Um novo som para um velho tema

Com ou sem coração partido, Karly Hartzman e cia. nos entregam um dos maiores bangers roqueiros de 2025.

Eu fiquei muito tempo ouvindo o Rat Saw God (o disco anterior da banda Wednesday, de 2023), e tentando entender o que faz essa banda tão única. A ficha caiu no 1º play deste (lindo) disco novo da banda, o Bleeds. O mix de porradaria meio “grungeira” com melodias angelicais, um tiquinho de country, e um clima “slacker” parece ser a fórmula.

Meio “incopiável”, até, porque à frente disso tudo, temos uma autora inspiradíssima – a compositora, guitarrista e intérprete Karly Hartzman. Com sua voz já inconfundível e letras bastante confessionais (quando não cronistas, da melhor qualidade), a autora se consolida como uma das maiores compositoras americanas da atualidade. E nos emociona.

Não poderia ser diferente, ainda mais em um disco rodeado pelo triste término de seu relacionamento de 6 anos com o guitarrista da banda (e também artista solo, como vocês bem sabem) MJ Lenderman. O episódio ocorreu antes das gravações do álbum, e acabou contaminando emocionalmente o estúdio (apesar dos dois terem omitido o fato do restante da banda) e inspirando algumas letras – toda essa história (que, confesso, é de lacrimejar) vocês podem ler com calma neste belo ensaio da Variety, escrito pela própria artista.

Ao ouvir o álbum sem saber toda essa história ainda, confesso que, mesmo percebendo as angústias de Hartzman, o que mais me emocionou foi a forma como as duas guitarras (não à toa, a dela e a de Lenderman) dialogam brutalmente em distorção, como já podemos ouvir na faixa de abertura, Reality TV Argument Bleeds. Será que é esse o diálogo que traduz o atrito da incompatibilidade (e do consequente término)? Afinal, como a compositora canta em Eldelberry Wine (um dos destaques do álbum): “Said I wanna have your baby / ‘Cause I freckle and you tan“. Ela tem sardas. Ele bronzeia. Ela queria ter um bebê com ele, para misturar os genes nesta equação. Ele não “estava no momento”. Sardas combinam com um bronze, afinal? A forma como Hartzman canta isso tudo, com a honestidade das grandes artistas, é absolutamente comovente.

Mas é claro que o álbum não se resume às canções inspiradas pelo término, e que Wednesday nunca será uma banda de “tretas românticas” como Fleetwood Mac – já que muitos andam fazendo essa associação. Trata-se de uma banda muito nova, buscando caminhos de renovar nosso velho e querido rock. Impossível passar por canções como Townies, Bitter Everyday (e muitas outras) sem perceber que a banda tem feito isso de maneira magistral. Com ou sem coração partido, é sempre muito bom balançar a cabeça ao som de bangers de guitarra como os que a banda coleciona neste baita disco.

“I care about my songs more than I care about myself”. Te entendo, Karly.