
A teoria do ciclo de 30 anos na música sugere que as tendências musicais seguem um padrão cíclico, que estilos populares de três décadas atrás voltam a influenciar a música moderna. Com essa inspiração e temperos atuais, ainda se pode inovar. Essa ideia se baseia na nostalgia e na forma como as novas gerações redescobrem e reinterpretam sons do passado.
A nostalgia é um grande motor cultural, mas esse revival não significa apenas cópia, e sim uma reinterpretação do passado com a tecnologia e os gostos atuais. Foi assim com o indie rock dos anos 2000 em relação ao punk dos anos 70, foi assim com o synthpop dos anos 2010, e agora estamos no revival dos anos 90, com grunge, industrial e até o pop-punk.
“Mayhem”, de Lady Gaga, traz essas influências dos anos 90, especialmente do grunge-industrial à la Nine Inch Nails, além dos trabalhos do Prince dessa época, mas não fica apenas nisso. O disco também flutua em momentos dos anos 70, com o funk de Nile Rodgers e a new wave da Blondie. Em entrevistas, ela menciona que o disco é uma “jornada transgressiva através dos gêneros”. E deu certo.
A música é fluida e não existe jeito certo de se ouvir. Nos anos 50 e 60, os formatos compactos com singles eram o grande carro-chefe. Aí vieram os Beatles (Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band) e o Pink Floyd (Dark Side of the Moon), por exemplo, popularizando essa ideia de um álbum com começo, meio e fim. Um LP com uma unidade sonora e temática, nem sempre conceitual, mas sonoramente consistente.
O mundo foi mudando e dá pra fazer um pouco de tudo. Pra mim, Mayhem é um compacto na sua reta final e um álbum consistente, mesmo versátil, nos outros momentos. E é nessa parte que o disco realmente me pegou.
As duas primeiras músicas do disco não foram surpresa pra ninguém. “Disease”, lançada como single e clipe ainda em outubro de 2024, mostrou a temática sonora do disco. Já “Abracadabra” é o famoso já-nasceu-clássico, 100% Lady Gaga “das antigas” (já podemos falar isso?), mas com um tempero de grunge-industrial dos anos 90 que certamente o Trent Reznor do Nine Inch Nails, deve estar orgulhoso.
Já nas músicas inéditas que seguem o disco, “Garden of Eden” é um puro suco de anos 90, e “Perfect Celebrity” tem uma transição que vai de pop Ace of Base pra hard rock farofa com guitarra, que com certeza pegou todo mundo de surpresa. Excelente. Já “Vanish Into You” tem uma vibe Debbie Harry da Blondie misturada com o French electronic music do Justice. É eurodance-pop com vibe de new wave/post-punk.
Em “Killah”, um dos maiores destaques do disco pra mim, tem um groove delícia com uma guitarra honrando o legado que o Prince deixou pra todos nós. Em “Zombieboy”, o sentimento de French electronic music continua, mas com uma guitarra de fundo que poderia ser do Nile Rodgers (Chic), e mais uma vez mostrando que os solos de guitarra estão mais vivos do que nunca, tem solo de guitarra moendo. E pra fechar a grande sequência sem erros, temos “LoveDrug”, a música mais Lady Gaga da era Chromatica do disco.
Aí vem a parte do disco que eu chamaria de “compactos”. De primeira, parece muito abaixo do resto do disco, mas, com um pouco de tempo, pode crescer como deep cuts do álbum. A Taylor Swiftiana “How Bad Do U Want Me” tem todas as características de uma música do 1989 da loirinha. “Don’t Call Tonight”, que melhora bastante com o passar do tempo, a ótima “Shadow of a Man”, “The Beast”, que acaba passando batida, e a balada épica romântica “Blade of Grass”.
Pra fechar, o grande hit em colaboração com Bruno Mars, “Die With a Smile”, que poderia muito mais aparecer em um disco do Bruno do que da Gaga, mas tudo bem. Fez sucesso e as pessoas querem ouvir isso em um álbum.
A impressão é que álbuns, coleção de hits, EPs e compactos estão em uma zona ainda não explorada de forma completa pela indústria da música. Enquanto ainda não temos uma certeza absoluta do que está acontecendo, Mayhem mostra pra gente que dá pra ouvir esse lançamento do jeito que a gente achar melhor. Sendo em ordem, em playlist, pulando faixa ou apreciando as de menos impacto inicial. E essa é a beleza que faz Mayhem ser esse caos gostoso.
Faixas
- Disease – 3:45
- Abracadabra – 4:02
- Garden of Eden – 3:58
- Perfect Celebrity – 4:15
- Vanish Into You – 4:05
- Killah – 3:50
- Zombieboy – 4:10
- LoveDrug – 3:55
- How Bad Do U Want Me – 4:20
- Don’t Call Tonight – 3:40
- Shadow of a Man – 4:25
- The Beast – 4:00
- Blade of Grass – 4:30
- Die With a Smile (com Bruno Mars) – 4:14
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