
Em tempos pós-pandemia (mas também não só por eles), talvez se reflita mais o sentido do que é a formação de uma banda. Momentos diferentes pediram soluções diferentes, e no caso da emblemática banda curitibana Terminal Guadalupe, que se reuniu em 2022 e lançou o excelente Agora e Sempre, apelou-se para uma gravação à distância, já que os integrantes estavam morando cada um em um lugar do planeta.
Agora, a banda volta a tocar a vida como a vida pede e, concentrada no duo de compositores que define sua sonoridade e texto, Dary Jr (vocais e violão) e Allan Yokohama (guitarra e vários instrumentos) traz Serenata de Amor Próprio, uma experiência que amplia a dupla para o coletivo. Até porque se vale de múltiplas participações que garantem ao mesmo tempo diversidade sonora e unidade conceitual/estética.
Nas gravações, a dupla contou com músicos como Rodrigo Panzone (baixo), Leandro Lopes (gaita), Léo Destro (contrabaixo acústico) e Ivan Rodrigues (bateria), além do produtor Bruno Sguissardi, tocando guitarras e teclados.
O disco abre com Foi por Pouco, powerpop que começa com riff de acorde aberto e belo timbre de guitarra, não exatamente uma novidade para quem acompanha a banda desde os primeiros discos (não soaria estranha dentro do repertório de Vc Vai Perder o Chão, de 2005), passa pelo ska a la Under The Boardwalk de Vá Ser Feliz (com letra irônica a respeito dos haters) e chega em Sara, música originalmente lançada pelo projeto-solo de Allan, Yokohama Café, mas rearranjada pela dupla, com baixo fretless de Rapha Moraes e violoncelo de Noélle Bonacin.
O amor também é tema de Volta, outro powerpop, mas com toques de britpop e 60’s. A letra pode ser interpretada como canção de amor, mas também celebra momentos de alívio na política depois de anos difíceis de suportar.
E se é para falar de amor, por que não o fraterno? Além da Glória reflete sobre a reaproximação de Allan e Dary e reúne a formação clássica da banda, com Rubens K (baixo) e Fabiano Ferronato (bateria). Amor próprio também pode ser plural.
Sendo também feito de despedidas, o sentimento ainda dá título a Amor, eu vou embora, cantada por Ana Cascardo acompanhada pelo piano elétrico de Bruno Sguissardi, adicionando esse tom inusitado de ser uma canção da banda sem a presença de seus integrantes.
Houve ainda tempo de incluir uma faixa-bônus, Não Desanime, que reproduz o discurso padrão de recrutadores ao enviar uma resposta negativa a um candidato a uma vaga de emprego. Despojada, a música é cantada pelos dois, com o acompanhamento somente do violão de Allan, como numa serenata (bastante amarga, é verdade) e uma tentativa de sustentar o amor próprio com ajuda do humor.
Com a diversidade de estilos, de músicos participantes e a liberdade criativa, o disco ganha este sentido amplo, mas ao mesmo tempo é coeso, mesmo quando estende seu vocabulário para outros idiomas, como em Black Jesus e Cuando Me Extrañas, ao mesmo tempo em que traz esperança em temas como Calma e O Sonho Não Faz Curva.
É amor, é próprio, é coletivo e é coeso. Pode até surpreender, mas não assusta quem conhece a banda há muito tempo. E se a certeza diminui com a idade, a esperança pode até virar verbo, como queria nosso professor, e aquecer o coração.
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