
Quem não se lembra da primeira vez que foi roubado? Eu lembro muito bem. Na época da febre dos bonés da NBA, morava em Brasília e meu time favorito foi por pura estética. O roxo e verde-água do Charlotte Hornets foi a escolha. Um belo dia, meninos que viviam nas ruas me cercaram e um veio por trás e passou correndo, levando o meu boné. Mas a história fica melhor. Como eu morava na região, os quatro garotos se ligaram que eu morava por ali e voltaram depois de uns 10 minutos, me pediram desculpas e me devolveram o boné. Por mais que a história seja no mínimo curiosa, sempre lembro desse dia.
Muita gente processa essas coisas de várias maneiras. E foi assim com a cantora e compositora de Nova Iorque Avery Friedman. Depois de sofrer um assalto, ela usou a música pra processar essa experiência traumatizante. Desse susto, nasce New Thing, disco de estreia da artista. Um disco que não chega como susto, mas chega como surpresa.
New Thing chegou aos meus ouvidos como aqueles assessores que entram em uma reunião e sussurram uma notícia pra você. E nesse sussurro veio uma notícia boa e leve. Que traz um sentimento de cobertor quentinho, um abraço no coração. Do susto de um assalto, nasceu uma sessão de terapia eficiente. Uma musicoterapia feita de indie folk, crua e caseira. Como se a Liz Phair e a Adrianne Lenker do Big Thief fossem as moderadoras dessa sessão.

Com nove faixas e pouco mais de 30 minutos de duração, esse lançamento é uma jornada íntima sobre trauma, vulnerabilidade, identidade e reconstrução. A voz de Avery soa frágil, mas nunca insegura. É como se ela estivesse falando diretamente pra todo mundo que precisa ouvir, com uma honestidade quase desconcertante.
A produção conta com participações de nomes como Felix Walworth, do Florist e Told Slant, James Chrisman, do Sister., e CIAO MALZ e Ryan Cox, do Club Aqua, que ajudam a construir uma atmosfera confortante. A faixa de abertura, New Thing, já apresenta essa atmosfera melancólica gostosa que segue como tema de todo o disco.
Flowers Fell, segue com uma melodia encantadora e guitarras simples e verdadeiras e que vai crescendo com o passar da música. Em Photo Booth, um loop de sintetizador hipnótico segue no fundo, seguido de uma bateria sequinha e talvez melhor interpretação de voz de Avery. Em Finger Painting, uma ótima letra e execução que você fecha os olhos se sente próximo da artista cantando somente pra você.
Somewhere to Go, traz acordes e harmonias não previsíveis e arranjos modernos mesmo soando completamente cru e real. Biking Standing nos leva para um momento meio Pato Fu do Toda Cura para Todo o Mal. Belíssimo riff de guitarra e melodia que faria a Fernanda Takai orgulhosa. E o disco fecha com Nervous, um Indie Folk perfeito, que poderia ser adicionado ao dicionário da definição do gênero.
O disco não busca momentos épicos ou grandiosos. Sua força está no simples, no silêncio e no que não é dito. Nos arranjos mínimos de muito bom gosto. É um trabalho de estreia muito maduro, que mostra uma artista com algo muito sincero pra dizer. E que escolheu não só transformar um trauma em poesia, mas fez com maestria. E quase impossível acreditar que antes desse trabalho, Avery Friedman não tinha feito música antes.
É incrível como todo dia tomamos um susto com os talentos de novas gerações. Isso só prova que por baixo da ponta iceberg do que chamamos de mainstream, tem muito artista fazendo músicas reais e cheias de sentimento. Por isso a curadoria nunca foi tão importante. Porque se dependemos apenas dos recomendados dos streamings, vamos ouvir apenas as mesmas coisas de sempre.
Ainda bem que de vez em quando, chega uma pessoa no meio da reunião e sussurra no nosso ouvido: “você precisa ouvir isso aqui”.
Faixas
- Into – 01:53
- New Thing – 03:35
- Flowers Fell – 04:28
- Photo Booth – 03:17
- Finger Painting – 03:57
- Somewhere to Go – 03:31
- Biking Standing – 03:58
- Nervous – 03:41
Labels: Audio Antihero / Softseed Music
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