Newsletter Vol. 287

A newsletter desta semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!


IT’S A CLASSIC

Por Vinícius Cabral

É TÃO LINDO

Na ocasião da visita de Xi Jinping ao Brasil em novembro do ano passado, algo me chamou bastante atenção: o sorriso de Xi quando Lula mencionou a palavra “amizade” no pronunciamento conjunto dos dois à imprensa. Eu já sabia que “amizade” era mais do que uma palavra para o povo chinês, mas isso não é novidade. Para eles, palavras nunca são apenas palavras, mas movimentos de ideias, conceitos ancestrais.

“Amizade” em mandarim se escreve 友 (yǒu). É um caractere que mostra uma pessoa no radical direito, sendo segurada por outra pessoa no esquerdo. O caractere de amor, 爱 (ài) é composto pelo caractere que designa amizade embaixo, mas adicionado pelo radical de “garra”, 爫 (zhǎo), logo acima. A grosso modo, o amor é o sentimento de amizade que precisa ser segurado, protegido por uma garra. É de fato passada a hora de superarmos a ideia de amor romântico (massacrada pelos ocidentais através, por exemplo, da indústria cultural), e compreendermos o sentimento de amor como parte fundamental da amizade, do cuidado, do zelo. 

Nós brasileiros fazemos isso, mesmo sem perceber. Assim como nossos hermanos latino-americanos, nossos ancestrais indígenas, e ancestrais de diversas partes do continente africano. Somos, em suma, os agentes explorados do sul global, para quem o mundo moderno ocidental sempre olhou com descaso, racismo e, muitas vezes, ódio. A solidariedade que encontramos por aqui e indizível, indescritível. É mais fácil, como sempre, defender meus pontos com instanciações musicais.

Eu tive um primeiro insight sobre a “vocação” nacional para a amizade como conceito expandido quando, pouco tempo depois de ver Lula e Xi, fui à apresentação de coral da minha amada Bárbara (amada, também, neste conceito expandido). Dente uma performance e outra, uma apresentação infantil resgatou É Tão Lindo, um hino à amizade do Balão Mágico, interpretado por Simony e a dupla Roberto/Erasmo. O episódio produziu em mim uma certa nostalgia. E é aqui que denuncio minha idade, e minha sentimentalidade a respeito da canção. Ela fala de um personagem que tem “bigode de foca e nariz de tamanduá“, mas que apesar disso também deve ser amado. Eu fui uma criança estranha, e essa música sempre me abraçou nesse sentido.

Diante da referência, e aberto às divagações acerca da amizade que já havia iniciado, fiquei na própria dupla Roberto/Erasmo para chegar ao clássico AmigoErasmo conta em sua autobiografia (que eu, por sinal, ganhei do meu melhor amigo em 2010, como verão abaixo*) da emoção que foi ouvir a canção pela primeira vez, e sobre quão fortes sempre foram os laços entre os dois. A essa altura minha hipótese se reforçava: talvez essa ideia expandida de amizade tenha para nós, no Brasil, assim como para os chineses, um significado especial. Isso está estabelecido de forma bastante eclética em nosso cancioneiro. 

Primeiramente, com canções onde a amizade é protagonista. Neste ponto, prolífico, podemos citar do Samba (com Fundo de Quintal) ao Rap (Emicida, Claudinho e Buchecha), passando pelos clássicos Amigo, de Roberto e Erasmo, e pela Canção da América, composta por Milton com seu amigo (por sinal) Fernando Brant. Esta última sempre me emocionou pela simplicidade e pela potência das máximas; “amigo é coisa pra se guardar- dentro de sete chaves/do lado esquerdo do peito”. Profunda. E também aberta aos ouvidos e olhos da América Latina; “Assim falava a canção que na América ouvi”. 

Também temos os casos em que a amizade constitui o alicerce das parcerias de composição. Roberto/Erasmo, Caetano/Gil talvez sejam os exemplos mais célebres, mas não os únicos. A amizade é um elemento central no universo da composição no Brasil. Vinícius/Tom, Vinícius/Toquinho, Vinícius/Baden, Marina/Cícero (além de irmãos, amigos até o fim da vida do poeta/letrista, encerrada tristemente ano passado), Cássia/Nando Reis, Marisa Monte/Arnaldo/Carlinhos, Kleiton/Kledir, Milton/Brant/Lô, mais recentemente Juçara/Dinucci, etc, etc. A lista é longuíssima, e deve incluir também a consistente tradição das duplas sertanejas, cristalizada pelo espetáculo televisivo Amigos, com as célebres Chitãozinho & Xororó, Zezé di Camargo & Luciano e Leandro & Leonardo

Por fim, há também as muitas canções feitas por artistas para outros amigos artistas. Sendo exemplos célebres a linda Debaixo Dos Caracóis Dos Seus Cabelos, de Roberto/Erasmo para Caetano Veloso, e A Paz, de Gilberto Gil para João Donato

Seria cansativo prolongar os exemplos sem cansar meus (amigos) leitores. Há certamente um ponto a ser defendido aqui, e que pode ser acrescido de muitas e muitas omissões que cada um de vocês possa considerar imperdoável. Também respeito quem ainda olha com cinismo para o contexto do início deste texto, da amizade entre nações em um consórcio global cada vez mais tenso. Entendo todas as preocupações, mas não posso deixar de pensar que a amizade, em seu sentido mais amplo (chinês, brasileiro, latino-americano), é o único sentimento que pode levar indivíduos, sociedades e países a um estado definitivo de solidariedade irrestrita de classe. 

Desejo a todos que 2025 comece com essa energia. Enquanto isso, se emocionem comigo com uma raridade da televisão brasileira, registrando Roberto e Erasmo emocionando-se com a execução do clássico internacional Amigo

*Registro aqui também o presente citado, recebido pelo meu melhor amigo, o Christian, com uma dedicatória especial e que precisa de um contexto. Havíamos, em 2009, feito uma música chamada Astronauta, no início da nossa parceria de composição (Vini/Christian) que já dura mais de 15 anos. Vida longa à mais uma amizade sempre alimentada por MUITA música. 


Por Bruno Leo Ribeiro

COMO NASCEM AS COISAS.

How H.R. From Bad Brains Recorded 'Sacred Love' From Jail

Os Ramones brincavam que suas músicas eram longas, só que, como eram tocadas rápido, acabavam ficando mais curtas. E o Punk nasceu, em parte, dessa ideia e de uma série de outros fatores. Depois da explosão ali por 77, uma banda começou a escrever músicas nos anos seguintes que levariam o Punk para outros lugares. Era como se essa banda tivesse o poder profético de simplesmente pensar alguns anos à frente de todo o resto.

Com o desejo de tocar aquele Punk ainda mais rápido e tendo, em sua fundação, experiência como músicos de Jazz Fusion, o Bad Brains basicamente inventou o Hardcore. Tentando se firmar com algumas gravações, a banda não conseguiu muita atenção, além de ser banida de tocar em algumas casas de show na sua área local de Washington, DC, e se mudar para Nova York.

Seu trabalho oficial de estreia veio com a Fitinha Amarela (*só saiu em fita cassete), e o mundo nunca mais foi o mesmo depois disso. Ouvindo o disco hoje em dia, talvez sua revolução não fique tão clara, até porque inúmeras bandas copiaram o som da banda, então parece que não há nada de inovador nisso.

Mas se a gente, por exemplo, pegar a ótima série What’s In My Bag (o que está na minha sacola de compras), de vídeos do canal do YouTube da loja Amoeba, tanto de San Francisco quanto de Hollywood, em LA, um dos discos mais comprados por artistas e integrantes de bandas é o autointitulado e estreia do Bad Brains. Um dia, assistirei à série inteira para fazer uma lista estatística e comprovar minha tese, mas provavelmente foi o disco mais comprado.

Confesso que esse disco passou pelas minhas mãos várias vezes durante a minha adolescência, mas, como Hardcore e Punk nunca foram muito minha praia, eu curtia, mas não prestava tanta atenção. Porém, por causa dos vídeos da Amoeba, abri minha cabeça e fui tentar entender com mais calma os motivos desse disco ser tão adorado.

Por isso, falamos aqui no Silêncio no Estúdio da importância da curadoria. Não é apenas papel do Discover do seu serviço de streaming mostrar coisas novas. Nem sempre as linhas de código dos desenvolvedores conseguem entender como o gosto humano funciona. Não dá para não confundir o algoritmo ouvindo um disco de K-Pop e outro de Black Metal logo em sequência. É meio confuso mesmo. Como sugerir algo entre esses dois gostos?

É por isso que tentamos abrir o leque de opções e criamos comunidades e conexões com todos os nossos ouvintes e leitores, com carinho, dedicação e paixão. Cada uma das dicas, textos e falas do nosso time tenta gerar pelo menos 1 play. É para isso que estamos aqui, e é por isso que faremos algumas mudanças para melhorar o Silêncio no Estúdio.

Em breve, teremos novidades.
Enquanto isso, dê o play nesse disco do Bad Brains e ouça a história da música sendo feita.

Ouça aqui


Por Brunno Lopez

WORLDCHANGER

A música, em geral, está calcada em gigantescas injustiças. Não existem holofotes suficientes pra oferecer a devida ribalta aos arquitetos de um ‘underground’ forçado pela conveniência mainstream ou até mesmo algo pseudo-alternativo de caráter bastante duvidoso.

Em 2001, parecia muito mais fácil eleger a onda deslumbrada do novíssimo século XXI que chegava desfilando Is This It, do Strokes, White Blood Cells, do White Stripes, Toxicity, do System of a Down, The Argument, do Fugazi ou Survivor, do Destiny’s Child.

Ora, de fato, os olhos de todos ficaram nessa esfera, variando para um Travis aqui, um Jay-Z ali e um Muse acolá. Mas os ouvidos? Bem, é difícil monitorar o que transforma daquilo que ‘bomba’ e geralmente é uma régua um tanto controversa. Geralmente são mais pessoas comentando do que escutando, o que torna algumas das obras apenas elementos de opinião do que de deleite.

É aí que encontramos, com esforço hercúleo, o segundo disco de Jorn Lande. Tecnicamente poderia até ser considerado o primeiro, afinal o seu debute, Starfire, trazia mais covers do que inéditas—o que não diminui a grandiosidade pois a versão que o norueguês entrega para ‘Break it Up’, do Foreigner, é digna das mais altas honrarias.

Worldchanger é uma das tantas obras-primas que o vocalista do Vagabong, Millenium, Ark, Masterplan e mais outros tantos projetos poderia criar. Ao longo das 9 faixas, observamos os toques visionários do artista que já esculpia a evolução do hard rock melódico e o prog metal mais acessível, digamos assim, entregando um primor de produção, composição e sonoridade.

‘Bridges Will Burn’ é o single que deveria fazer os indivíduos de 2001 começarem seus dias. 
Quem sabe agora, 24 anos depois.

Ouça aqui


Por Márcio Viana

ARTE LONGA, VIDA BREVE

Formada em 1985 por Gato Jair, John Daniel (guarde este nome), Paulo Horta e Clôde Franco, O Último Número faz parte de uma geração de bandas belorizontinas de uma década em que o rock produzido em Minas Gerais ainda não estava na mesma linha de frente das bandas que dominavam o cenário nacional. Mesmo com uma coletânea lançada em 1987, junto com bandas como Sexo Explícito (da qual John também fazia parte) e Pouso Alto (banda inicial de Samuel Rosa e Henrique Portugal, antes do Skank), ainda não era o momento de explosão nacional daquelas bandas locais.

Alheio a isso, e talvez até pela dificuldade em encaixar o pós-punk elaborado e com as letras poéticas de Jair em alguma prateleira do mainstream, O Último Número lançou seu disco de estreia também em 1987, O Strip Tease da Alma, pelo selo independente Câmbio Negro, de Belo Horizonte.

Após o lançamento de O Strip Tease da Alma, John deixou o grupo, dedicando-se exclusivamente ao Sexo Explícito, com quem gravou dois álbuns e obteve uma notoriedade relativamente maior, até alcançar uma projeção nacional com seu novo projeto, ninguém menos que o Pato Fu.

O Último Número, por sua vez, gravou mais dois discos: Filme, de 1988 e Museu do Mundo, de 2001.

Nenhum dos álbuns foi para o streaming, mas é possível encontrar no YouTube, como no link abaixo.

Os discos de vinil, fora de catálogo e raros, costumam aparecer em sites de venda por valores entre 120 e 250 reais.

Ouça O Strip Tease da Alma aqui