Os artigos definidos (ou nem tanto) de Juana Aguirre

O segundo álbum de Juana Aguirre é mais uma excelente surpresa do rock argentino contemporâneo.

Este texto vai ser curto, como é curto o segundo disco da cantora compositora argentina Juana Aguirre. Com 28 minutos, anónimo, não parece ser apenas um grande disco, mas o verdadeiro candidato (bem à frente de todos, diga-se) ao título de álbum do ano. Pelo menos para mim.

Juana estreou em disco em 2021 com Claroscuro. Um bom trabalho, que já havia chamado minha atenção por aqui à época, quando comparei alguns “tons” explorados por Aguirre com a genial Rosario Bléfari. Em anónimo, Aguirre vai além, produzindo um disco que soa a um só tempo artesanal e futurista (como o portal Indie Hoy bem destaca). Expande o clima meio folk do primeiro álbum com um festival de detalhes encantadores – como em las espinas, onde sintetizadores convivem com repiques de bateria acústica; ou automático, onde um solo de sax bizarro abre espaço para percussões eletrônicas que, se não fossem eletrônicas, poderiam ser retiradas de Fetch The Bolt Cutters, da Fiona Apple.

Os detalhes exuberantes nos arranjos reforçam o poder impressionante das canções – la noche, VOLVIERON e TORMENTA são outros destaques. Mas o ponto alto do disco parece realmente aparecer lá pela sua metade, com a canção lo_divino, que é a que melhor produz a síntese entre o “futurista” e o artesanal. Com uma melodia irresistível e perfeita, a canção progride com uma parede impressionante, às vezes pincelada até por efeitos vocais inusitados para um álbum acústico. Faz lembrar as (boas) experiências de artistas como Bon Iver, quando este ainda prestava.

Mas Juana traz tudo para o seu contexto porteño. Lírica e musicalmente. O disco parece desenvolver um percurso de substantivos bem marcados pela presença (ou ausência) de seus artigos definidos; las mañanas, la noche, las espinas, lo_divino, las ramas, los pilares. TORMENTA (uma dessas que suspende o artigo) mostra que Juana, ao tentar definir tudo, meio que se deforma– “Soy valiente soy tan frágil / Llegará el tiempo de ser“.

Para Juana, não parece haver um tempo de ser fora das canções. E que canções!