Crocodilagem no Relicário

O Selo Sesc lança nas plataformas uma gravação de show de Arrigo Barnabé em 1980, um pouco antes do lançamento do clássico Clara Crocodilo.

Há muito o que se falar sobre o projeto Relicário, do Selo Sesc-SP, inaugurado em 2023 com a gravação de um show de João Gilberto no Sesc Vila Mariana, e há muito a se falar sobre Arrigo Barnabé, especialmente à época do lançamento de Clara Crocodilo, obra-prima do compositor, da qual o Vinícius Cabral já tratou em uma edição da nossa newsletter.

Eis que agora estes dois mundos colidem e dão origem a um registro inédito, de uma apresentação ainda anterior ao lançamento de Clara Crocodilo, mas com repertório formado essencialmente por faixas do disco, à exceção de Lástima, que abre o fonograma.

O evento ocorreu em junho de 1980, no Sesc Consolação, no espaço à época conhecido como Teatro Pixinguinha (hoje Teatro Anchieta). O registro de 45 anos, no entanto, enganaria a qualquer um a quem dissessem ter sido gravado anteontem, pela qualidade sonora e pela energia da apresentação.

A banda Sabor de Veneno, que acompanhava Arrigo no disco e no show, era formada por bambas como Vânia Bastos e Suzana Salles (vocais), Paulo Barnabé (bateria, irmão de Arrigo e líder da Patife Band) e Tavinho Fialho (baixista, chegou a tocar com a Legião Urbana na década de 90, hoje falecido. É pai do cantor Chico Chico, filho de Cássia Eller). Você consegue imaginar o rolê aleatório de um cara como o tecladista Bozzo Barretti, que tocou nesta banda e posteriormente se tornou produtor e integrante do Capital Inicial? Pois é.

O show em si, uma experiência digamos “difícil” para não iniciados nos sons atonais ou dodecafônicos, entre outras rupturas com o pop tradicional. Mas também, como disse o Vini no texto sobre Clara Crocodilo, há uma linguagem que depois foi explorada no pop, aquela estética de HQ musicada que depois estouraria com a Blitz.

O que talvez faça a diferença em relação ao disco – sobretudo num registro de show tão bem gravado, o que poderia não trazer tanta novidade – é a introdução da última canção (podemos chamá-la assim?), Clara Crocodilo: em vez de um disco na vitrola, como na gravação, o artista se apresenta como um repórter a caminho de entrevistar um criminoso.

Segundo a página oficial, Relicário é um projeto permanente que reverbera a memória do Sesc São Paulo com registros do acervo da instituição que há mais de 70 anos tem na ação cultural o instinto de estimular a autonomia pessoal, a interação e contato com expressões e modos diversos de pensar, agir e sentir.

O projeto apresenta áudios de shows históricos realizados em unidades do Sesc em São Paulo nas décadas de 1970, 1980 e 1990, remasterizados e formatados como álbuns digitais. A série também oferece o contexto histórico de cada registro, através de textos, vídeos e fotografias. Além de João Gilberto e Arrigo Barnabé, o projeto já lançou registros de nomes como Zélia Duncan, João Bosco, Adoniran Barbosa, Dona Ivone Lara e Renato Teixeira. E deve ter muito mais relíquias por vir.

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