajude a compreender as complexas dualidades que formam a nossa existência.

12. Tristan Prettyman – Letting Go

Existem músicas pra ouvir e músicas pra chorar. ‘Letting Go’ é um combo sentimental que une essas suas ações perfeitamente.

Tristan a lançou em 24 de janeiro, antes do suplício da pandemia, carregada com suas próprias dores e já me fez sentir sua melancolia num lugar profundo do peito.

Poucas músicas conseguem existir com a porcentagem máxima de honestidade, a maioria apenas é uma melodia familiar com letras fáceis de decorar.

Eu não me lembro a última vez que alguém conseguiu representar o ato de ir embora de uma relação de uma forma tão dura e bonita. É diferente de um pedido de ajuda ou de pena. Tristan pontua conscientemente razões pra ficar e as usa para ir embora.
Deposite sua lágrima nesse pote de arte.

11. Echosmith – Lonely Generation

Com um nome tão sugestivo e contemporâneo, o álbum já acenava para um amadurecimento exponencial desse grupo que passou grande parte da sua carreira sob seu hit ‘Cool Kids’ até finalmente lançarem um disco completo.

A atmosfera de Lonely Generation transita pela ideia de que nós, como sociedade, nunca estivemos tão conectados à tecnologia e tão distantes uns dos outros. Nesse cenário, as canções basicamente ruminam sobre os prazeres mais simples do amor e da família como ferramenta para superar a epidemia de isolamento digital.

A surpresa apoteótica é encontrar em meio a esse discurso de introspecção, uma obra-prima colossal chamada ‘Scared To Be Alone’, que parece pertencer a um nível superior ao que a banda se encontra hoje, como se fosse uma mensagem do Echosmith do futuro para o Echosmith da pandemia.

Essa música faz com que esse disco passe de uma distração agradável de ouvir para uma experiência reflexiva e pontual dentro do pop alternativo.

10. Framing Hanley – Envy

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2020 definitivamente foi o ano para se quebrar hiatos e mudar estilos do próprio som. No caso do Framing Hanley, a espera foi de 5 anos para apresentar um disco audacioso por trazer faixas distintas umas das outras.

Essa distribuição de personalidades pelas canções resultou num material muito interessante, trazendo influências que vão do rock moderno, passando por atmosferas de hip-hop e enveredando por sessões com elementos de indie e blues.

Misture tudo isso e acrescente refrões épicos e duradouros para se ver frente a frente com um álbum puramente irresistível de se ouvir num repeat incontrolável.
Experimente ficar indiferente à faixa ‘Maeve’. É impossível.

9. Allen & Olzon – Worlds Apart

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Desde o início dessa ‘franquia’ de duetos com vocalistas de metal consagrados, é preciso aplaudir o idealizador de tudo: Magnus Karlsson. Este compositor, produtor e mago da guitarra já havia brilhado unindo Russel Allen e Jorn Land nos primeiros quatro discos desse projeto.
E após The Battle, The Revenge, The Showdown e The Great Divide – sob a alcunha de Allen & Lande Karlsson apresenta a quinta parte com uma nova voz ao lado de Allen: a brilhante Anette Olzon, conhecida por sua passagem pelo Nightwish.

O resultado é aquela mistura épica, melódica e sinfônica do mais puro creme do power heavy metal. Entre tudo isso, as potencialidades de Allen e Olzon desfilam encantadoramente, ora sozinhos, ora duetando mas sempre soando poderosos e cristalinos. A combinação dos dois funcionou tão bem quanto nos tempos de Jorn Lande e fez desse disco um dos melhores lançamentos do gênero nesse ano.

8. We The Kings – No 1 Like U

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Fórmulas para hits existem aos montes e enquanto escrevo este texto posso talvez estar cantarolando efusivamente este single mais do que viciante dessa competente banda de pop rock americana.
O We The Kings já mostrou essa capacidade em trabalhos anteriores e agora, nesse segundo lançamento inédito do ano (o primeiro foi a cativante ‘These Nights’), somos presenteados com uma música carregada de ganchos envolventes e um refrão que faz sua cabeça mexer antes mesmo dele começar a tocar.

Pra deixar tudo ainda mais especial, o vocalista Travis Clark divulgou a canção fazendo uma dedicatória para ninguém menos que Avril Lavigne, anunciando que a canadense é sua parceira de composição em novos sons que vem por aí.

Não sei dizer se ela é a razão desse single ser tão bem construído, mas se for, eu estenderia essa combinação o máximo de tempo possível.

7. Creeper – Sex, Death & The Infinite Void

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É impressionante quando uma banda simplesmente abandona sua gama de influências para dar vida a algo absolutamente novo em sua própria história. Em Sex, Death & The Infinite Void, o grupo de Southampton cria um rock gótico épico intenso, daqueles teatrais e arrebatadores que lembram os momentos inspirados do Panic! At The Disco em dias de sol.

O resultado impressiona pois o Creeper abandonou sua sonoridade AFI-Misfits para abraçar um romantismo apocalíptico + rock extravagante.

Gravado na cidade do pecado, o disco nos convida a mergulhar num paraíso decadente, mas com estilo. Não me espantaria se vocês ficassem com o refrão de ‘Annabelle’ retumbando em seus juízos morais: “You gotta live a little when the world just wants you sad”.

É um disco corajoso, ambicioso e carregado de nuances que, entre outras coisas, mostrou que a aposta de dar as costas para as raízes do punk valeu a pena. Já temos bandas demais fazendo sons seguros e previsíveis.

6. Blue Öyster Cult – The Symbol Remains

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Depois de duas décadas sem lançar nada novo, é impressionante perceber que o Blue Öyster Cult continua soando como uma das bandas de rock mais sedutoras desde os anos 70. E agora eles trouxeram seu prog/power/pop rock enigmático para a atualidade de uma forma feroz.

Incrível como suas letras misteriosas desde os primórdios agora combinam perfeitamente com a estranheza de nossos tempos e poderia ser tranquilamente encaixados em 2020.

É nesse alinhamento perfeito de planetas que The Symbol Remains surge, abordando temas da era digital usando uma narrativa astuta e espirituosa.

Seja por acidente ou projeto, as 14 canções parecem refletir a amplitude do catálogo anterior já feito pelo grupo, passeando por todas as vertentes que o rock oferece.

Terminar o ano sem ouvir ao menos ‘Tainted Blood’ é desperdiçar as poucas coisas positivas dessa volta completa no sol.

5. The Struts – Strange Days

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Estamos diante de uma das bandas mais promissoras da Grã-Bretanha e este título já traz aquela grande responsabilidade, ainda mais sendo o terceiro disco. E o quarteto de Derby não estava sozinho em Strange Days, afinal, logo na primeira faixa o vocalista Luke Spiller já dueta com o ícone do pop Robbie Williams, numa música que não é exatamente o som que credenciou o The Struts para ser essa promessa da cena rock. Os mais criteriosos diriam que talvez pareça uma espécie de Coldplay num nível altamente tolerável, mas eu enxerguei como uma escolha evolutiva de direção, deixando um pouco pra trás a pegada, digamos, um pouco mais suja e direta dos primeiros trabalhos.

Claro que esse direcionamento mais receptivo vai se esvaindo no decorrer da audição, com a identidade da banda voltando à cena em ‘All Dressed Up (With Nowhere To Go’, seguida de um cover muito honesto de Kiss com ‘Do You Love Me’.

Lembram das companhias de peso? Elas voltam num hard rock eufórico em “I Hate How Much I Want You”, com Joe Elliot e Phil Collen, do Def Leppard, na virtuosa, despreocupada e violenta ‘Wild Child’, com ninguém menos que Tom Morello e finalmente num indie-rock quase reflexivo em ‘Another Hit of Showmanship’, com o guitarrista Albert Hammond Jr, do Strokes.

Depois das tracks sequentes que desembocam em ‘Am I Talking To The Champagne (Or Talking To You)’, Strange Days soa como uma espécie de fuga exuberante para esses dias estranhos de confinamento e pandemia. É tão indispensável quanto máscara, álcool em gel 70% e distanciamento social.

4. Aranda – Invisible

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Desde o último disco Not The Same, de 2015, tenho esperado ansiosamente por material novo desses caras e ele veio logo no começo de 2020. Num mundo ideal, seria um álbum completo recheado de faixas inspiradas e únicas, mas tudo o que apareceu foi um single chamado “Invisible”.

Mas não é apenas uma música. Essa canção foi meu maior repeat de todos os tempos desde que foi anunciada. Talvez por eu querer que ela representasse as outras tracks do disco que não veio.

Aranda faz um hard rock moderno com sentimento, algo extremamente raro por esses dias. A qualidade desse single impressiona e me fez, desde a primeira audição, desejar colocá-lo como um dos 10 melhores. Já esteve na primeira posição, já esteve em oitavo, flutuou por todos os lugares possíveis, brigando contra discos inteiros de igual pra igual, mesmo sendo apenas uma só música.

É o tipo de som que eu estava desejando ouvir e toda vez que volto pra ela, entendo a força de envolvimento que representa. É um senhor single que deveria ser número 1 em qualquer rádio, plataforma de streaming ou outro tipo de reprodução de áudio.

3. Waiting For Monday – Waiting For Monday

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Ser descoberto por Jeff Scott Soto já deveria ser uma forma de sucesso e reconhecimento que toda banda no mundo sonharia. E, se por acaso você é fã de competições musicais do calibre de American Idol, provavelmente se lembrará do vocalista Rudy Cardenas, que chegou até as finais da sexta temporada do reality em 2007.

De qualquer forma, ele e o guitarrista August Zadra fundaram posteriormente o Waiting For Monday e, com o empurrãozinho do Jeff, assinaram contrato com a Frontiers Music e lançaram este disco autointitulado impecável.

Para um ouvinte de Hard Rock em 2020, esse álbum é um paraíso em meio ao caos. E grande parte dessa performance envolvente passa justamente pela conexão Zadra Cardenas.

O primeiro é um guitarrista excepcional, que constrói riffs e solos emocionantes, criando uma teia musical poderosa para Cardenas entrelaçar seus atributos vocais. Seu timbre carrega uma paixão impossível de se ignorar e o resultado é um hard rock melódico imponente, com melodias exuberantes e todos os demais ingredientes que fazem esse estilo permanecer vivo ainda nessa geração.

Eles acertaram em tudo, desde as intros de arena com refrões marcantes, passando por canções cadenciadas e claro, explorando o limite da beleza nas baladas clássicas.

É um álbum de estreia absurdamente impressionante e apaixonante, que resgata a emoção única que só o melodic hard rock de verdade poderia oferecer.

2. Room Experience – Another Time And Place

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Eu honestamente queria muito ter conhecido essa banda antes para poder colocar seu outro disco nessa lista. Isso porque seu álbum de estreia autointitulado Room Experience é tão espetacular quanto este que ocupa a segunda posição cobiçada no pódio de 2020.

De qualquer forma, é preciso aplaudir a existência desse projeto. Room Experience é uma ideia do tecladista e compositor italiano Gianluca Firmo que, entre outros músicos, trouxe o vocalista britânico David Readman para completar o barco e navegar seguro pelas águas atraentes do hard rock melódico.

Desde o primeiro acorde de ‘Hear Another Song’, eu já sabia que estava diante de um clássico viciante que rolou imediatamente para a lista de melhores e só não está em primeiro por centímetros de subjetividade.

Os ingredientes que eles conseguiram juntar fariam Bon Jovi e Europe olharem orgulhosos para o resultado e provavelmente executarem covers de todas as músicas em seus shows.
Pra sorte deles, o Room Experience é um projeto de estúdio, com seus membros envolvidos em outras bandas e não será fácil ver todo esse potencial ao vivo.

Na prateleira seleta de discos obrigatórios da história do hard rock, Another Time and Place é um item indispensável e emocionante.

1. Donna Missal – Lighter

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Hurt By You’ ousou um dia aparecer no fone de ouvido, numa versão diferente da que estaria no vindouro álbum. Naquele momento, eu soube que, independente do que viesse, seria o melhor disco do ano, provavelmente por muitos anos.

Quando Lighter chegou, a comprovação foi imediata. Um álbum evidentemente fiel ao seu título, quase convidando a multidão de fãs para sacarem seus celulares e iluminarem este momento de pura contemplação.

É um disco de rompimento cru, de um esparso desespero em baladas de rock como ‘Carefully’ ao vulnerável vibrato da canção ‘Folk Bloom’. A voz rouca de Donna Missal é um instrumento gigantesco e, ainda que ela explore bastante esse atributo, é interessante quando ela soa um relativamente mais suave e ao mesmo tempo poderosa dentro de uma canção, como na fumegante ‘Just Like You’.

‘Let You Let Me Down’ carrega toda a dor genuína que abraça quem estiver passando pela rua do sentimentalismo desavisado.

É engraçado como ela soa estranhamente retrô, mesmo dando a impressão de que flutue em algum lugar entre o pop libertador e as baladas avassaladoras. Porém, são nesses momentos emocionais não moderados que ela faz sentir sua presença singular.