Ele não está bem. Mas quem está?

Em uma época em que ser americano não está valendo muita coisa mesmo, o autointitulado homem dos $0 dólares abre suas vísceras em um disco intimista e confessional, de irresistível potência artística.

Logo em seu início, Heavy Metal, de Cameron Winter, acena aos cantores-compositores folk de vozes hiper-graves (Leonard Cohen, et. al). Mas ainda na primeira faixa, é só insistirmos na canção para notarmos o enorme range do jovem artista, que vai das declamações graves aos falsetes erráticos. Isso enquanto homenageia (de uma forma bastante torta) Brian Jones e os Rolling Stones.

É um início de álbum avassalador. Seguido, inclusive, por dois outros enormes destaques: Nausicaä (Love Will Be Revealed) e Love Takes Miles. As músicas levantam o tempo e parecem ditar o tom do disco. Só parecem. Winter não está afim de entregar uma coleção de hits, ou mesmo de canções upbeat. A partir de Drinking Age (que tem até um “que” de Weyes Blood) o disco parece mergulhar de vez em uma dimensão mais intimista e torturada. O que culmina numa canção central: Cancer Of The Skull. É nela que Winter se autodenomina como um homem de “metal pesado” (é este, enfim, o heavy metal … não o gênero), e como o homem dos $0 dólares.

E é essa música, na minha opinião, que melhor traduz o espectro artístico da obra por apresentar todos os elementos que descrevo a seguir; Winter bebe do folk, mas colore as canções com harmonias arrojadas. Sintetizadores, sopros, instrumentos inesperados “pipocando” nas paredes (às vezes meio saturados, propositadamente). Tudo isso gravado com texturas bastante analógicas- ouvem-se os ruídos dos instrumentos, em um conjunto muito orgânico. Apesar dos arranjos serem tão marcantes, porém, o que mais se destaca são, sempre, as performances de Winter. Sua voz ora alcança os registros gravíssimos que abrem o disco, ora viajam em falsetes trêmulos irresistíveis. Tá na moda, ao que parece, deixar a emoção tomar conta e desafinar sem medo. Só não pode fazer isso no Brasil (pra quem ficou curioso com o shade, me mande uma DM em qualquer lugar).

O disco parece se resolver de forma bastante dramática na canção $0, onde Winter jura que Deus é real. E que ele não está brincando em relação a isso. De forma declamatória e visivelmente abalada, o artista expõe suas vísceras. Admite que não vale nem um dólar, enquanto parece se render à um inevitável giro metafísico. O que mais podemos fazer quando não estamos bem? Eu acho, sempre, que a música cura. Como agnóstico que sou, deixo de lado a crença em um deus para me concentrar no fazer artístico como manifestação misteriosa de algo que temos em nós, e que se aproxima do que tantos outros chamam de divindade, ou até mesmo de alma.

Quando Cameron Winter abre sua alma para nós, tudo parece fazer sentido por alguns instantes- antes do caos do mundo contemporâneo voltar a nos distrair com mais alguma baboseira.