
Foi em 1988 que Humberto Gessinger, à época à frente do então trio Engenheiros do Hawaii, disse em um verso que nem sempre faz o que é melhor para ele, mas nunca faz o que não está a fim de fazer. Passados 37 anos da canção, e 40 do primeiro show do grupo na Faculdade de Arquitetura da qual era aluno, as coisas não parecem ter mudado tanto.
Prova disso é que no primeiro final de semana do segundo mês de 2025, o músico desembarcou em São Paulo para gravar em dois shows o repertório de dois acústicos de sua antiga banda, o Acústico MTV e o Novos Horizontes, não por acaso os dois últimos gravados com o nome da banda, que àquela época já era um projeto solo do artista.
Em meio a inúmeros pedidos e especulações para que voltasse a tocar com seus antigos companheiros da década de 80 e 90, o baterista Carlos Maltz e o guitarrista Augusto Licks (que se reuniram com o cantor da banda cover Engenheiros sem Crea e andam fazendo shows com o repertório do grupo), Gessinger resolveu ignorar a todos e gravar com os atuais companheiros de palco, nos dois trios formados por Felipe Rotta (guitarras e violões), Rafa Bisogno (bateria e percussão), Fernando Peters (baixo e violões) e Paulinho Goulart (acordeon). Calma, somos todos de humanas: são dois trios, com Humberto como figura principal, portanto cinco integrantes no total. Nesta formação, os cinco estão no palco o tempo todo, e ganham a adição de mais um músico, o engenheiro de som Protásio Jr. tocando teclados na música Vertical.
Perguntado em uma entrevista ao Estadão se consideraria voltar a tocar com os ex-companheiros, o gaúcho foi categórico: “Fico honrado que eles tenham saudade, mas eu não tenho”. Existem fãs que contestam, mas há que se considerar que aquela formação durou uma média de 6 anos, entre os 40 de carreira do artista. Outro ponto de divergência talvez seja o fato de que o ex-baterista Maltz, com quem Gessinger até havia se reaproximado nas décadas passadas, hoje se dedica a reverberar os discursos da extrema-direita, enquanto Humberto se declara um “trabalhista” na entrevista mencionada acima, ainda ancorado em sua admiração por Leonel Brizola, de quem chegou a participar de comícios em 1989.
O show, focado em parte do repertório dos dois discos acústicos, soa bem e com um profissionalismo muito grande, com Humberto à frente, o público cantando tudo junto com o artista e os músicos entrosados. Com o baixo na maior parte do tempo nas mãos de Fernando Peters (que aliás tem um trabalho solo muito interessante, voltado ao jazz), exceção para a parte final, em Infinita Highway (mesclada com uma versão bluesy de A Revolta dos Dândis I), o cantor se reveza entre teclados, violões, gaita de boca, viola caipira e bandolim. Os solos de violão de Felipe Rotta são inspiradíssimos e – talvez a parte que preocupasse mais os fãs, o acordeon de Paulinho Goulart, não soa over, pelo contrário, é até de bom gosto, sem exageros e assumindo algumas partes melódicas que habitualmente eram feitas na guitarra (como o solo de Eu Que Não Amo Você).
Entre as canções, curioso pensar nas questões cíclicas: Toda Forma de Poder, com seu trecho “o fascismo é fascinante, deixa gente ignorante fascinada” e uma das inéditas à época do lançamento de Novos Horizontes, chamada Guantánamo, ainda soam atuais. Coisas para se lembrar que o que deveria ter sido extinto ainda existe e ganha nova força.
Além da parte ao vivo, o disco contará com duas canções inéditas gravadas em estúdio: Paraibah, parceria com Chico César (a foto dos dois juntos no Instagram e no Facebook rendeu comentários do tipo “dois mamateiros da Lei Rouanet” – que tempos estranhos vivemos!) e Sem Piada Nem Textão, gravada com outros ex-companheiros de Engenheiros do Hawaii, a formação que durou entre 1997 e 2001 (Luciano Granja, Adal Fonseca e Lucio Dorfman), num recado velado de que o que ele não quer mesmo é tocar com os companheiros da fase GLM.
Costumo dizer que gosto mais das entrevistas dele do que das canções, e nesta que citei o que eu mais gostei foi a opinião sobre os músicos de sua geração que dizem que os anos 80 é que eram bons, e as músicas de hoje em dia não prestam.
“Acho engraçado, ninguém que fala isso se sente responsável pela maneira como o mundo ficou. É como: ‘eu fiz a minha parte direitinho, se está uma merda agora não tem nada a ver comigo’. Acho isso um absurdo. Olha o mundo que esse pessoal [mais jovem] está pegando, um mundo de outra velocidade. Eu estou fora dessa coisa de que era bom quando eu jogava bola. Cada um tem seu momento com o qual dialogar”.
Um agradecimento ao fotógrafo Raphael Prado, que cedeu a imagem do show que ilustra este texto. Conheça o trabalho do profissional aqui.
Ouça o nosso episódio #78, Raio-X sobre o álbum A Revolta dos Dândis, dos Engenheiros do Hawaii: