Newsletter – Silêncio no Estúdio Vol. 79

25 de Janeiro  de 2020


Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana nosso time destaca lançamentos que têm feito suas cabeças. 


LANÇAMENTOS*

*Em nosso período de recesso, há também um recesso de lançamentos musicais. Em função disso, até a segunda semana de fevereiro de 2021 nossos colunistas ficarão à vontade para utilizar essa seção para falar de Clássicos, a não ser quando – e se – tiverem pautas de Lançamentos (os temas poderão ser destacados por asteriscos nos títulos). 

Bruno Leo Ribeiro

CAOS PERMANENTE E DEFINITIVO

*Lançamento

Da esquerda pra direita: Prika Amaral, Mia Wallace, Diva Satanica e Eleni Nota

Já vou começar meu texto dizendo, a Nervosa é a melhor banda de metal do Brasil hoje em dia. (ok, eu sei que a banda não é mais só Brasileira, mas eu prefiro dizer que sim).

A Nervosa teve duas grandes baixas no ano passado. A Fernanda (vocal e baixo) e a Luana (baterista) saíram da banda, deixando a Prika Amaral (guitarrista) com o projeto e os planos para o futuro.

Em um movimento de genialidade, a Prika resolveu criar uma banda global, com as melhores mulheres que ela poderia convidar. 

Ela não se importou em continuar como um Power Trio, ela foi diretamente no trabalho de mulheres que ela já acompanhava pelas redes sociais.

No meio de uma pandemia, ela conseguiu fazer audição e entrevistas online e fechou a banda com uma nova formação extremamente competente e global.

Nos vocais, Diva Satanica que é vocalista da banda da Espanha Bloodhunter; Mia Wallace, Italiana, no baixo, que já tocou com o Abbath e na bateria a até então a desconhecida, Eleni Nota diretamente da Grécia.

Eu sabia da competência de cada uma delas e o novo disco não foi uma surpresa em qualidade. O disco que saiu na sexta-feira passada, é uma pedrada sonora, com o melhor do thrash / death metal que qualquer banda pode fazer.

A Nervosa ajuda a naturalizar a representatividade da mulher num meio altamente machista e misógino. 

Elas não precisam de validação de homem nenhum. Elas fazem o som delas e como eu mesmo disse, a Nervosa é a melhor banda de Metal do Brasil hoje em dia (mesmo sendo global, mas a Prika Amaral é Brasil!). 

Ouça aqui o Perpetual Caos da Nervosa


Vinícius Cabral

A ASCENSÃO DO UPSETTER*

*Clássico

É difícil falar do homem que clama ter aprendido produção com o som das pedras, criado o reggae – para dá-lo de presente ao Bob Marley como um purificador espiritual- e que, depois das façanhas, tacou fogo no próprio estúdio.

Por trás do mito, os fatos: Lee “Scratch” Perry realmente inventou o reggae. Foi com o single People Funny Boy, em 1968. A música desacelerava o Ska (ritmo jamaicano que mistura R&B e blues com calipso caribenho) introduzindo trucagens, sampler e compondo todo um novo “colorido” instrumental. É verdade também que “Scratch” “emprestou” a criação para que Bob Marley desenvolvesse sua sonoridade e espantasse, com a canção Duppy Conqueror, os “fantasmas e o voodoo” que impediam seu sucesso (essa parte do “encosto” de Marley, claro, novamente segundo o próprio Lee). Foi a partir desse encontro que Marley estourou mundialmente, popularizando o reggae e criando, a partir da Inglaterra, uma tendência sem volta. Bob Marley é, ainda hoje, o grande ícone do reggae no mundo. Mas a base é, e sempre foi, Lee “Scratch” Perry (ou como o produtor diz até hoje, se ele era o profeta – como Marcus GarveyBob era o imperador – como Halie Selassie, o Rás Tafari).

Também é verdade que o gênio jamaicano botou seu próprio estúdio, o Black Ark, em chamas em 1978. Mas isso se deu depois de quase uma década inteira de gravações e lançamentos ininterruptos, em um período onde o mestre criou ainda outro gênero: o dub.

A partir de bases loopeadas e manipuladas em fita com a bateria e o baixo (a base que Lee chama, respectivamente, de mente e coração), o produtor convidava artistas para improvisar cantos, guitarras e demais instrumentos. Misturava tudo com samplers, muito reverb e delay, e estava pronta aí outra invenção basilar, que iria influenciar (ou até mesmo criar) as bases e os fundamentos do hip hop e de praticamente toda a música eletrônica contemporânea.

Em um ambiente de total liberdade e invenção no Black Ark, gravaram-se centenas de singles e álbuns, boa parte deles perdidos em coletâneas mal editadas por aí. Este Super Ape, de 1976 é, em minha humilde opinião, o recorte que melhor captura a essência inventiva do dub. Está tudo aí: as texturas imersivas de fundo, os loops de base cheios de phaser (e outros efeitos), as intervenções vocais com pesados delays, os samplers … enfim, todo o resultado de uma experimentação brilhante, inovadora e sem regras.

Em 10 faixas impecáveis o disco revela a mente brilhante desse produtor, que é muito maior do que qualquer Phil Spector da vida. Trata-se de um inventor transcendental. Como ele mesmo se coloca, um profeta real, que respondeu aos chamados da natureza e de Jah Rás Tafari para traduzir em música a mitologia jamaicana – diretamente adaptada das lutas de libertação da Etiópia – espalhando-a com esplendor pelos 4 cantos do planeta. 

*É aqui que podemos citar, como nota de rodapé a ser aprofundada no futuro, que neste auge o “Scratch” foi para a Inglaterra produzir ninguém menos que The Clash, Linda McCartney, entre outros. A “invasão jamaicana” que se espalhou mundo afora a partir do punk inglês teve, portanto, interferência direta do próprio cara! 

*O título do texto faz referência ao apelido de Lee: “the upsetter”. O mestre mesmo explica que a expressão tem duas funções, como uma faca de dois gumes: por um lado, incomodar os inimigos e, por outro, elevar os companheiros de luta. Em suas própria fala: “as palavras são visíveis. as palavras são invisíveis”

Ouça Super Ape aqui


Márcio Viana

UMA POLAROID BEM TIRADA DO FIM DE UMA DÉCADA*

*Clássico

Em 1989, com treze anos de idade e ajudando na banca de jornais da minha família, eu passei a encarar com mais seriedade a entrada da música e da leitura na minha vida. Eu passava os dias, entre um atendimento e outro, ouvindo rádio e lendo todas as publicações disponíveis. Uma delas era a revista Bizz, que passei a colecionar. A primeira que li, de fevereiro daquele ano, trazia uma ampla cobertura da passagem do New Order pelo Brasil, incluindo uma entrevista com o baixista Peter Hook.

Para o adolescente que começava a formar opinião sobre o som que ouvia, foi fascinante conhecer o contrabaixo de um jeito tão inusitado. Peter Hook, baixista, era meu guitar hero. Mais significativo ainda era o fato de Hook ter em suas caixas de som uma pichação com a expressão Guitar Nero, que segundo ele dizia na entrevista, foi inspirada no guitarrista Steve Jones, dos Sex Pistols. Genial! Um baixista de uma banda que alternava entre o orgânico e o eletrônico, inspirado por um guitarrista de banda punk.

O fato é que eu conheci o New Order dali para trás, e a vinda da banda ao Brasil era uma divulgação do disco do grupo que havia acabado de sair, Technique.

De certo modo, ainda que o grupo já tivesse dado a guinada para o som eletrônico, o salto de Technique foi bem maior: desde Fine Time, a faixa de abertura, o clima é dançante, com muita influência da acid house que dominava as pistas desde o ano anterior. Ok que ainda havia espaço para coisas que ainda lembravam o New Order de outrora, como Love Less, mas na faixa seguinte, o grande hit do disco Round & Round, a pegada dançante volta e a letra traduz um pouco daquela tendência:

The picture you see is no portrait of me

It’s too real to be shown to someone I don’t know

Em Dream Attack, que encerra o disco, o som orgânico volta a dar o tom, para a gente se lembrar que por trás da parafernália eletrônica havia alguns corações batendo.

Technique provavelmente não é o melhor álbum do New Order, mas sua produção está redonda, o que faz com que ele chegue muito perto disso, além de ter influenciado muito do que foi produzido na década seguinte.

Ouça Technique aqui


Brunno Lopez

ESPANTALHOS TRANSFORMAM METAL EM HARD ROCK

Clássico*

Incrível pensar que a bem sucedida franquia de metal sinfônico do pequeno gênio Tobias Sammet poderia se enriquecer ainda mais de novos elementos e se transformar num capítulo impressionante, que levemente abandonava o metal melódico para transitar por diversos estilos do rock.

Em “The Scarecrow”, lançado em 2008, o terceiro disco do projeto Avantasia impressionou pela sonoridade e pelos novos convidados do disco. Desde os primeiros álbuns, o idealizador e vocalista do Edguy já havia reunido um poderoso grupo de músicos: André Matos, Michael Kiske, Alex Holzwarth, Sascha Paeth, Sharon den Adel, entre outros.

Porém, novos artistas apareceram para contribuir e eles certamente foram a razão dessa versatilidade musical do projeto. Começando pela bateria, que tinha no comando das baquetas ninguém menos do que o espetacular Eric Singer. Inclusive, ele foi o responsável pela participação de outro astro do rock no disco, o vocalista Alice Cooper.

Além deles, temos também a voz grandiosa de Jorn Lande em algumas faixas, juntamente com o guitarrista do Scorpions Rudolf Schenker.

Liricamente a história do álbum gira em torno de um compositor do século 19. Rejeitado por seu grande amor, ele experimenta a ascensão e a queda de um artista, o doce sabor da fama e o amargo gosto da solidão, lentamente enlouquecendo e sentindo-se afastado de seus iguais, exatamente como o espantalho do título – que também é retratado na ilustração da capa do disco.

É uma viagem de muito bom gosto por 11 faixas viciantes, encerrando com a até Hard Rock Pop “Lost In Space”, que mostra a capacidade de Tobias de criar hits acessíveis. 

E este novo direcionamento não ficou só no The Scarecrow. Ele foi apenas o início de uma trilogia belíssima, que pode ser conferida nos discos seguintes The Wicked Symphony e Angel Of Babylon.

Se todos os espantalhos fossem tão maravilhosos quanto este…

Ouça aqui


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana