
Em agosto do ano passado, vi no meu feed do finado Twitter uma pessoa reclamando que o Spotify havia retirado alguém do seu plano família, porque o app não reconheceu que a pessoa morava no mesmo endereço. Essa é uma prática de alguns dos serviços de streaming que tentam acabar com aquela vaquinha de amigos para baratear os serviços usando as informações de localização dos assinantes pra ver se eles residem no mesmo local.
Isso por si só, já é polêmico, então fiz um RT comentado no Twitter dizendo exatamente o seguinte:
“Estamos em 2024 e ainda não faz sentido pra mim usar o Spotify. Quer um catálogo maior? YouTube Music. Quer melhor qualidade de áudio? Apple Music ou Tidal. Use sites que transferem playlists e seja mais feliz.”
Uma das coisas que nunca imaginei com esse comentário era descobrir o tanto de especialistas em UX (User Experience) que existem na internet. Sempre achei que as pessoas no Twitter fossem especialistas apenas em política, direito, medicina, nutrição e cinema. Grande vitória dos UX designers do mundo, que agora podem passar raiva com comentários espalhafatosos em todos os cantos da internet. Vocês venceram.
Foi uma enxurrada de mensagens ofensivas, com comentários como: “Pare de cagar regra! O UX e usabilidade do Spotify são os melhores que existem”, “E meu wrap de fim de ano, como fica?” e, claro, “Vai tomar no cu, Bruno Leo Ribeiro”. Tudo isso com uma versatilidade de argumentos maravilhosa. Quem veio perguntar sobre preços, vantagens, o que acho do Apple Music ou como foi minha experiência com o Tidal, eu respondi numa boa, e muita gente agradeceu. Foi pra essas pessoas que fiz esse post. Não estou aqui para tentar, sozinho, ser o arqui-inimigo da plataforma de streaming mais usada no mundo.
O que sempre quis passar pra todo mundo é: “Existem outras opções.” Existem inúmeros motivos para mudar de qualquer serviço de assinatura mensal: dinheiro, princípios, catálogo e outras coisas. E é nos princípios que o Spotify me pega mais.
O Spotify depende principalmente de assinaturas e receitas de anúncios, mas uma grande parte dessa receita vai para pagar royalties a artistas, gravadoras e editoras (e eles pagam bem mal). Mesmo assim, isso deixa pouco espaço para o lucro que a empresa e seus shareholders e investidores desejam. A empresa cresceu com uma ideia e a velha tática de Blitzscaling (Prioriza a velocidade de crescimento x eficiência).

A expansão do catálogo e o aumento das taxas de licenciamento criam custos fixos elevados. Além disso, concorrentes como Apple Music e Amazon Music têm outras fontes de receita (vendas de hardware e serviços), o que permite oferecer música sem depender exclusivamente do lucro direto de assinantes e publicidade.
Ao contrário de plataformas como a Netflix, o Spotify não possui a maior parte do conteúdo que distribui. Isso limita sua capacidade de negociar taxas mais favoráveis e de criar exclusividades que atraiam mais assinantes. Sua maior vantagem é ser uma marca conhecida e com seu crescimento de usuários veloz, acabou “se tornando o tocador padrão”. A empresa já vem investindo em conteúdo original, como podcasts, e em tecnologias baseadas em IA para diversificar suas receitas e aumentar o engajamento. Quanto mais gente assina e fica ouvindo podcasts, menos pessoas escutam música.
Esse problema com IA foi até reportado pelo The New Yorker, sobre um dos queridinhos dos usuários do Spotify, o famoso resumão de fim de ano. Segundo a matéria do The New Yorker, o Spotify Wrapped foi criticado pelos próprios usuários devido à sua apresentação pouco inspirada e falta de personalização.
Outra coisa que vi em alguns vídeos no TikTok e Reels foi a alegação de muitos usuários que, por exemplo, ouviram uma música da Charli XCX ou da Sabrina Carpenter e que a artista mais ouvida no seu Wrap foi a Charli ou a Sabrina. Na parte de artistas e músicas mais ouvidos, usuários do Reddit e TikTok alegam que as estatísticas do Spotify foram distorcidas e imprecisas em relação à realidade de seus plays.
Mas um dos maiores problemas do Spotify pra mim é a criação de “artistas de mentira”, também conhecidos como ghost artists, como parte de uma estratégia para reter uma maior parcela dos royalties pagos por streamings. Esses artistas fictícios geralmente têm músicas instrumentais ou genéricas incluídas em playlists populares.
Como isso funciona? O Spotify colabora com produtores e estúdios para criarem faixas instrumentais ou músicas simples que se encaixam em categorias de alta demanda, como playlists de relaxamento, meditação, yoga, trabalho ou sons ambientes. Essas músicas são geralmente criadas por compositores ou produtores que cedem os direitos ao Spotify ou a empresas afiliadas. Como resultado, os royalties pagos por essas músicas permanecem em grande parte com a plataforma ou com seus parceiros.
Muitas vezes, os ghost artists são apresentados com nomes fictícios, como se fossem artistas reais ou com pequenas variações de nome. Esses nomes podem variar de algo genérico a identidades cuidadosamente construídas. Esses artistas raramente têm perfis nas redes sociais, websites ou qualquer tipo de presença fora do Spotify. Eles existem exclusivamente na plataforma, o que os diferencia de músicos reais.
Uma investigação conduzida pela jornalista Liz Pelly e publicada na Harper’s, (todas as fontes no final da matéria) revela que o Spotify mantém parcerias com produtores (principalmente da Suécia, onde fica a sede da empresa) e empresas de produção para criar esse conteúdo, visando aumentar sua lucratividade às custas de artistas legítimos.
Além disso, o CEO do Spotify, Daniel Ek, andou vendendo suas ações na empresa por vários milhões, ganhando mais dinheiro que Mick Jagger, Paul McCartney ou até mesmo Taylor Swift vão ganhar na plataforma. Ele é conhecido por declarações péssimas como, “Hoje, o custo de criação de conteúdo é próximo de zero” ou “Que músicos que não fazem sucesso na plataforma são preguiçosos”. Isso revoltou a comunidade musical, já que essa declaração deixar clara como ele vê a música. É apenas conteúdo.

A fortuna do Daniel Ek está estimada em 7.1 Bilhões de Dólares e a empresa é divida em shares pelo CEO e cofundador Daniel Ek (com 25,7% das ações), o cofundador Martin Lorentzon (13,2%), o conglomerado chinês Tencent (7,5%) e a Sony Music (5,7%). Isso mesmo, a Sony Music tá ali tomando conta de uma pequena parcela da plataforma. Será que eles não colocam seus artista em destaque na plataforma?
Naquela thread do Twitter em que comentei sobre me livrar do Spotify, até tentei argumentar sobre essas práticas no mínimo questionáveis da plataforma para justificar por que não uso o serviço desde 2018. Uma das respostas que recebi foi: “Então você vai deixar de usar as plataformas por causa dos seus donos?”. Mas é claro!
A internet tenta todo dia criar os novos padrões e nos cria esse sentimento de estar perdendo algo se não estivermos lá. “Ah, mas se o Twitter acabar, como que vou saber o que acontece no mundo?”. Não faz sentido. O mundo mais livre é o mundo que você faz as suas escolhas. E hoje em dia dá pra ouvir música de várias maneiras.
Alguns dias depois dessa (não) polêmica no Twitter, fechei minha conta, apaguei o App do telefone e agora só uso o BlueSky. Posso não estar fazendo diferença? Claro que não. Mas, pelo menos, hoje escuto música com uma ótima qualidade lossless, passo menos raiva lembrando quem é o dono do Spotify, e claro, tenho meus vinis aqui pra quando a internet cair.
E se precisar transferir suas playlists de uma plataforma pra outra, só entrar no https://www.tunemymusic.com (não é publi).

Fontes e Referências:
https://www.honest-broker.com/p/the-ugly-truth-about-spotify-is-finally
https://www.michigandaily.com/arts/music/why-spotify-is-most-likely-going-to-fail/
https://www.newyorker.com/culture/the-lede/the-hollow-allure-of-spotify-wrapped
https://harpers.org/archive/2025/01/the-ghosts-in-the-machine-liz-pelly-spotify-musicians/
https://www.theverge.com/2024/11/14/24294995/spotify-ai-fake-albums-scam-distributors-metadata/