O coração indie rock, batendo juntinho

Em sua principal "obra catálogo", o Yo La Tengo expõe toda sua caixa de ferramentas. Um disco perfeito e imortal.

Yo La Tengo é uma das bandas essencialmente “ecléticas” do cânone alternativo.

Esse dito ecletismo é o que marca I Can Hear The Heart Beating As One, de 1997, geralmente considerado o melhor disco do trio de Nova Jersey. O trabalho é, verdadeiramente, um catálogo. Começa com um dedilhado a lá Lou Reed, na peça instrumental acalentadora Return To Hot Chicken. A introdução perfeita para a pancada de diversidade que vem pela frente. Em seguida, acerta Stereolab mirando em Krautrock (ou vice e versa?), com os baixos e a batida delirante de Moby Octopad. Fechando a introdução perfeita de um disco que ultrapassa uma hora de duração, temos a perfeita Sugarcube, que finalmente se rasga em guitarras distorcidas na melhor tradição do Rock Alternativo. Um banger Indie à altura do que a banda havia mostrado ser capaz em álbuns anteriores como (o também perfeito) Painful. Já na segunda volta, a música se “perde” em um solo desleixado e ruidoso de Ira Kaplan. A música é a “centerpice” do disco; curtinha, ela deixa as microfonias e o ritmo mais contagiante nos tragarem para dentro do álbum, na execução perfeita do power trio formado por Ira na guitarra e vocais, Georgia Hubley na bateria e vocais, e James McNew no baixo e backing vocals.

Importante destacar aqui os vocais harmônicos na complementaridade entre Ira / Georgia, que ouvem-se em Sugarcube e em todo o disco. Em peças melódicas como Damage, One PM Again e We’re An American Band, os backings e vocais em “diálogo” garantem um clima angelical para o instrumental simples, ainda que super lisérgico e ambient. O disco, perfeito em sua extensão, sem uma faixa sequer que eu consiga pular, segue com essa lógica de se alternar entre guitarras evidentes e distorcidas em peças indie-noise (como em Sugarcube e Deeper Into Movies, essa com lead vocals de Georgia), climões que apontam para o legado de Velvet Underground e outros “clássicos” do rock indie lofi (Damage, Shadows, Autumn Sweater, Green Arrow) e hits absolutos e “clean”, mais na tradição de bandas como REM (Stockholm Syndrome, One PM Again).

Há também aqui canções que simplesmente parecem não ter muito precedente. Casos de Little Honda (sim, um cover inusitado de Beach Boys numa interpretação quase que punk “raiz”, apontando diretamente para atos como Hüsker Dü) e a minha preferida, Center Of Gravity, uma espécie de bossa-indie acachapante. 

A última parte do disco traz a magnífica, longa e hipnótica Spec Bebop (novamente mirando em Stereolab e acertando em Krautrock, ou vice versa), mas vai se encerrar com praticamente uma cancão de ninar indie com os vocais doces de Georgia, a irresistível My Little Corner Of The World – versão de uma love song dos anos ’60.

Como eu disse, um disco perfeito, sem uma faixa sequer para pular. Uma obra que traduz não apenas a identidade dessa banda antológica, mas também toda a diversidade e o espírito essencial do Rock Alternativo, com maestria nunca antes vista e, dificilmente, vista posteriormente. Se alguém perguntar a vocês “o que é esse tal de Indie, ou Rock Alternativo?” e vocês indicarem esse disco, será uma resposta bastante precisa.