Newsletter – Silêncio no Estúdio Vol. 76

04 de janeiro  de 2021


Feliz Ano Novo queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio! A newsletter desta semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!


IT’S A CLASSIC

Bruno Leo Ribeiro

ERA UMA VEZ… UMA MENTE SIMPLES

Quando eu tinha por volta de 6-7 anos, eu lembro bem que minha banda favorita de todos os tempos (sim, eu já era dramático) eram os escoceses do Simple Minds e, em 1985 eles lançaram um dos melhores discos dos anos 80.

1985 foi um dos melhores anos da banda. No mesmo ano, eles gravaram Don’t You, Forget About Me pro filme clássico dos anos 80 Clube dos Cinco (The Breakfast Club). E pra completar, a banda se juntou ao produtor Jimmy Iovine (famoso por produzir o Bruce Springsteen, U2 e muito mais), pra gravarem o Once Upon A Time.

Pra mim, esse disco é perfeito. Destaques pras músicas “Once Upon a Time”, “All the Things She Said”, “Ghost Dancing”, “Alive and Kicking”, “Oh Jungleland”, “I Wish You Were Here”, “Sanctify Yourself” e “Come a Long Way”. Ou seja… todas! 

Claro que Alive and Kicking foi a música que se destacou. A banda, que já era enorme na Europa, ficou gigante nos Estados Unidos depois do Once Upon a Time. Isso reverberou no Brasil e foi assim que acabei conhecendo a banda ali por 1987, 1988. 

Além da produção impecável e músicas incríveis, o disco tem uma sonoridade que te lembra os anos 80, mas tem um “quê” de Let’s Dance do David Bowie. Não é surpresa, quem co-produziu esse disco e mixou, foi o gênio Bob Clearmountain que mixou o Let’s Dance do Bowie dois anos antes.

Esse disco tem que ouvir. É um New Wave com toques de Post Punk e Pop Rock. É genial. Pra começar bem o 2021 com um clássico desses.

Ouça aqui o Once Upon a Time


Vinícius Cabral

A AMÉRICA LATINA NÃO PODE EXISTIR

Me desculpem, mas já vou começar 2021 com rock argentino e consensos: existe uma espécie de santíssima trindade “inaugural” do nosso rock hermano, formada por Los Gatos, Manal e Almendra. Se Los Gatos conseguiram emplacar em 1967 aquela que é considerada a canção fundadora do rock rio-platense (a incrível La Balsa) se definindo assim como a grande precursora, Manal já apontava para uma direção mais “blueseira”, com um power trio a lá The Jimi Hendrix Experience e Cream

E onde Almendra entra nessa trindade? Provavelmente como o ponto fora da curva. A banda que finalmente conseguiu atribuir um acento propriamente porteño ao rock feito no país, integrando ao melhor do rock internacional padrões melódicos e fonéticos do tango e do bolero, de forma completamente orgânica. Foram polêmicas na época, por exemplo, as trocas de acentuação (como nas canções Figuración – onde a palavra “figúrate”, com acento agudo no “u”, leva o acento no “é”, ao final do verso, e em Plegaria Para Un Niño Dormido – onde a palavra “plegaria”, troca de sílaba tônica, soando como “plegariá”). Eram recursos de composição, dizem, desenvolvidos para deixar os versos em espanhol mais agudos, próprios a uma espécie de fonética roqueira, como a observada em canções em inglês (de versos geralmente agudos em oposição à música em língua espanhola, de versos graves). Nas letras, traços de Cortázar e Borges, completando uma mistura perfeita que não apenas abriu uma avenida como, de certa forma, estruturou um verdadeiro padrão para o rock feito na Argentina. 

A grosso modo e resumidamente: Almendra celebra o encontro entre Piazzolla e Gardel com The Kinks e Beatles bem aqui, ao sul do Equador.

O resultado é deslumbrantemente escancarado neste primeiro LP, homônimo, de 1969. O disco do “hombre de la tapa”: uma espécie de palhaço com lágrimas e um desentupidor grudado no chapéu. Uma ilustração do próprio compositor e cantor principal da banda (sim, ele mesmo, o Luis Alberto Spinetta), que foi rejeitada pela gravadora como primeira opção. Spinetta refez o desenho exatamente da mesma forma, em uma teimosia que acabou dobrando os executivos da RCA. Ainda bem, pois, obviamente, não era teimosia, era conceito. O homem choroso da capa dava instruções para as nove faixas que compõem essa obra prima. Muchacha (Ojos de Papel), a balada perfeita feita para Cristina, a namorada de Luís à época, abre o disco, em um embalo sonoro aconchegante que só vai se dissolver nos 9 minutos da próxima canção, a roqueira e direta Color Humano (de autoria do guitarrista e compositor Edelmiro Molinari). Há espaço aqui para outra canção de autoria de um dos integrantes da banda, Que El Viento Borró Tus Manos, de Carlos Emilio del Guercio. Mas pra variar (ou pra começar), o show é mesmo de Luís, que já nos presenteia aqui com seus primeiros clássicos: Muchacha (Ojos de Papel), Ana no Duerme, fermin (cantada pelo Emilio), Plegaria Para Un Niño Dormido e a impressionante A Estos Hombres Tristes (uma das músicas mais perfeitas que já ouvi na vida).

É comum minha mão coçar com declarações polêmicas ao escrever sobre essas redescobertas dos clássicos, mas a verdade é que, se vivêssemos em um planeta minimamente democrático e plural, Almendra estaria entre os grandes clássicos do rock dos anos 60, lado a lado com White Album dos Beatles, The Kinks Are The Village Green Preservation Society ou, até mesmo, Pet Sounds. Mas não vivemos em um mundo assim e, claramente, a América Latina não pode existir como território criativo e produtivo autônomo. Só isso mesmo, para conseguir explicar o ostracismo de Almendra fora dos limites latino-americanos. Mesmo no brasil, é claro (e infelizmente), não se trata de uma banda repercutida e difundida como deveria.

Esse disco é tão perfeito (e soa tão atual), que eu precisava de um meme para poder gritar para o mundo: Almendra é melhor que Beatles.

*Observação importante 1- o link abaixo direciona para uma edição comemorativa do álbum que traz os primeiros singles da banda, todos indispensáveis – com destaques para Tema de Pototo (Para Saber Cómo es la Soledad), Hoy Todo El Hielo En La Ciudad e Campos Verdes. Recomendo, porém, que ouçam primeiramente o álbum original aqui e depois, se gostarem, a edição com os singles

*Observação importante 2- o já mal falado (ao menos por mim) Rompan Todo, da Netflix, não dedica o tempo necessário ao Almendra, nem ao próprio Spinetta. Quando se entra na “bolha” do algoritmo do youtube argentino, porém, há uma infinidade de entrevistas e documentários que deixam bem claro o gigantesco impacto cultural desse disco.

Ouça Almendra aqui


Márcio Viana

UM PASSEIO PELO MUNDO CÃO

No nosso episódio #111, E o Rock Brasileiro?, em dado momento debatemos sobre a importância de Lulu Santos como ícone do rock nacional. Talvez o fato de Lulu transitar com facilidade por estilos diversos dentro do pop faça com que ele não seja muito vinculado ao estilo, mas a verdade é que o cantor tem suas raízes dentro do rock and roll desde que surgiu, tocando com o Vímana, que incluía em sua formação os também bem sucedidos Ritchie e Lobão, além de Luiz Paulo Simas e Fernando Gama (e uma inusitada união com o tecladista suíço Patrick Moraz, ex-Yes, que desprezava Lulu e o demitiu da própria banda, o que por fim implodiu o grupo).

Em carreira-solo desde o início dos anos 80, com o lançamento do primeiro disco, Tempos Modernos, em 1982, Lulu sempre exercitou seu talento de hitmaker, a começar pela faixa-título.

Mas hoje resolvi falar sobre um álbum lançado dez anos depois de sua estreia, o famigerado Mondo Cane, estranho no ninho na discografia do guitarrista.

Estranho no ninho pelo fato de ser o único álbum do artista pela Polygram, depois de anos gravando pela WEA e pela RCA/ BMG. Não sei dizer se por isso, mas é um dos discos de Lulu que menos venderam, o que talvez tenha causado o rompimento com a gravadora e o retorno do cantor à BMG. Há também o fato de ter sido lançado em 1992, momento em que o Brasil penava de uma ressaca do boom vivido na década anterior e ainda governado por Fernando Collor, o que não ajudava em nada.

Agora imagine também que, mesmo com toda a facilidade de Lulu para refrões ganchudos e melodias que agradam, estamos falando de um disco que abre com os versos “O amor devia ser proibido, porque é uma droga pesada, e se a pessoa tá viciada, ela faz qualquer papel por um papel…”. Isso na primeira faixa, Um Vício. A segunda, Cicatriz, vem com “ninguém me garante que eu vou ser feliz, mas ninguém me impede de tentar sê-lo”. Para quem cantava o amor de um modo mais reverente, com versos como “ela me faz tão bem, que eu também quero fazer isso por ela..”, a diferença é gritante. Mondo Cane é um disco mais melancólico, a despeito daquele tom ensolarado de algumas faixas, principalmente pela guitarra de 12 cordas frequentemente usada pelo artista, como em Foi Mal (“o líquido e certo é que não me amas”, olha aí mais um verso amargurado).

Lá pelo meio, porém, surge a exceção: Apenas Mais Uma de Amor, um dos maiores sucessos de Lulu, é deste disco, e até experimentou o topo das paradas com clipe na MTV, mas o estouro mesmo só veio alguns anos depois, com sua inclusão no Acústico gravado para a emissora. Ainda assim a canção, uma declaração de amor, tem no final um “eu sei que vai doer” (no acústico ele substitui a frase por “eu vou sobreviver”).

Passada a doçura, vem o peso da tríade Ecos do Passado, Fevereiro e Máquinas Macias, pra descambar na instrumental Hormônios. Depois disso, baixa um pouco o bpm, predomina o teclado e tudo fica mais calmo.

Acontece que o próprio Lulu não parecia ter gostado muito do resultado do disco e partido de volta ao pop com Assim Caminha a Humanidade e as experimentações eletrônicas dançantes.

O disco ficou fora de catálogo por um bom tempo, a ponto do músico resolver disponibilizá-lo para download gratuito em 2002. Até no streaming o disco demorou a chegar.

Ainda que seja esse ponto fora da curva, eu considero um dos discos mais bem produzidos da carreira de Lulu Santos. E a capa, obra de Luiz Stein, é extremamente simpática, com o cachorrinho branco e preto sob o fundo cor de laranja.

Ouça Mondo Cane aqui

Veja o encarte do álbum Mondo Cane aqui


Brunno Lopez

PANIC! AT THE BEATLES

Discos de estreia catapultantes costumam fazer do álbum seguinte uma verdadeira incógnita: repete-se a fórmula que funcionou no primeiro ou se trilha um caminho mais ousado, apresentando aos ouvintes sua verdadeira essência no segundo?

O Panic! At The Disco fez uma viagem diferente das duas opções acima, explorando o universo do quarteto de Liverpool em seu próprio som.

Isso é evidente em 90% do disco Pretty. Odd., de 2018, que foi gravado no Studio At The Palms em Paradise, Nevada e terminou, claro, no Abbey Road Studios.

É até hoje o material mais distinto da banda, com excelentes composições que nunca viriam a se repetir no futuro, trazendo aquele rock inspirado nos melhores dias do Beatles com a inserção da transpiração contemporânea e jovem de Brandon Urie e cia.

Ouça aqui


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana