Episódio #209 - Melhores Discos de 2023

No último episódio de 2023, nosso time com Bruno Leo Ribeiro, Vinícius Cabral, Márcio Viana e Brunno Lopez, escolhem os melhores discos do ano com gostos variados. Tem muito Rock, Indie, Hard Rock, Pop, Metal e muito mais. Tudo isso com muita emoção, clubismo e um pouco de razão. Entre os mais de 80 discos internacionais e Nacionais citados, estão artistas e bandas como, Paramore, Kara Jackson, SHINee, Red Velvet, King Gizzard, boygenius, Caroline Polachek, terraplana, Wednesday, Noname, L’Rain, PJ Harvey, Corinne Bayley Rae, Sunny War, Angra, Fall Out Boy, Jason Mraz, Jards Macalé, Lô Borges, Ratos de Porão, Black Pantera, ogoin & Linguini e muito mais. Confira o que você ainda não ouviu no ano e descubra o que fez nossas cabeças em 2023. Ouça, divirta-se e compartilhe. Abaixo leia nossos reviews e a lista completa.


TERRA ARRASADA?

Quem adormeceu na pandemia e acordou desprevenido em 2023 pode ter levado um susto. Parece que abriram uma fenda no espaço-tempo e, de repente, estávamos em 1997, 1967, 1983, ou em qualquer outro ano que ao menos se apresentasse como mais interessante do que o atual. Acontece que “retrô é veneno”, como nos ensina Jello Biafra. “Você não pode clonar o passado e esperar capturar a magia, muito menos a rebelião do original”. Sempre foi assim.

Mas então porque olhar para o passado com tanto afinco? Uma das poucas explicações possíveis é a terra arrasada que se apresenta diante de nós. Massacres perpetrados em plena luz do dia, guerras incessantes, neo-colonialismo destruidor e, claro, as portas do inferno queimando nossas cidades com os danos já irreversíveis do aquecimento global. Tudo isso autorizado pela sanha do consumo e publicação de lixo eletrônico no regime 24/7. Não dormimos mais sem remédios, porque nossos smartphones (cada vez mais smart e inescrupulosos) não deixam. É claro que a indústria musical iria tentar, diante de tudo isso, restaurar um senso de normalidade, entregando conforto e nostalgia às pessoas.

Mas aqui no Silêncio no Estúdio temos rejeitado as soluções fáceis da indústria. É claro que não estamos totalmente alheios aos revivals e “lançamentos” de bandas clássicas, afinal, somos amantes de música. Mas o que temos buscado fazer nestas retrospectivas, desde 2018, é um panorama da música contemporânea, feita hoje para as pessoas de hoje, para refletir sobre como ela explicita os sintomas de seu tempo. E explicita muito. Como diria Jonathan Crary (a quem nos referimos no título deste texto), a música segue sendo uma das poucas áreas da expressão humana que não se sujeita à reificação completa. Ela estabelece conexões reais, e mobiliza comunidades em torno de algo intangível e afetivo.

A prova máxima disso é o paradoxo do K-pop. Apesar de ser uma das maiores máquinas de fazer dinheiro da história da indústria cultural (e da cultura descartável e reificada dos idols), elementos como composição, harmonia e performance ainda estão na centralidade da produção neste nicho. Produzem imagens aos borbotões, mas as imagens não deixam de ser o que sempre foram, para toda boa música: meios para um fim. Para quem ainda não aceitou a realidade da qualidade inexorável do K-pop, nem precisa ir tão longe. Como temos relatado por aqui a alguns anos, as cenas indie florescem na américa latina, na ásia, e mesmo na decadência do ocidente- no centro do capitalismo ocidental, todas as desgraças que ele parece produzir ajudam a música a servir como principal front de resistência.

Por aqui resistimos e propomos novos caminhos, com a ajuda indispensável de todos que nos lêem e nos ouvem nesta (já longa) empreitada. Obrigado a todos por mais um ano acompanhando nosso Silêncio no Estúdio!


BRUNO LEO RIBEIRO

Mais um ano que fiquei com a impressão que a nostalgia venceu. Não no sentido bom. Gosto de nostalgia, não gosto de saudosismo. Me parece tudo muito calculado. Certos revivals e certas voltas não me emocionaram.

No geral, achei 2023 um bom ano, mas não é meu ano favorito na música desde que começamos a fazer a lista de melhores do ano. Talvez a melhor coisa desses anos fazendo lista aqui pro Silêncio no Estúdio, foi a minha própria percepção e expansão do meu gosto. Hoje consigo me emocionar com músicas mais diversas e tentei fazer uma lista com um apanhado de coisas diferentes que me marcaram no ano.

Alguns discos estão aqui na lista puramente por motivos emocionais. Seja um disco que ganhei de presente de um amigo ou por um momento especial que vivi nesse ano. Algumas coisas acabaram ficando de fora e está tudo bem.

Só queria citar alguns discos eu gostei bastante, mas não tinha mais espaço pra entrar na lista, mas podem dar play sem medo: Kylie Minogue, Jessie Ware, Foo Fighters, Pj Harvey, Depeche Mode, Kvelertak, Rival Sons e (infelizmente tinha mais espaço) Wilco. Vamos para o Top 20.


 
 

Extreme é Extreme. Tudo que tiver o Nuno Bettencourt eu vou automaticamente amar. Meu guitarrista favorito de adolescente está de volta com um disco puro suco de Hard Rock. Solos incríveis e refrões memoráveis como sempre.

19. HEALTH - Rat Wars

 
 

Esse disco entrou na minha lista literalmente no último minuto da prorrogação. Provavelmente se tivesse mais tempo, ele estaria melhor no ranking, mas foi o que deu. Com uma mistura de música eletrônica com metal de qualidade e linhas de vocal super criativas, é impossível não se sentir estranho em querer bater cabeça e dançar ao mesmo tempo. Um dos discos mais criativos que ouvi no ano. O NIN engatinhou pro HEALTH poder nadar de braçada. Que disco!.

18. LE SSERAFIM - UNFORGIVEN

 
 

A lenda Nile Rodgers participa desse disco na música UNFORGIVEN. Só isso já bastava pra colocar esse disco na minha lista. A participação de um dos maiores hitmakers da música é histórica. Se você quer ouvir um disco de Pop cheio de ideia sem medo de testar, o UNFORGIVEN é pra você.

17. Durand Jones - Wait Til I Get Over

 
 

A combinação de Soul antigo e os sons do Soul moderno com pitadas de Blues, cria um disco nostálgico sem apelar pro saudosismo. É um disco extremamente divertido e reflexivo.

16. Anohni - My Back Was a Bridge For You To Cross

 
 

Anohni and the Johnsons é um coletivo musical formado em Nova York em 1995 e apresenta o trabalho da cantora e compositora trans Anohni e seus colaboradores. Depois de 13 anos, Anohni lança um disco emocionante e intenso sobre a destruição do planeta. Uma pedrada que acho que todo mundo deveria ouvir.

15. Katatonia - Sky Void of Stars

 
 

Os mestres da melancolia e escuridão escandinava nunca erram. Katatonia é uma das bandas que mais vi ao vivo e sempre adoro a tristeza que eles trazem em suas músicas. Eu fecho os olhos ouvindo Katatonia e lembro dos 11 anos de escuridão que vivi durante os invernos da Finlândia. Se você gosta de The Cure triste e Metal e ainda não conhece o Katatonia, está perdendo tempo. Taca play nas lendas da melancolia da Suécia.

14. Periphery - Periphery V: Djent is Not a Genre

 
 

Amo meus reizinhos do Djent. Mas Djent é um gênero? O Periphery lançou um disco falando que não é. Acho que é muito mais uma brincadeira do que qualquer outra coisa. O disco é feito de influências de vários gêneros como Jazz, Shoegaze, Emocore, Metalcore, Alt Rock, Dream Pop, Hard Rock e Metal. Talvez seja o melhor disco da banda pra mim desde o Periphery II de 2012. Pra quem gosta de metal moderno, tem que ouvir.

13. Ville Valo (VV) - Neon Noir

 
 

O "inventor" do Love Metal com a famosa banda HIM, lançou seu primeiro disco solo pós fim da banda. É um disco que deixou qualquer viúvo de HIM feliz, mas com algumas expansões. Dessa vez, Ville Valo fez tudo sozinho e mostra que ele é uma mente brilhante dentro do Pop/Hard Rock/Metal Gótico. Ouvi a música Neon Noir mais vezes do que é considerado saudável. Amei.

12. Special Others - Journey

 
 

Sempre fui fascinado por bandas que misturam Jazz com Rock ou Metal e fazem um som instrumental de muito bom gosto. Descobri o Special Others, banda de J-Rock que foi formada em 1995, apenas esse ano. Fui ouvindo os discos da banda e felizmente na última semana de novembro ouvi o Journey e o disco acabou roubando algumas posições aqui na minha lista. Imagine um Post-Rock-Jazz. Esse é o som dessa preciosidade do Japão.

11. Wednesday - Rat Saw God

 
 

Se a cena de Seattle tivesse filhos alternativos, certamente Wednesday seria um dos seus filhos mais bem sucedidos. É como se o The Breeders tivesse convidado o Bruce Springsteen pra ajudar nas composições e a banda tivesse se formado junto com o Nirvana. Imperdível.

10. Red Velvet - Chill Kill - The 3rd Album

 
 

Uma produção impecável de vozes, harmonias, melodias e criatividade. Esse quinteto formado por Irene, Seulgi, Wendy, Joy e Yeri não só expande o jogo de vozes em grupos vocais, mas também levam as harmonias de voz para um outro nível.

09. King Gizzard & The Lizard Wizard - PetroDragonic Apocalypse

 
 

O King Gizzard lança tanto disco que nunca soube exatamente por onde começar. Mas esse ano resolvi dar um play no disco (primeiro disco) que eles lançaram no ano e não me arrependi. Se sabe que cada disco deles é um rolê completamente aleatório. O PetroDragonic Apocalypse é um disco de metal. Já o The Silver Chord (também lançado em 2023) é um disco de Synth Pop. Parecem duas bandas diferentes e dá pra curtir do mesmo jeito. Mas gostei mais do PetroDragonic. Tem momentos de Heavy Metal tradicional dos anos 80 e tem momentos meio Tool. É um disco muito divertido de se ouvir com um certo deboche que eu adoro.

08. Sufjan Stevens - Javelin

 
 

Tem alguns artistas que a gente admira, gosta de alguns trabalhos, mas nem acompanha tanto assim. Mas em Javelin, Sufjan Stevens traz um disco tão emocionante que foi difícil não ficar encantado com este trabalho. Nunca consegui acompanhar tudo que é lançado, mas resolvi dar um play e não me arrependi. É um álbum sobre amor e devoção. É um disco pra ouvir em uma caminhada chuvosa. É uma ótima companhia para dias que a gente precisa ouvir um pouco sobre o amor e a melancolia. Discáço.

07. Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs - Land of Sleeper

 
 

Uma das melhores descobertas do ano pra mim. A irreverência da banda já começa no nome. São 7 vezes Pigs. Nem mais e nem menos. Essa banda de Newcastle na Inglaterra traz uma energia moderna e energética para um Stone Rock que deixaria o Queens of the Stone Age impressionado. Eu simplesmente fiquei fascinado com a banda e tudo que eles fazem. É o Rock moleque. Rock irreverente. Rock divertido. Rock Roqueirão. Pra quem gosta de Budgie e Black Sabbath.

06. TesseracT - War of Being

 
 

Só não falo que esse é o melhor disco da banda, porque em 2015 eles lançaram o Polaris. o TesseracT não só lançou o melhor disco de metal de 2023 pra mim, mas também expandiu os horizontes do que se dá pra fazer no metal Espacial / Djent / Melódico / Melancólico. É como se misturassem Deftones com Meshuggah. É uma das bandas da nova geração do metal que mais gosto. Eles merecem tudo de melhor. Músicos incríveis que não fazem firula por fazer. Tudo está no seu lugar certo. Melodias maravilhosas e muita energia. E também dá pra entrar em certo transe e ouvir o disco todo com os olhos fechados captando todos os detalhes de suas produções impecáveis.

05. SHINee - HARD - The 8th Album

 
 

Já citei algumas vezes isso durante esses últimos anos que o K-Pop é a melhor coisa do Pop hoje em dia e não é segredo pra ninguém que o SHINee é um dos grupos que mais gosto do trabalho. Depois de já ter colocado eles na minha lista de 2021 com o ótimo Atlantis, dessa vez, o HARD conseguiu me emocionar ainda mais. O disco todo é sensacional, mas a sequência final do disco com The Feeling, Like it, Sweet Misery e Insomnia é uma aula de criatividade com melodias que não importa nenhum um pouco se você entende o que eles estão cantando.

04. boygenius - the record

 
 

Mais um projeto de supergrupo que deu certo. Boygenius é um ode à amizade entre Julien Baker, Phoebe Bridgers e Lucy Dacus. A amizade não é apenas o contexto, mas a força criativa desse disco sensacional. A estrutura do álbum permite que cada voz tenha seu espaço, criando um diálogo harmonioso que reflete conversas entre amigos. "the record" captura o poder transformador da amizade, destacando os efeitos essenciais de nossas próprias conexões.

03. Caroline Polachek - Desire, I Want To Turn Into You

 
 

Nossa querida Caroline Polachek, com seu autotune natural, soltou o álbum "Desire, I Want To Turn Into You", mostrando uma versatilidade no Pop que é de cair o queixo. Esse disco é tipo uma viagem louca por paisagens sonoras experimentais, mas sempre com aquele toque Pop que eu adoro. É Indie Pop inovador no seu melhor momento. A vibe do álbum reflete toda essa bagunça do mundo hoje, ainda impactado pela pandemia. O disco flutua entre new wave, trip-hop e até flamenco. E o disco vai em seu crescente até chegar noo seu ápice com a última faixa "Billions", uma música Pop envolvente onde a Polachek explora a sedução e a angústia, terminando com uma vibe feliz, mas ainda naquela busca constante pelo desejo não totalmente realizado. "Desire, I Want to Turn Into You" é uma obra única, mostrando toda a maestria vocal da Caroline e a visão dela do Pop, fazendo a gente mergulhar numa experiência musical incrível.

02. Paramore - This Is Why

 
 

Nunca pensei que gostaria tanto de um disco do Paramore. Mas ainda bem que a gente dá play nos discos com o coração aberto e se surpreende. Eu simplesmente amei a vibe new wave meio Talking Heads que a banda trouxe pra esse disco. "This Is Why" foi o meu maior impacto no ano e mostra a evolução constante da banda. Consolidados como um trio estável, cada integrante contribui de maneira única. A voz confessional de Hayley Williams, a criatividade expressiva de Taylor York e o retorno de Zac Farro. "This Is Why" não é apenas uma resposta à moda musical, é uma compreensão do zeitgeist e maturidade musical.

01. Kara Jackson - Why Does the Earth Give Us People to Love?

 
 

Kara Jackson já chegou chutando portas com seu álbum de estreia. Este disco é uma jornada pela vulnerabilidade, proporcionando uma experiência musical que transcende simples canções de amor. Com uma habilidade magistral para contar histórias e uma voz extraordinariamente bela, Kara Jackson explora as complexidades do amor e da perda. É uma mescla de poesia, dor e amor. O álbum quebra todas as convenções das canções tradicionais, apresentando faixas que são desconcertantes e agonizantes. A musicalidade, refinada e diversificada, incorpora arranjos perfeitos de um folk moderno com aquelas dores de um Blues tradicional. O custo do amor é um tema recorrente, expresso através da frustração com relacionamentos e da necessidade de sacrifícios. Ao longo das 13 faixas, Kara Jackson não responde diretamente à pergunta que dá título ao disco que mais gostei no ano, mas durante a jornada deste álbum maravilhoso, é possível compreender, por meio de nossas próprias experiências e dores, qual é a resposta.

 

Top 10 Nacional

01. terraplana - Olhar Pra Trás

 
 

Quando uma banda ou artista de um gênero que nem acompanho muito me prende, já considero pacas. O terraplana faz um shoegaze/dream pop muito arrastado e melancólico que me pegou demais. Tudo no disco tá no seu lugar certinho. O clima, transições, riffs, peso, barulho e linhas melódicas. É um disco muito maduro. Pra dias chuvosos ou não, Olhar Pra Trás é uma jornada belíssima de uma banda pra se ficar de olho. Se por algum motivo, o nome do terraplana chegou em você e pareceu hype, não é hype não. Realmente o disco é excelente.

02. Crypta - Shades of Sorrow

03. Pato Fu - 30

04. Jards Macalé - Coração Bifurcado

05. Marcelo D2 - IBORU

06. Lô Borges - Não Me Espere Na Estação

07. Meyot - Sopa Primordial

08. Ratos de Porão - Isentön Päunokü

09. Plebe Rude - Evolução, Vol 2.

10. Sara Não Tem Nome - A Situação

 

VINÍCIUS CABRAL

Mais um ano em que irei provavelmente surpreender os que me acompanham (ou é o cenário musical que não cansa de me surpreender a cada ano que passa?). Seja como for, trago abaixo uma catalogação com certos ineditismos. É a primeira vez que um álbum de hiphop figura no topo da minha lista; é também a primeira vez que encaixo um disco de K-pop no meu Top 10; apesar de já ser bem comum minhas listas serem majoritariamente compostas por artistas femininas, é a primeira vez que meu Top 10 inteiro é dominado por artistas mulheres (ou por bandas e projetos encabeçados por mulheres). Outra novidade é a presença de EPs dentre os álbuns. Já passou da hora de aceitarmos que mini-álbuns (qualquer trabalho, na minha definição, entre 12 e 29 minutos) são uma realidade que deve ser considerada no mesmo contexto dos tradicionais long-plays. Afinal, tem disco de 15 minutos que vale por 5 discos de 50.

Sempre procuro construir minhas listas preocupado com tudo aquilo que tem sido pensado, escrito e produzido em música, para não ser mais um repetidor de bobagens anacrônicas e sem sentido. Neste aspecto, trata-se de uma lista que tenta processar as novidades de uma forma crítica. Alguns debuts, segundos álbuns, álbuns de consagração para algumas artistas chegando ao topo de suas capacidades criativas. É, enfim, uma lista diversa e voltada para o independente (na ásia, estados unidos, europa e américa latina). Abrange tudo o que eu consegui assimilar como amante e pensador (não pago) de música.

2023 foi um ano atípico, em que passei pelos maiores desafios pessoais de meus mais de 40 anos. A música, como sempre, foi o porto seguro. E transcendeu os limites óbvios da minha própria capacidade de processar as emoções. Flutuei com L'Rain, fiquei puto junto com Noname, chorei com terraplana e Joanna Sternberg, e me diverti muito com Wednesday e La Piba Berreta. Como sempre, o que mais me encantou foram novidades inesperadas. Sonoridades exploradas de maneiras diferentes, novos sotaques e trejeitos. Há, enfim, muita vida ao redor para se celebrar. Espero que se divirtam e se encantem com os meus takes.


 
 

Sei que é difícil para alguns digerir a novíssima (quinta?) geração do K-pop, mas este mini-álbum não disfarça a noção complexa de produto musical que o gênero encarna. Com canções pop perfeitas como ASAP, um disco excelente, que vale cada segundo.

19. montegrande - aeropuerto EP

 
 

Há uma nova leva de bandas argentinas (Riel, Dum Chicas, Polgar 3, Fin Del Mundo, entre muitas outras) apostando em uma sonoridade bastante crua e urgente. Desta "nueva onda", escolho o belo EP da banda montegrande, que bebe de fontes como Beach Fossils e The Drums para superar estes projetos com um carisma único.

18. Nourished By Time - Erotic Probiotic 2

 
 

Uma espécie de neo-soul de garagem, que moderniza verdadeiras instituições (como o miami bass) de maneira absolutamente criativa, produzindo um som singular e instigante. 

17. Yaeji - With a Hammer

 
 

Adoravelmente desconjuntada, a artista estadunidense-sul coreana arrasa com um eletrônico moderno, cheio de texturas encantadoras e melodias raras.   


16. 파란노을 (Parannoul)- After The Magic

 
 

O misterioso produtor sul-coreano destrói tudo com um disco intenso, afetivo e pesado. Um shoegaze moderno (na concepção mais clara do termo), que traz um sentido totalmente inovador ao gênero. 

15. Winona Riders- Esto es lo que Obtenés Cuando te Cansás de lo que Ya Obtuviste

 
 

O krautrock porteño mais consistente do ano. Um álbum pesado, de grandes climas experimentais e pesados em loop. Discão! 

14. Usted Señalemelo - Tripolar

 
 

O trio argentino recicla alguns maneirismos oitentistas. Tiradas as camadas de mesmice nos arranjos, porém, é possível ouvir melodias belíssimas de uma linhagem tipicamente argentina - como na perfeita Nuevo Comienzo. 

13. Caroline Polachek - Desire, I Want To Turn Into You

 
 

Caroline Polacheck é a grande compositora pop em atividade no ocidente. Seu debut reforça essa condição e ainda a lança como uma intérprete inspirada. Disco incrível, de linguagens modernas (e modernizantes) para a velha canção pop. 

12. Mandy, Indiana- I’ve Seen a Way

 
 

House-rock-analógico-experimental? É tão difícil definir Mandy, Indiana quanto passar batido por este disco provocador, político e pós-apocalíptico. Nervoso, criativo e urgente. 

11. Titanic- Vidrio (feat. I la Católica & Mabe Fratti)

 
 

A celista guatemalteca Mabe Fratti já passou pela minha lista ano passado (em posição privilegiada). Este ano ela retorna em um projeto impressionante com o multi-instrumentista mexicano Héctor Tosta. Juntos, formam o grupo Titanic, que apresenta este disco inspirador, conjugando os cellos de Fratti com arranjos instrumentais inspirados no jazz.

10. Red Velvet - Chill Kill

 
 

Certamente, o melhor pop do mundo vem da Coréia do Sul. E um de seus melhores grupos em atividade é o Red Velvet. Composto só por mulheres, o projeto consegue arrebatar clichês pop em obras que possuem conceito, criatividade e ousadia. Com composições acima da média em termos melódicos e harmônicos, Chill Kill é uma ópera-pop que parte de universos sombrios - como em um terror surrealista - para nos trazer um pop inspirador e irresistível. 

9. Water From Your Eyes - Everyone’s Crushed

 
 

1, 2, 3 I Count Mountains. Divertido, inusitado e criativo, o duo de Nova Iorque passeia entre Beck, Cat Power, entre outros cânones, em um álbum sensacional e impecável, do início ao fim. Da energia quase "construtivista" de Barley, passando pelo clima punk de True Life e pelo arranjo operístico luxuoso (e ao mesmo tempo underground) de 14, o duo abre sua caixa de ferramentas em um disco de estreia revigorante. A empolgante Buy My Product encerra o álbum com gostinho de "quero mais", nos deixando curiosos para saber até onde a banda pode chegar com tantas boas ideias. 

8. Wednesday - Rat Saw God

 
 

Wednesday conjuga folk (freak folk?), rock alternativo e ecos de um grunge revisitado em um disco inspirador. A soma destes elementos parece se cristalizar na canção-chave do disco, a maravilhosa Bull Believer. Com uma dinâmica "quiet-loud" no início (com ênfase no "loud" do refrão), a música se transmuta ao longo de seus 8 minutos de duração. Vira um hino-indie no meio (com quebras, ruídos invadindo as paredes calmas de guitarra, etc) e termina como um folk lo fi. Uma obra-prima, que concentra o que a banda apresenta com muita competência ao longo do disco - indie-folk pop e cativante (como em Chosen To Deserve), ecos de Pavement (como em Quarry). O disco explora, enfim, uma infinidade de estilos que giram em torno do rock alternativo sem medo de ser feliz.

Os vocais de Karly Hartzman parecem derivar dos trejeitos de Adrianne Lenker (habitué destas listas, com seu Big Thief), forjando novas maneiras de se abordar variações do rock que já andavam bem desgastadas. Com muito peso nas guitarras e uma lap steel guitar criando os climas folk, o instrumental também parece sólido como rocha. 

7. feeble little horse- Girl With Fish

 
 

O disco de estreia da banda estadunidense seria apenas um clássico indie rock de guitarrinhas, não fosse algo muito simples e marcante: os timbres. As guitarras entupidas de fuzz contrastam com os vocais nítidos (às vezes dobrados) da vocalista Lydia Slocum. É o que se ouve logo na abertura, a sensacional Freak. Com outras canções inesquecíveis, como Steamroller e Tin Man, o disco rejeita os clichês do gênero, buscando sempre uma saída criativa nos arranjos e nas composições. Muitas vezes, a banda desafia as métricas e climas “fáceis”, como em Sweet, que chega a conectar a banda de Pittsburgh com outro projeto recente (e bem impressionante): The Spirit of The Beehive. Mais uma bela surpresa de uma nova leva estadunidense.

Infelizmente, pelo contexto que destaco nesse texto, a banda anunciou um hiato no meio da turnê de divulgação do disco. Uma pena que as coisas estejam tão puxadas para os artistas independentes. Vai ser triste não termos mais trabalhos da feeble little horse nos próximos anos. Em termos de composição e arranjos, este é para mim o disco do ano. 

6. Joanna Sternberg- I’ve Got Me

 
 

Em Stockholm Syndrome, Joanna Sternberg usa uma doce melodia para narrar um relacionamento abusivo. Por trás do nítido contraste, há uma coerência fundamental, e quase infantil. Joanna relata suas dores e experiências de forma extremamente espontânea, com arranjos simples e solitários (geralmente só ao violão, ou só ao piano) acompanhados de uma performance vocal visceral e autêntica. Sternberg, que usa o pronome elas/delas para se auto identificar, parece reconhecer que sua solidão exige com que ela seja muitas. Cantora, compositora, multi-instrumentista, ilustradora. Joanna são muitas. E nenhuma, nos círculos sociais que a isolam e rotulam como “estranha". A nossa sorte é que, em arte, aquilo que é considerado estranho é, via de regra, o mais interessante. Joanna sabe ser estranhas. E sabe nos conectar a elas de uma forma única, com canções particulares e universais. Estranhas e familiares. Antigas e modernas.

Com uma forte influência (declarada) de experiências solo-underground como as de Daniel Johnston, Joanna nunca consegue ser propriamente solo. Sua voz sempre se desdobra em muitas, como em Mountains High, que parece levar os ouvintes ao céu com a progressão crescente que arremata a canção. Estranha, melancólica (mas ao mesmo tempo tenra e otimista) a música resume um pouco o sentimento geral do disco - uma obra-prima autoral e sincera. 

5. Sofia Kourtesis - Madres

 
 

A peruana radicada em Berlim, Sofia Kourtesis, despontou para o mundo com alguns EPs impecáveis de house nos últimos anos. Um deles, o Sarita Colonia, faz referência à santa popular marginal peruana, botando-a para dançar em uma ópera dance-minimalista. Longe de casa, Sofia está com o coração o tempo todo lá. E canta, angelicalmente, na abertura de seu debut (na faixa-título Madres): "Hey / Niño que estás ahí / Vuelve a casa / Vuelve a casa". Sofia voltou à casa para cuidar de sua mãe acometida por um câncer. A mãe está melhor, graças a uma cirurgia bem sucedida. Sofia, por sua vez, criou uma obra-prima em homenagem às mães: de Sarita à sua própria genitora. Madres é o melhor disco eletrônico que eu ouço em mais de uma década. Seu uso de samplers e bases em repetição é absolutamente preciso e criativo, e Sofia sabe, como ninguém, inserir linhas melódicas nas canções, como em Madres, Si Te Portas Bonito e Estación Esperanza. Nesta última, Sofia dialoga com Manu Chao, devolvendo, finalmente, as apropriações do artista à casa (aguarde, Rosalía…daqui a 20 anos será sua vez).

Sofia tem um raro talento, que se manifesta na forma como transmuta a dor em canções etéreas, suaves e inesquecíveis. É o que faz (e declara, textualmente) em How Music Makes You Feel Better. Ouvir Sofia Kourtesis, (e vê-la tocar, em suas apresentações) é algo que realmente te faz sentir melhor, onde quer que você esteja. Mas se o bicho pegar, lembre-se sempre de voltar para casa. É lá que se encontra a cura para a dissociação e a desterritorialização contemporâneas. 

4. Kara Jackson- Why Does The Earth Give Us People To Love?

 
 

Kara é uma novidade. Não somente por estar em seu primeiro álbum (surpreendentemente). Tudo em Kara Jackson exala novidade. A artista, enorme já em seu primeiro mergulho musical, desponta como uma voz única - e até dissonante - no cenário atual de cantoras-compositoras. Isso porque consegue ser absolutamente particular com suas melodias modais-construtivistas, suas memórias e desabafos autobiográficos e com um vozeirão inconfundível e mágico. Em pleno 2023, Kara é uma das poucas artistas que consegue fazer uma música que custamos a compreender em termos de influências. "De onde ela tirou esse som tão próprio?", me pergunto, encantado. Claro que em canções como Dickhead Blues, as quebras e estampidos analógicos nos lançam até uma Fionna Apple. Mas Kara faz questão de se distanciar de qualquer filiação clara, afirmando-se como uma poetisa que também lança mão de melodias em arranjos próprios e intimistas para se expressar. É o que faz na obra-prima Rat, canção que não tem um refrão claro, e que evolui (com uma letra quilométrica) a partir de uma progressão decrescente como base.

Rock, blues, indie, contação de histórias e canção tradicional negra estadunidense. Tudo misturado em uma ópera alternativa, que casa canções "suíte" (como No Fun/Party, duas canções em uma) com interlúdios suaves e atrativos (como Lily e Pawnshop). Isso amarrado, claro, com as gigantescas Rat e a faixa-título na metade final do disco. Por que a terra nos dá pessoas para amar? Como Bruno já nos disse, a artista não responde à pergunta. Mas parece convicta da necessidade de se amar algo, ou alguém, independentemente das rasteiras que a vida nos prega no meio do processo. 

3. La Piba Berreta- Un Dios Nuevo

 
 

Luludot Viento (a Piba Berretta) é uma espécie de fissura nuclear em forma de artista - para fazer referência ao último emprego que teve, e largou, para se dedicar ao seu projeto solo. Ex-vocalista da banda Los Rusos Hijos de Puta (o que a faz ser conhecida também pela alcunha de La Rusa), La Piba agrega a seu som provocativo um conjunto bastante rico baseado em performance e poesia. Constrói, com isso, um universo estético que vai do cinema B (John Waters é uma influência) às tradições do rock argentino. E explora uma infinidade de estilos neste instigante Un dios Nuevo: punk, ambient, indie-techno, dream pop, entre outras fusões (e confusões). É capaz de escrever linhas poéticas em canções comoventes e sensíveis (como Casa, ou Mejor Persona) e, ao mesmo tempo, de quebrar tudo, como em Hay que Creer en Algo (com a Sara Hebe) e Colchon. Esta última com um clipe que custou a ser aceito pelo YouTube (plataforma que acha ok extrair qualquer dado imaginável de seus usuários e exibir negacionismo e fascismo, mas não tolera um peitinho de fora).

Nos clipes e nas performances, a proposta de La Piba Beretta, com a La Orquestra Disfuncional (a banda do álbum), toma uma forma narrativa transversal. Formada em artes cênicas, Luludot se entrega. Simula sexo oral na praia, veste um rabinho de pelúcia, dá palco para seus amigos e amigas igualmente esquisitos, e, em aspectos estritamente musicais, desfila uma estranheza fundamental e irresistível em alguns momentos históricos. Como em Navidad (que canção!) e Magica Intuición, canção-chave do disco (e uma das melhores músicas do ano); um dreampop desconstruído, desafinado e irresistível. La Piba Berretta é um dos segredos porteños ainda completamente ocultos por aqui. 

2. Noname- Sundial

 
 

Chegaram as listas gringas de fim de ano e, conforme previsto aqui, Noname levou uma rasteira. Previsível. 

Fatimah Warner é uma rapper de Chicago, envolvida em questões comunitárias locais. Se apresenta como socialista, apontando que os problemas do capitalismo não se resolverão com reformas, mas com uma mudança de sistema. E canta sobre isso tudo. Resgata, assim, uma das marcas mais importantes do hiphop: o protesto ancorado na realidade. Não mais as agruras dos guetos, a brutalidade policial ou a ascensão meteórica de alguns poucos indivíduos (externalizada na ostentação), mas o quanto isso tudo revela uma falência geral - e irreversível - do sistema. E ela o faz botando o dedo na cara e chamando nominalmente Rihanna, Beyoncé, Jay Z e Kendrick, na polêmica (e necessária) Namesake, e ultrapassando as richas e diferenças particularistas para convocar um levante geral contra algo maior. 

É uma pena que a polêmica envolvendo Jay Eletronica tenha, de tabela, semi-cancelado a artista. Ela fez o correto. Cagou para a comoção digital e declarou que "o mundo é controlado pelo supremacismo branco". Ou seja, calem a boca e coloquem as coisas em perspectiva. E, principalmente, ouçam a mensagem de Noname, declarada com flows espetaculares em canções de rap raras. 

1. L’Rain- I Killed Your Dog

 
 

A canção I Killed Your Dog é composta por um conjunto estrofe-refrão que se repete 8 vezes. Só que não se trata de uma mera repetição, como na execução de um loop. A cada "volta" L'Rain desce um tom na escala, indo de do Fá Menor ao Si Bemol Menor. Parece repetição, mas não é (porque apesar da progressão ser sempre a mesma, a "descida" de tom muda totalmente o clima de cada estrofe-refrão). A canção fica mais grave ao final da progressão - executada em tons cada vez mais graves. A parede se torna mais abstrata e o arranjo nos "engole" no último refrão, já bem grave, onde a cantora interrompe a insanidade abstrata e revela: "I Killed Your Dog / I Am Your Dog".  

Uma canção enorme, inovadora e provocativa, que resume um pouco a grandiosidade do disco. Esse dispositivo da "repetição que não é repetição" é utilizado ao longo de todo o álbum. L'Rain não chega nunca a repetir temas ao longo das faixas (recurso comum em discos conceituais). Mas ela parte de progressões similares para a construção de canções muito diferentes umas das outras. Daí a sensação de similaridade entre Our Funeral, I Killed Your Dog, Uncertainty Principle e New Year's UnResolution: parecem ser construídas a partir da mesma base harmônica, mas não são. Há frases que conectam as músicas, mas esse é o grande ponto da inovação da artista. Ela parte de "fios" muito etéreos para fabricar uma trama de relações livres entre as canções. E faz tudo isso transitando entre o mal estar da civilização (como no cenário surrealista aterrorizante da faixa-título) e a flutuação enérgica da transformação (como na inspiradora 5 to 8 Hours a Day (WWwaG)).

Transformação que passa pelo single Pet Rock, a canção indie quintessencial de 2023. L'Rain brinca com o apagamento dos artistas negros na história do rock (You know / I’m invisible / Cut the bullshit / And make me into / Something else), enquanto cristaliza todos os clichês das "guitarras indie" plastificadas de bandas como The Strokes nos timbres modernos que têm caracterizado o uso do instrumento nos últimos anos. Produz uma música quebrada, com contratempos, acordes diminutos e inversões melódicas e, ainda assim, bastante cantarolável. Um clássico instantâneo, em um disco cujo único defeito é acabar depois de 36 minutos. 

O que L'Rain propõe são novas ideias para o bom e velho rock alternativo. Eu já comprei.

Destaques Nacionais:

1. terraplana - olhar pra trás

 
 

Um simples disco de shoegaze em 2023? terraplana consegue acessar um lugar atemporal do subgênero, nos elevando emocionalmente a partir da "massa" de guitarras "alanvacadas", melodias etéreas, e letras emotivas e marcantes. Como em cais- uma canção sobre vida, morte e perda. Temas que chacoalham o disco e nos mergulham no universo denso, sensível e único da banda de Curitiba.

2. EBONY - Terapia

3. Alzira E & Corte - Mata Grossa

4. Gueersh - Tempo Elástico

5. Wagner Almeida - Com Cuidado

6. Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo - Música do Esquecimento

7. ogoin & Linguini: TV Show

8. Xande de Pilares - Xande canta Caetano

9. João Gomes - RAIZ

10. Luiza Lian - 7 Estrelas Quem Arrancou o Céu

 

MÁRCIO VIANA

Ao longo de todos estes anos tendo a honra e o privilégio de compartilhar as impressões musicais com meus amigos de podcast, talvez 2023 tenha sido o que mais me trouxe a sensação de estar usufruindo e realizando uma curadoria. Muito do que está na minha lista veio de compartilhamentos que os colegas me indicaram e de coisas que indiquei.

Também foi um ano em que repensei bastante minhas escolhas, e já no final da composição da lista, caíram alguns medalhões para a entrada de artistas novos. Nada muito pensado como uma guerra entre veteranos e novatos, foi só uma convicção de que talvez fosse necessário jogar luz sobre um movimento que estivesse invisibilizado e sombra sobre outro com excesso de holofotes.A luz deles não irá (e não precisa) se apagar por conta do meu olhar específico, então tá tudo bem.

E depois deste episódio, a curadoria não vai parar: muito do que vejo nas listas de todos daqui eu ainda não tive tempo de ouvir (pelo menos não com a atenção devida), e os próximos meses serão dedicados a essa tarefa. Por isso, não me apego tanto a um ranking do décimo primeiro ao vigésimo, nem do segundo ao décimo brasileiros (dessa vez eu separei as listas), porque tudo muda (e com toda razão, diria um cantor cearense de bigode).


 
 

Depois de uma precoce separação em 1995 e um retorno 22 anos depois, o Slowdive lança em 2023 o segundo álbum de sua segunda vinda, Everything is Alive, com oito faixas em que a banda capricha no que sabe fazer: o shoegaze bem construído com texturas cativantes.

Surpreendentemente, o álbum parece mais próximo dos discos da banda nos anos 90 do que com seu antecessor, autointitulado, de 2017, que é um pouco mais - com muitas aspas - “barulhento”.

Aqui a parada é um pouco mais melódica, e talvez a explicação para isto e para o título escolhido, é o fato do disco ser dedicado às perdas recentes sofridas por integrantes - a mãe da guitarrista Rachel Goswell e o pai do baterista Simon Scott faleceram em 2020.

A ideia então foi que o disco não refletisse um clima sombrio, mas trouxesse, dentro do possível, alguma esperança, a começar pelo título. O plano inicial inclusive, segundo declarado pelo guitarrista e vocalista Neil Halstead como um disco mais minimalista e eletrônico, mas o conceito foi mudando ao longo da produção.

Quem gosta de shoegaze vai bater os pezinhos.


19. Agabas - A Hate Supreme

 
 

Meia dúzia de sujeitos de camisa florida fazendo som pesado, com vocais guturais parece um bom resumo inicial para o Agabas, banda norueguesa de deathjazz (!), que sim, mistura guitarras pesadas com saxofone e levadas cadenciadas. Ainda que o rótulo até faça jus, não é só isso: nessa fusão de jazz com som pesado, além do death metal, dá para observar um quê de hardcore. O resultado disso é A Hate Supreme, que sucede o disco de estreia Voluspå, de 2021. Em alguns momentos é bastante caricato, mas é divertido, a seu modo. 


18. Full of Hell & Nothing – When no Birds Sang

 
 

Disco com seis músicas, que reúne uma banda de shoegaze, o Nothing, com uma de grindcore, o Full of Hell. 

Como não poderia deixar de ser, as canções de When no Birds Sang alternam entre a calmaria e a raiva, e 2023 foi um ano de muita alternância para que isso passasse batido. A predominância, no entanto, é do shoegaze, mas as guitarras pesadas e as intervenções do Full of Hell fazem toda a diferença.


17. Guided by Voices - Nowhere To Go But Up

 
 

Comemorando 40 anos de existência, o Guided by Voices lançou três discos este ano: La La Land, Welshpool Frillies e este Nowhere To Go But Up, que foi o que achei mais merecedor de entrar na lista.

Talvez até pela produção prolífica deste ano, e por não terem nada a perder, parece ser, entre os três, o disco em que a banda se mostra mais à vontade. Boa faixa de abertura, The Race Is On, The King is Dead, chega como um belo cartão de visita. Belos riffs ao longo das 11 faixas.


16. Paul Simon - Seven Psalms

 
 

Paul Simon tem 81 anos, se aposentou dos palcos há cerca de cinco anos, devido à perda parcial da audição no ouvido esquerdo. Seven Psalms é um álbum de canções interligadas, não divididas de forma tradicional. Funciona como uma peça de sete movimentos, todos eles embalados pela voz e violão de Simon, acompanhados de alguns poucos elementos como harpas e cordas, além do grupo vocal Voces8 e a esposa de Simon, a cantora e compositora Eddie Brickell, fazendo do disco uma experiência um tanto solitária.

Segundo o artista, a ideia do disco surgiu em um sonho, que o fez acordar todos os dias de madrugada para compor, inspirado no Livro dos Salmos. Nelas, Paul Simon reflete sobre crença, expectativas e sobre esperar. E é assim que se encerra Seven Psalms, com Wait, em que o cantor manifesta sua opinião de que ainda não é hora de partir: “minha mão está firme, minha mente ainda está clara”.

Sendo ou não uma despedida, o fato é que Paul Simon tem um legado imenso e um papel importante no que convencionamos chamar de música pop, e este disco, não tão pop e definitivamente não um disco de canções individuais, é um belo registro de quem é dono de seu próprio trabalho.


15. King Krule - Space Heavy

 
 

Archy Marshall é um artista com assinatura. À frente do King Krule e cercado de bons músicos, entrega ótimos timbres como embalagens para seus lamentos ante o peso do mundo (peso este que ele já revela, resignado, na abertura, com Flimsier).

As músicas de Space Heavy, quarto disco do King Krule são, em sua maioria, compostas e executadas na tonalidade de dó maior, o que contrapõe esta angústia a uma sensação que soa mais como revolta. Não é um disco triste em sua essência, é um disco rebelde.

Mas não se deixe enganar pelo heavy do título. O álbum tem seus momentos de leveza, em alternância com algum tormento, como no sax meio desesperado (cortesia de lIgnacio Salvadores) de That’s my Life, That’s Yours.

E assim o álbum vai se apresentando, com mais manifestações de inquietação, como na canção de título engraçado Hamburgerphobia, em que Marshall manda a frase “nosso amor é apenas um estado de fuga”, enquanto constrói seu relato de descrença na raça humana.

Ainda há espaço para mais alguma suavidade, com a presença da cantora Raveena em Seagirl.

Se não é exatamente uma obra-prima (até porque pouca coisa tem sido ultimamente), Space Heavy é, pelo menos, bastante agradável aos ouvidos.


14. PJ Harvey - I Inside the Old Year Dying

 
 

O disco é um compilado de canções criadas a partir do livro de poemas da cantora, chamado Orlam, com arranjos que alternam entre o eletrônico e o folk, com influência no critério de escolha dos instrumentos, inclusive.

Em 12 faixas, a artista explora algum experimentalismo para contar uma história fora de padrões e com o uso de dialetos. Não é um disco nada fácil de se gostar, mas é possível de ser admirado.


13. L’Rain- I Killed Your Dog

 
 

Se o Vinicius Cabral diz que já comprou as ideias propostas por esse disco, é bem verdade que ele soube bem como vendê-las, e eu sou consumidor. Ao longo dessa lista, é possível perceber um padrão nas coisas que eu ouvi durante o ano, e é impossível passar incólume por um disco como este. Só não está entre os dez primeiros porque eu ouvi menos do que os que chegaram lá, mas me pergunte de novo daqui a um tempo e talvez eu tenha uma outra concepção sobre os ranqueados.

É um disco inovador e com quebra de padrões, e é essa quebra o meu atual padrão.


12. Timber Timbre - Lovage

 
 

Conheci este projeto canadense assistindo a um filme de seu país em que uma canção fez parte da trilha. Arrisco dizer que Lovage, com 8 faixas, é seu melhor trabalho. Muito bonito e coeso em sua sonoridade, com destaque para a faixa de abertura, Ask the Community.


11. Me Lost Me - RPG

 
 

Jayne Dent é uma artista interdisciplinar, musicista, compositora e produtora que mora em Newcastle, Reino Unido, segundo seu próprio website. Dito isso, ela atende em seu projeto como Me Lost Me, e acaba de lançar seu novo álbum, RPG, que faz bastante jus ao nome. Cada faixa soa como um pequeno jogo de RPG, em que alterna entre o folk e o eletrônico.

Paradoxalmente à viagem do disco em adentrar um mundo dentro de um jogo, a faixa de abertura se chama Real World, em que ela se vale de uma conversa com o artista Adam Wilson Holmes sobre videogames e a confusão entre o real e o irreal.

Não é um disco fácil de se gostar, mas é bom de se gostar. Ela subverte algumas estruturas musicais tradicionais e explora, especialmente nas melodias vocais, outros caminhos possíveis de criatividade. Talvez não seja um disco para se ouvir enquanto se faz alguma outra coisa, me parece que as músicas exigem alguma atenção.

Entre synths e vocalizes, RPG é uma viagem interessante e vale dedicar algum tempo aos seus jogos musicais.

10. Nicky Wire - Intimism

 
 

Dono da reputação de ser o baixista e principal letrista dos Manic Street Preachers, o que não é pouco, Nicky Wire este ano aproveitou algum tempo livre para finalizar seu segundo disco solo, Intimism, produzido lentamente ao longo da década - o antecessor, I Killed the Zeitgeist, é de 2006.

Por vezes soando como os Manics e por outras totalmente diferente, Wire traz canções sem aquele climão de arena que é característica de sua banda, em grande parte por cortesia do vocalista e guitarrista James Dean Bradfield (que nome lindo!), que por sinal faz alguns solos de guitarra no disco do colega.

Mas Intimism abre mais o leque de influências, e se por vezes é bastante pop e er… “radiofônico”, como em Ballad For the Baby Blue ou Saudade (sim, o título - e só ele - é em português), também flerta com o jazz de Miles Davis nas duas versões de Migraine.

Raramente visto cantando em um microfone nas performances do MSP, Nicky Wire não compromete em sua atuação solo, em um estilo talvez comparável ao de Johnny Marr desde que encarou a missão de ser o vocalista de seu trabalho solo.

9. Margaret Glaspy – Echo the Diamond

 
 

Esse disco me impressionou por várias razões. Uma delas é a capacidade de manter a crueza da sonoridade com guitarras distorcidas, quase grunge, em meio a uma estética pop, até jazzística em alguns momentos, cortesia dos músicos envolvidos, entre eles o companheiro da cantora, o guitarrista Julian Lage.

As duas primeiras faixas, Act Natural e Get Back (não é a que você está pensando) dão a cara do disco.

8. Corinne Bailey Rae – Black Rainbows

 
 

Esqueça (ao menos momentaneamente) Put your Records On, maior sucesso de Corinne Bailey Rae. Aqui, a cantora britânica dá um tempo em seu R&B bem executado e de bom gosto e mergulha com tudo no rock alternativo, relembrando de sua adolescência, quando fez parte de uma banda chamada Helen, com influência de bandas como Veruca Salt e L7. Ainda assim, há espaço para o jazz, mas também um pouco mais alternativo do que o tradicional. Já a temática das letras remete à luta antirracista, inspirada pela imersão de Corinne no Stony Island Arts Bank, em Chicago (EUA), museu que abriga um acervo de publicações sobre o ativismo negro ao longo da história. O resultado é bastante surpreendente e satisfatório.

7. Usted Señalemelo - Tripolar

 
 

Outro case de sucesso do Vinicius Cabral, que me apresentou a esse disco sabendo que eu aprovaria a nostalgia oitentista do grupo. Mas claro que não é só isso, e por trás da camada de sintetizadores há canções. Canções muito boas, diga-se.

Títulos muito criativos como Las Flores Sangran, Melodia del Viento, Salto al Espacio e Gandalf, nos prendem ao disco, nos fazendo ouvir do início ao fim, simplesmente pra ver até onde isso vai chegar. O resultado é muito satisfatório.

6. 파란노을 (Parannoul)- After The Magic

 
 

Fiquei fascinado com a quebradeira/calmaria do shoegaze praticado pelo produtor anônimo sul-coreano à frente do Parannoul. Algumas harmonias e texturas fariam inveja a Billy Corgan, pensei aqui.

E é nessa alternância de tempestade/calmaria que o álbum traz os detalhes mais cativantes. Especialmente pelas batidas dificilmente reproduzíveis por seres humanos, mas ao mesmo tempo nada robóticas, de canções como Insomnia e Arrival. Também há momentos um pouco mais convencionais/estruturais, como Imagination, quase um britpop mais carregado de peso ao final. A mágica acontece.

5. Buffalo Nichols – The Fatalist

 
 

Ser iconoclasta pode ser arriscado. Sobretudo quando falamos de gêneros musicais tão consolidados como o blues.

Mas Carlo “Buffalo” Nichols não parece se intimidar com isso. Em seu segundo álbum, The Fatalist, Nichols, criado no extremo norte de Milwaukee, Wisconsin, constrói um alicerce forte de voz e violão, mas experimenta alguns saltos para testar esta estrutura, mergulhando em experimentos com batidas eletrônicas, sintetizadores e outros recursos tecnológicos.

Se a princípio pode-se considerar uma mácula de um ritmo tradicional, a real é que o resultado aqui soa muito natural e de bom gosto, adicionando climas de trip-hop, R&B e até de trap aos temas reflexivos das letras, como em You’re Gonna Need Somebody On Your Bond, ou mesmo na faixa-título, possivelmente a melhor do disco.

Há espaço para o blues tradicional, sem tanta invenção, mas ainda assim muito forte em sua temática. Long Journey Home, por exemplo, é uma viagem conduzida ao som de banjo e violino, onde Nichols brada: está escuro e chovendo e eu quero ir para casa. Um tema nada estranho dentro do gênero, mas com alguma carga renovada.

Daqueles discos que dão uma vontade de agradecer pela existência. Vale cada segundo de play.

4. Paris Texas – MID AIR

 
 

Eu me pergunto como dois moleques tão sem noção conseguem fazer músicas tão boas, mas no fim é isso aí. Algumas letras impublicáveis, mas com um som maravilhoso mesclando rock, punk, reggae e rap, entre outras misturas.

Talvez eles sejam um Run DMC dos tempos atuais, sendo ao mesmo tempo muito diferentes disso. Os destaques são DnD, com um sample que parece ser de Frances Farmer Will Have Her Revenge on Seattle, do Nirvana, e Lana Del Rey, música que ganhou este nome pelo simples fato de que a cantora tem uma música chamada Paris, Texas. Brilhante.

3. Barbi Recanati  - El Final de Las Cosas

 
 

Barbara Recanati foi vocalista e guitarrista do Utopians, seminal banda argentina que durou de 2005 a 2017, e terminou tristemente, com um caso de assédio sexual a duas menores de idade, cometido e admitido pelo guitarrista Gustavo Fiocchi, que culminou em sua demissão e com um inevitável fim do grupo, dada a repercussão.

Mas Barbi seguiu em frente, após ter cuidado pessoalmente do caso, e passou a cuidar de uma produtiva carreira solo, que chega agora ao seu segundo álbum, El Final de Las Cosas, que sucede Ubicacion en Tiempo Real, de 2020.

Lançado em junho deste ano, El Final de Las Cosas me agrada a cada audição, e vai aos poucos galgando lugares em minha lista de melhores do ano (sem spoilers). Atribuo a isso as boas texturas de guitarras e synths, aliadas a versos espertos como “de todas as minhas versões, você me deixou a pior” (em Para Vos) ou “estou mais feliz e muito mais triste do que antes” (em Arte Arte Arte), talvez um autodiagnóstico que vá encontrar muitas pessoas a se identificarem nesse pós/durante-pandemia.

Tudo isso acontece sob o tempero de canções simples, com poucos acordes, mas com uma personalidade e potência incríveis. Disco que traz satisfação e sorriso no rosto a quem escuta.

2. Sunny War – Anarchist Gospel

 
 

Em seu site oficial, Sunny War, cantora, compositora e guitarrista/violonista classifica seu som como folk/punk. Não é exagero. Em seu quarto álbum, intitulado Anarchist Gospel, ela mistura as influências do blues do Delta com as de Bad Brains, folk setentista e outros elementos.

O disco é produzido em parceria com Andrija Tokic, famoso por seu trabalho junto ao Alabama Shakes, e é cheio de convidados como Jim James, do My Morning Jacket, o guitarrista Dave Rawlings, os cantores e compositores Allison Russell e Chris Pierce, entre outros.

Há espaço para uma bela cover de Baby Bitch, do Ween, com refrão acompanhado de um coral infantil, contrastando com a melancolia da letra.

O clima do álbum tem certa razão, por ter sido gravado em meio a situações de perda vividas por Sunny War, e tudo se explica em sua declaração presente no site oficial:

“Este álbum representa um período muito louco da minha vida, entre a separação e a mudança para Nashville e a morte do meu pai. Mas agora sinto que as piores partes já passaram. O que aprendi, creio, é que a melhor coisa a fazer é sentir tudo e lidar com isso. Apenas sinta tudo”.

1. Kara Jackson- Why Does The Earth Give Us People To Love?

 
 

Talvez seja muito errado depositar tanta expectativa em uma artista, mas, para além de se esperar alguma riqueza lírica em um disco de uma poetisa laureada como é o caso de Kara Jackson, há muito o que se depositar de confiança em um trabalho com o título Why Does the Earth Give Us People To Love?.

Acontece que Kara, além de entregar poesia de qualidade em forma de canções, o faz promovendo uma quebra muito interessante de tonalidades e estruturas musicais, saindo do lugar-comum já desde a faixa de abertura, recognized, que ganha reprise lá pelo final.

Já em no fun / party, o single do disco, Kara reflete metaforicamente sobre o amor: é difícil ter paciência quando você está esperando a sorte / Como um caminhão dos correios, como um caminhão dos correios / Para trazer a você um amor tão duro quanto presas de elefante.

A faixa-título também fala de amor, mas não o amor romântico, é sobre perda de pessoas queridas - sua amiga Maya morreu de câncer em 2016 - e a parada aqui é pesada: ela questiona as razões pelas quais a vida nos coloca em contato com pessoas que eventualmente perderemos. Dói, e a gente sente a dor destes versos: estamos apenas esperando a nossa vez, chame isso de vida.

Em Why Does the Earth Give Us People To Love? ela bate de frente com a realidade e as dores e desilusões causadas pelo amor, tudo isso embalado por uma estética por vezes lo-fi, ainda que altamente trabalhada nos arranjos. Alternando trechos quase atonais com alguns falsetes, a voz da cantora também é um grande destaque. Voz, violão, alguns sintetizadores e pianos, arranjos de cordas aqui e ali e temos o disco do ano.

Destaques Nacionais:

1. terraplana - olhar pra trás

2. Jards Macalé - Coração Bifurcado

3. Lô Borges – Não me Espere na Estação

4.  Lucas Gonçalves - Câmara Escura

5. Besouro Mulher – Volto Amanhã

6.  Loyal Gun - Leitmotif

7.  Black Pantera - Griô

8.  Melvin & Os Inoxidáveis – Copacético

9.  Jotadablio – Toda Forma de Adeus

10. João Gilberto – Relicário

 
 

Vou quebrar o protocolo, já que tanto o Bruno Leo quanto o Vinicius já me representaram em suas impressões sobre o disco que considero o melhor brasileiro do ano, e falar um pouco sobre outro destaque da minha lista, que é esse resgate feito pelo Sesc a partir da gravação de um show de 1998 de João Gilberto no teatro da unidade da Vila Mariana, em São Paulo.

O resultado, sublime, traz o mestre executando em quase duas horas de show o total de 36 (!) músicas, entre elas Rei sem Coroa, de Herivelto Martins e Waldemar Ressurreição, nunca antes registrada em disco.

Em um 2023 em que perdemos tantas pessoas importantes, cabe o destaque a Danilo Miranda, falecido em 29 de outubro, diretor do Sesc à época do lançamento deste disco, que comentou que o resultado deste lançamento tem a ver com a conjunção dos fatores que incluem o perfeccionismo do artista e a habilidade técnica da equipe envolvida na gravação. O resto se resolveu com arte, e em alguns momentos da apresentação, João Gilberto até fez concessões, convidando o público a se juntar a ele como num coral. Resgate precioso.

 

BRUNNO LOPEZ

2023 foi um ano de lugares seguros na música. Dentro de cenários externos turbulentos, o que mais se percebeu foi um resultado artístico mais lapidado depois das produções pós-pandemia, que soavam viscerais quase que por obrigação.

Talvez, inconscientemente, eu tenha escolhido ficar ao redor dos estilos que me trazem conforto imediato, entretanto, esse mesmo direcionamento abriu pequenos portais para experiências saborosas no indie e no, digamos, mainstream alternativo.

O mais importante de tudo é que essa lista não traz apenas os melhores do ano e sim, muito provavelmente, traz álbuns que soarão clássicos logo ali na frente, pois nasceram com protagonismo estético.

Se o mundo realmente acabar, levará uma amostra sonora admirável de sua última geração.

 
 
 

Enquanto Mike Portnoy esteve fora do Dream Theater, o Haken ocupou com méritos um posto de destaque no cenário do prog mundial. Esse álbum traz essa consistência de forma bastante notável, com o acréscimo de uma musicalidade ainda mais impressionante.

19. Paramore - This Is Why

 
 

Hayley é uma gênia suprema e trouxe suas experiências individuais para este álbum que não tem o menor problema em se distanciar dos lugares em que a banda mais floresceu. Como resultado, alcançou uma perspectiva irresistível e genuína.

18. Matchbox Twenty - Where The Light Goes

 
 

Rob Thomas e seus companheiros retornam para a cena musical explorando com inteligência a imagem de sucesso que estabeleceram ao longo do tempo. E aqui eles mostram que ainda tem algo a dizer.

17. Beyond The Black - Beyond The Black

 
 

O universo do metal sinfônico com vocal femino pode parecer previsível, mas essa impressão desaparece quando Jennifer Haben começa a cantar suas notas harmoniosas. As composições desse álbum estão primorosas e a banda deve figurar entre as grandes da cena em pouco tempo.

16. Kara Jackson - Why Does The Earth Give Us People To Love?

 
 

Quando uma poetisa decide cantar suas criações sinuosas, é preciso ouvir da mesma forma que se lê: sem regras ou padrôes. Esse disco muda percepções e mostra que ainda é possível se produzir obras primas em nossos tempos.

15. Cyhra - The Vertical Trigger

 
 

O terceiro álbum de um quase supergrupo com menos holofote chega com um resultado empolgante na cena do rock sueco - tradicionalmente carregado de ótimas composições.

Apesar da saída do guitarrista original, a performance não foi afetada em nenhum momento, criando possivelmente a melhor performance do grupo desde seu início.

14. Atlas - Built To Last

 
 

Quem ousa ir além do ótimo single “You're Not Alone” que notavelmente mistura Use Somebody do Kings of Leon e It’s My Life do Bon Jovi, vai encontrar um grupo muito coeso dentro das vertentes do rock progressivo e melódico.

13. July Talk - Remember Never Before

 
 

O indie rock não é um radar que costumo explorar mas essa banda canadense consegue quebrar qualquer barreira de estilo e faz um som irresistível.

Se o álbum anterior foi vencedor do JUNO, este possui as credenciais para ser premiado com ainda mais pompa e circunstância.

12. Tulip - The Perpetual Dream

 
 

Djent ou metalcore, a verdade é que a banda texana explora caminhos ousados nesse disco. Com tantas possibilidades sonoras, a simples existência da faixa “Near Death” já configura o material como algo grandioso.

11. Creeper - Sanguivore

 
 

Uma banda que nasceu punk e foi evoluindo sua sonoridade até explodir num rock gótico teatral completamente magnético. Sim, esta é a versão mais atualizada, empolgante e prolífera desses ingleses que desconhecem rótulos e melhoram a cada metamorfose.

10. Fall Out Boy - So Much (For) Stardust

 
 

Os anos 2000 trouxeram caminhos ecléticos que fizeram uma salada de tribos aleatórias que funcionavam juntas. O Fall Out Boy foi uma dessas expressões que levantaram o último grito do rock em sua vertente ‘emo’.

20 anos depois, a banda cristaliza suas raízes sem deixar de acrescentar a maturidade inevitável. Podemos ouvir um material que, mesmo que não soe datado, nos faz viajar no tempo com uma máquina mais atualizada. Cores mais vivas numa pintura que aprendemos a readmirar.

9. Jason Mraz - Mystical Magical Rhytmical Radical Ride

 
 

“I’m Yours” ficou num passado tão distante que sequer parece uma produção do Jason dessa época. Nesse trabalho, o cantor entrega uma interpretação dourada de qualidade vocal, encontrando seu timbre mais avançado de encantamento.

A lista de canções explora andamentos e estilos peculiares, onde ele consegue deixar o brilho equilibrado em cada uma delas, principalmente em Pancakes & Butter. Essa música consegue fazer qualquer motel se transformar no Royal Penthouse Suite, derramando um groove elegante que seduz o mais indiferente dos ouvidos.

8. Art Nation - Inception

 
 

Eu não conhecia o termo Melodic Mafia. Eu também não conhecia a Escandinávia. E eu também não conhecia o Art Nation que é, aparentemente, todas essas coisas aí que falei antes.

Fato é que, depois de bandas como H.E.A.T ou Eclipse, esses caras são representantes poderosos do AOR atual, com guitarras absolutamente criativas, melodias impactantes e refrões que fariam estádios bater todos os recordes de decibéis em uníssono.

O disco inova enquanto marcha por territórios familiares desse estilo, o que é algo bastante difícil de se fazer num nicho em que tudo é muito igual.

7. The Dark Side Of The Moon - Metamorphosis

 
 

Onde Melissa Bonny coloca sua voz, o mundo sorri. Nesse projeto, até o épico sinfônico se descola de sua própria natureza e causa deslumbre graças à sua interpretação.

“Metamorphosis” é o resultado de uma ideia que consistia basicamente em pegar clássicos do cinema, programas de TV e games e colocá-los na roupagem de metal moderno.

Bem, a verdade é que todas as versões dispostas aqui ultrapassam por muitas vezes suas expressões originais, o que torna esse material digno de apreciação imediata.

Ah, e ainda tem a Charlotte Wessels, ex-Delain, num dueto emocionante com Melissa. Só por isso já vale a devoção.

6. Floor Jansen - Paragon

 
 

Poucas vezes um sussurro melodioso foi tão poderoso dentro de uma composição - e olha que estou falando apenas de ‘Daydream’. A vocalista do Nightwish escolheu abraçar a vulnerabilidade e lançar seu debute da forma mais pura e bonita possível.

Letras profundas, melodias tocantes e uma interpretação única mostram uma faceta extraordinária de alguém que sabe que pode ir além do estilo musical que pratica em sua banda.

Paragon é uma força da natureza que destrói mundos internos para construir novas formas de se habitar a realidade.

5. Winery Dogs - III

 
 

O terceiro ato desse supergrupo que deu certo saiu nos primeiros meses do ano e eu já sabia que estaria nessa lista. O trio manteve a consistência dos álbuns anteriores e adicionou um frescor nas linhas de composição, com Portnoy, Billy e Kotzen tocando mais ‘pra música’.

O processo do grupo de composição parece ser leve o bastante para que todas as ideias sejam aproveitadas da melhor forma possível. E isso é visto na faixa ‘Breakthrough’, uma das melhores do disco.

Com a volta de Portnoy ao Dream Theater, é bem possível que o grupo fique em hiato. Logo, esse material tem uma importância ainda mais simbólica.

4. Jelusick - Follow The Blind Man

 
 

O conceito de Rockstar pode parecer enfadonho de uns anos pra cá, mas Dino Jelusick não parece ligar muito para a poeira que pousa sobre esse título. Pelo contrário. Em Follow The Blind Man, o vocalista mostra que é possível resgatar a atmosfera quase clichê do gênero de uma forma muito pulsante e principalmente revigorante.

Com um timbre poderoso sobre riffs pesados e mixagem impecável, o álbum é uma obra de arte.

3. City and Colour - The Love Still Held Me Near

 
 

Dallas Green nunca erra. Aqui, mais uma vez, ele acerta. Acerta altas notas com a beleza de sempre. Sabe como colocar sua voz nas emoções certas, controlando com maestria a exata sensação que quer passar.

Esse disco apresenta sua versão emocional e técnica numa simbiose irretocável, muito por conta do contexto trágico que inspirou The Love Still Held Me Near - as recentes perdas pessoais do vocalista. Transformar a dor em arte pode até soar algo comum, mas dificilmente outro artista consegue fazer as pessoas sentirem tanta beleza nesse ato quanto Dallas Green.

2. Ad Infinitum - Chapter III - Downfall

 
 

“Somewhere Better” é a música do ano e por pouco, mas muito, muito pouco, esse disco também não foi. A capacidade de fazer o metal sinfônico soar pop, porém, com credenciais completamente inovadoras, adentrando todos os tipos de preferências musicais, é algo que não costumamos ouvir há gerações.

Melissa Bonny é a voz mais impressionante da cena atual e seu timbre traz tonalidades tão detalhadas que fariam Michelângelo desejar fazer alterações no teto da Capela Sistina. Do lírico ao gutural, o álbum mostra que é possível escalar os gêneros favoritos das pessoas e colocá-los numa embalagem só, deixando todo mundo feliz e impressionado.

É impossível não virar fã incondicional dessa banda, por todo o sempre, logo nos primeiros acordes. Não por acaso, Ad Infinitum, em latim, quer dizer “Até o infinito”, “Sem limite ou fim”.

1. Angra - Cycles of Pain

 
 

O Angra nunca foi uma banda de Power Metal, por mais que, em seu início, os produtores quisessem que eles soassem como Helloween. À medida que os discos foram saindo, era notório a originalidade da banda em sua concepção de canções, mesmo com as mudanças de formação que criaram pequenos legados em cada uma delas.

Em Cycles of Pain, vemos a tão complexa quintessência almejada por um grupo de músicos. Esse disco é o Holy Land de Andrè Matos. Esse disco é o Temple of Shadows de Edu Falaschi. Esse disco é a tão sonhada apoteose de Fábio Lione, Bruno Valverde e Marcelo Barbosa.

É um disco de prog diferente dos discos do estilo. É um metal brazuca progressivo impossível de ser reproduzido por outras bandas do gênero. A carga de material técnico que embala as faixas é pesadíssima e inovadora. Os refrôes são absurdamente bonitos. As letras carregam profundidade e humanidade.

Os representantes do metal nacional entregaram um clássico emocionante no apagar das luzes de 2023.

Destaques Nacionais:

1. Wilson Sideral - Tropical Blues, Vol.3 (Waves 4)
2. Ludov - Não tem fim (Single)

 


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Bruno Ribeiro