O Retro-futurismo e Inovação no K-pop de Hunter de KEY (SHINee)

Retro-futurista, ousado e transformador, o novo disco de KEY é um ritual de passagem sonoro que redefine os limites do Pop moderno.

Um ritual de passagem é uma cerimônia ou conjunto de acontecimentos que marcam a transição de uma pessoa de um estágio da vida para outro. Seja uma mudança em nível pessoal ou de comunidade, um ritual de passagem acontece em diversas culturas e normalmente é associado a eventos como nascimento, puberdade, casamento e morte. Mas e culturalmente, existe um ritual de passagem? Eu acredito que sim. Um ritual de passagem pode ser uma fitinha cassete que um amigo ou amiga grava pra você (sim, sou desse tempo). Um ritual de passagem pode ser simplesmente um link que te mandam (pros mais atualizados).

Um ritual ajuda a pessoa a se ligar que agora existe uma nova condição na sua vida. É um antes e um depois. Tudo isso pra ajudar a dar sentido às mudanças da vida, marcando o fim de uma fase e o início de outra. Na música, eu tenho inúmeros rituais de passagem. Um disco que me mudou ou um show que me fez ser diferente. E, pra mim, os ritos de passagem culturais são infinitos. Só depende do quão aberto você está.

Na cultura do K-pop, existe uma separação bem comum entre os fãs de K-pop e os chamados civis. Os civis têm uma variedade enorme, desde os que não suportam ou não conhecem nada de K-pop até os ouvintes eventuais. Eu me considerava um ouvinte acima da média, mas ainda me considerava um civil. Mas será que ainda posso me sentir um civil depois do lançamento de HUNTER do KEY?

Minha admiração pelo grupo SHINee, e principalmente pelos trabalhos solos de KEY, já não era segredo pra ninguém. Mas, de vez em quando na nossa vida, algum disco bate legal e nos transforma de alguma maneira. Pode parecer exagero um metaleiro que ama Bruce Springsteen e Prince, ainda por cima com 44 anos de idade, ter esse tipo de transformação em um gênero e movimento que acontece lá do outro lado do mundo. Todos os preconceitos que vejo com relação aos fãs de K-pop acho bobos, rasos e infantis.

Eu gosto de música. E se as músicas começam a ficar invisíveis e entediantes, precisamos procurar as inovações e experimentações. Não dá pra achar que o pop de loja de fast fashion é inovador. Pode ser grudento, gostosinho de ouvir e animado, mas a inovação está acontecendo em outro lugar. Já escrevi aqui no site sobre o NMIXX e também o TripleS, mas meu ritual de passagem aconteceu mesmo escrevendo essa resenha pra vocês.

KEY, ou Kim Ki-bum, é um dos integrantes de um dos grupos mais importantes da Coreia do Sul, o SHINee. O grupo começou em 2008 e é considerado um dos mais importantes da história do K-pop por sua consistência, inovação e influência na indústria. Do grupo, KEY é o que mais admiro por seu trabalho musical. Seus trabalhos são uma mistura de retrofuturismo com pitadas de filmes de terror. Em 2018, ele lançou Face e, em 2022, Gasoline. Agora, em 2025, temos HUNTER.

Key do SHINee. Crédito: SM Entertainment

Entre um álbum e outro, tivemos alguns EPs também de excelente qualidade, como Bad Love e Pleasure Shop, mas é em HUNTER que KEY chega com seu melhor trabalho, na minha opinião. A faixa-título tem todo esse elemento de retrofuturismo com pitadas de filme de terror, assim como Thriller teve na sua época. Hunter é quase uma homenagem a um dos maiores hits da história, tendo até uma interpolação do groove e do ritmo sincopado do trecho final de Thriller.

Na sequência do disco, temos a música Trap, que poderia muito bem ter sido lançada em 1989 pelo Depeche Mode. Em Strange, se a gente troca a instrumentação eletrônica por uma bateria, duas guitarras distorcidas, baixo e teclados, teríamos um power metal perfeito. Em Want Another, temos uma das maiores quantidades de efeitos eletrônicos em transições com bom gosto que já ouvi. Pura inovação.

O disco segue com No Way!, que talvez seja a música mais simples do disco. Um pop direto que certamente o Charlie Puth teria orgulho de ter feito, onde a ponte, como sempre, é a melhor parte da música. Em Infatuation, temos um pop com cara de anos 90 misturado com um R&B de linha melódica excelente, um pré-refrão Motown. Em GLAM, uma das músicas que mais definem o som retrofuturista de KEY e sua inovação.

Na reta final do disco, temos Picture Frame, a melhor do disco pra mim. Algo que os grandes nomes do pop dos EUA e do Reino Unido estão a vida toda tentando fazer e não conseguem nem chegar perto. Logo depois, temos um groove maravilhoso e um riff excelente em Perfect Error, com participação de Seulgi do Red Velvet. É um house delicioso de ouvir em loop. E, pra fechar o disco, temos a grande épica Lavender Love. A faixa que fecha o álbum tem uma interpretação de voz absurda e grande controle vocal. A música tem um riff de guitarra super melódico que, se fosse num show do Iron Maiden, todo mundo cantaria junto. É um pop de arena.

O que mais me chama atenção e o que me faz gostar tanto de KEY é sua voz com timbre rouco, mas ao mesmo tempo limpo. Sua versatilidade, inovação, confiança, personalidade e talento pra entregar tudo em suas músicas. Se juntar com o time certo pra nos entregar um dos melhores discos, não só do K-pop do ano, é algo que precisamos aplaudir de pé.

Eu gostei tanto desse disco que, quando menos percebi, meu ritual de passagem foi completo. De um civil acima da média, hoje posso dizer que sou fã de K-pop, inclusive vendo K-pop Demon Hunters feliz da vida com minha filha de 10 anos, que já cantava todas as músicas antes mesmo de ver o filme. Quando paro pra pensar no meu ritual de passagem, HUNTER do KEY foi apenas o carimbo final, mas esse ritual vem acontecendo um pouquinho todo dia, desde Atlantis do SHINee.


Faixas

  1. Hunter – 2:43
  2. Trap – 2:38
  3. Strange – 3:14
  4. Want Another – 2:30
  5. No Way! – 3:00
  6. Infatuation (feat. Eunho) – 3:19
  7. GLAM – 2:52
  8. Picture Frame – 2:59
  9. Perfect Error (feat. Seulgi) – 3:21
  10. Lavender Love – 3:09

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