Newsletter – Silêncio no Estúdio Vol. 87

22  de Março  de 2021


Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana nosso time destaca lançamentos que têm feito suas cabeças. 


LANÇAMENTOS

Por Bruno Leo Ribeiro

A ARTE DE SOFRER

A cantora e compositora galesa Catherine Anne Davies, também conhecida como The Anchoress, nos trouxe esse ano um disco pra provar umas das teorias que a arte foi criada pra falar de dor. Todo mundo nos últimos tempos passou por muita coisa e com a Catherine Anne Davies, não foi diferente. Ela perdeu o pai, perdeu algumas gestações e teve um diagnóstico de câncer cervical. Seu novo disco é basicamente uma facada na alma na mistura de criatividade vs. dor. Não é atoa que o disco se chama The Art of Losing, a arte de perder.

A The Anchoress faz um som meio The Cure, misturado com Siouxsie and The Banshees e Kate Bush, mas com muita dor. A música Let it Hurt já começa com a frase, “Ouch. This is going to hurt”. Já na música título do disco, ela joga na nossa cara uma pedrada, “How much more can she take? One more child. One more rape.”

Não é um disco pra todo mundo nesse momento de pandemia louca. Mas se você gosta de ouvir coisas tristes pra levantar o seu próprio astral, o disco The Art of Losing é perfeito pra você.

Além do disco ser um dos melhores discos que ouvi até agora em 2021, ainda contamos com a ótima música The Exchange, que tem participação de uma das pessoas com o nome mais perfeito da história, o James Dean Bradfield do Manic Street Preachers. A música faz uma provocação à misoginia da indústria da música.

Um grande sofrimento nem sempre traz boa música, mas a Catherine Anne Davies conseguiu transformar a arte de sofrer em um disco lindo, visceral e reflexivo. Respire fundo e aperte o play.

Ouça aqui o The Art of Losing


Por Vinícius Cabral

A POSSESSÃO ELÉTRICA DO STEREOLAB

É muito difícil falar de Stereolab. A carreira da banda é tão prolífica, repleta de singles, LPs, EPs e etapas completamente distintas umas das outras, que qualquer exercício mais analítico parece uma tarefa tão hercúlea que muita gente deixa pra lá. Uma pena, porque infelizmente isso acaba obscurecendo o trabalho da banda (para mim uma das mais criativas e brilhantes dos últimos 30 anos, pelo menos), relegando-a a esse universo de colecionadores junkies e vidrados em coletâneas e edições especiais de catálogo. 

Hoje, felizmente, acho que dá pra começar a contornar isso, a partir da última coletânea da série Switched On – desta vez o Vol. 4, lançado no final de fevereiro de 2021. Como é comum na trajetória da banda, nem sempre suas melhores músicas estão nos álbuns oficiais de estúdio. Os EPs e compilações (como esta série Switched On, iniciada com o Vol. 1 em 1992) revelam muito do processo do grupo, abarcando longos períodos de composições “intermediárias” entre álbuns, e às vezes guardando pérolas que acabam ficando “esquecidas” no meio de tanta coisa. É o caso, aqui, de canções como Intervals, Calimero ou The Super It

Pra quem já é “iniciado” na banda, algumas coisas aqui não são novidade. Como as 7 primeiras faixas, que na verdade compõem o EP The First of the Microbe Hunters, lançado em 2000, e que é uma obra-prima à parte. Aí fica a dica para os iniciantes: os 9 minutos da canção que abre esta coletânea (e o EP citado), Outer Bongolia, basicamente entregam os elementos mais característicos do Stereolab: o motorik beat do krautrock, misturado à sopros, camadas de sintetizadores vintage e guitarras, em um loop lisérgico e mântrico, transcendental. A música faz jus à maravilhosa homenagem proferida ano passado por Phil Everum, em sua canção/álbum Microphones in 2020: “eu assisti o Stereolab em Bellingham e eles tocaram um acorde por 15 minutos. Algo em mim mudou. Voltei para casa com a crença de que eu poderia criar a eternidade”. 

Pois é. Stereolab tem a capacidade de nos transportar para uma dimensão diferente, nos suspendendo do plano terrestre por alguns momentos. Isso hoje, mais do que nunca, tem sido uma bênção. 

Ouça Switched On Vol. 4 – Electrically  Possessed aqui 


Por Márcio Viana

RINGO STARR QUER TE FAZER SORRIR

Dentre os grandes mitos envolvendo os Beatles, para além do “Paul is Dead” e do “Yoko acabou com a banda”, há também quem diga que Ringo Starr era um baterista limitado e não estava à altura de seus companheiros. Grande bobagem: o baterista, nascido Richard Starkey, sempre foi, dentro de seus limites de atuação na banda, um exímio instrumentista, e há vários exemplos disso dentro e fora da carreira do grupo de Liverpool.

Com uma também limitada contribuição em composições próprias no grupo, Ringo teve uma carreira solo bastante discreta, ainda que sólida. Para isso, o artista sempre se valeu de sua habilidade para reunir grandes músicos à sua volta.

Em seu novo trabalho, o Zoom In EP, traz cinco faixas em que conta com colaboradores novos e antigos. Já na faixa de abertura, Here’s to The Nights, escrita por Diane Warren (compositora de hits como I Don’t Want to Miss a Thing, do Aerosmith, por exemplo), Ringo reúne seu parceiro Paul McCartney, Dave Grohl, Sheryl Crow, Lenny Kravitz, e Ben Harper em uma espécie de We Are The World para nossos dias.

Há também parcerias com velhos companheiros de All Starr Band, como Joe Walsh e o onipresente Steve Lukather. Outras participações no disco são de Corinne Bailey Rae, Sam Hollander e Jenny Lewis.

A ideia principal é um disco que fale sobre esperança de dias melhores, colocando o astral lá em cima. O nome do disco traz essa sensação de reunião, e sim, é emprestado do famoso aplicativo de conversas por vídeo.

O ponto fora da curva é a última faixa, Not Enough Love In The World, em que Ringo canta “Todos os dias, as notícias sempre soam iguais/ Você parece tão distante, estamos nos partindo em dois”.

Zoom In EP não é um lançamento para ser mencionado em melhores do ano, talvez nem tenha sido concebido para este fim. Mas é um bom disco de se ouvir nestes tempos. Talvez a vantagem de ser um artista sempre encarado abaixo do radar seja a liberdade de se fazer os discos que tem vontade de fazer. Tem dado certo.

Ouça Zoom In EP aqui 


Por Brunno Lopez

CAPITOL CUTS – DONNA MISSAL

“Lighter” foi o melhor disco do ano passado (na minha humilde opinião), consagrando uma artista que consegue transitar sem nenhum impedimento entre o talento e a ousadia.
E se a performance em estúdio já era digna de contemplação e deslumbre, imagine algumas dessas faixas executadas ao vivo num dos estúdios mais importantes da história da música?

Felizmente, esse registro não precisa mais ser uma imaginação. Donna Missal participou do Capitol Cuts – Live From Studio A, que apresenta performances exclusivas de artistas, gravadas diretamente em vinil, lá em Hollywood.

Quando olhamos para a profundidade das temáticas das canções, nos deparamos ainda mais fortemente com uma cantora que escolheu compartilhar suas emoções mais cruas e orgânicas, viajando através de suas relações. Uma experiência dolorosa, desconfortável mas acima de tudo verdadeira, encontrando na própria voz uma forma de finalmente encarar o impacto de seus relacionamentos.

Donna Missal pode ser uma rockstar ou uma cantora de soul, não importa. O fato é que ela possui todas as características e adjetivos de uma artista que rumo a um legado. E, ao mesmo tempo, ainda nutre a fome de um azarão que busca seu lugar de direito no universo fervilhante do mainstream.

Sobre o disco e seus processos, Donna disse: “Cheguei a um ponto ao escrever o álbum em que fui capaz de dizer absolutamente tudo o que queria sobre outra pessoa, tocando o foda-se mesmo. Eu quis contar sobre o papel que desempenhei quando escolhi deixar algo me consumir e me queimar.”

São seis faixas de imersão cristalina nessa que é, na minha opinião, a artista número 1 de um futuro cada vez mais próximo. Se vocês já se impressionam com Beyoncé, Alicia Keys ou Lady Gaga, não se espantem quando Donna estiver exposta deliciosamente nesta mesma prateleira.

Ouça aqui 


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana