O “rymcore” e a essência do alternativo

Você provavelmente não ouviu nenhum desses novos artistas. Mas deveria.

Vocês sabem qual é o meu rolê. Tenho banda independente desde ’99. Semana passada lancei meu último álbum pela godofredo (que já está mais do que divulgado, mas só pra reforçar, vocês ouvem onde preferirem, aqui). O alternativo pra mim não é uma estética. É um modo de vida. Como colunista por aqui, eu tento sempre ir o mais fundo possível em tudo o que passa por debaixo do radar trazendo novidades e a essência deste modo de vida.

Agora eu cheguei ao fundo do poço (no bom sentido).

Tenho a algum tempo investigado as profundezas do debate musical nas redes menos acessadas por aí: Reddit, Discord, etc. Por lá, muita gente ainda curte catalogar seus gostos, contabilizar as coisas via Last.fm e dar notas no RYM (a confusa e onipresente comunidade Rate Your Music). Eu achei que todas essas atividades estavam mortas. Eu usava Last.fm quando a web ainda era um espaço mais ou menos saudável (entre 2007 e 2012), e depois parei, porque minha geração simplesmente desistiu. De lá pra cá tudo piorou muito. Até a geração Z ficou velha, e passou a achar que a web é sinônimo de Instagram e Twitter. Por sorte, não é.

Foi fuçando essas comunidades que descobri uma coletânea organizada por Pablo Silva, só com artistas de “bedroom indie” brasileiros que ele catou pelo RYM. O disco levou o nome de The Shape Of Rock To Come, e é lotado de artistas novíssimos e desconhecidos. Tem de tudo aí: shoegaze, emo, post-rock, dreampop, eletrônico experimental, indie pop grudentinho, e até uma experiência meio samba-bossa-noise (com o projeto Subserviente).

Tudo me soa muito autêntico. A experiência de coletânea também remonta a uma tradição do rock alternativo nacional, que eu e Márcio andamos destacando aqui recentemente. O fato de todos os artistas serem coletados de uma comunidade virtual, e de gravarem seus trabalhos e os divulgarem de forma restrita nessas comunidades, é bem significativo. Ou não. Seria legal que estes “artistas de internet” pudessem furar um pouquinho as bolhas, como também seria legal que bandas mais “offline” entrassem nesses nichos. Como sempre, são as rupturas dentro do próprio alternativo que impedem com que a gente enxergue uma cena, em tempos de comunidades cada vez mais apartadas umas das outras.

Não há nada de fechado, porém, nos sons que se ouvem nesta bela coletânea. Do emo ao samba-noise, realmente. Alguns projetos, como chalkwife, Subserviente, André Gau e Miserable Thought Machine (projeto do Pablo, idealizador da coletânea) certamente valem uma pesquisa mais aprofundada. O disco também tem uma lógica: começa com uma ambiência bem pesada, mas termina em um clima etéreo com a belíssima O Último Passo, do projeto Damiantoni.

Trata-se de uma coleção de artistas talentosíssimos. O fato de ser um compilado de canções “da web”, e “para a web”, restringe demais o alcance que isso deveria ter – a maior parte das pessoas hoje infelizmente pensa que a web se reduz a duas redes sociais, petrificadas e tóxicas. Abrir caminhos virtuais é, também, abrir nossos ouvidos.