30 de Março de 2020
Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter dessa semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!
IT’S A CLASSIC
Bruno Leo Ribeiro
QUALQUER QUE SEJA E SEMPRE
Depois do nosso episódio sobre Power Trio e comentei do disco do Ben Folds Five, que é um trio não convencional com Piano, Baixo e Bateria, resolvi escutar novamente a discografia da banda e foi no clássico de 1997 que parei e ouvi mais de uma vez.
Muitas boas memórias da época que ouvi esse disco pela primeira vez, deve ter sido por volta de 2001 ou 2002. Um disco de rock, que parece Elton John em alguns momentos e rock clássico tipo Jerry Lee Lewis.
O som do disco é impecável e como já comentei, foi mixado pelo nosso querido Andy Wallace, conhecido por mixar o Nevermind do Nirvana, Roots do Sepultura e muitos outros clássicos. Aqui se escuta todos os detalhes, tudo na sua cara. O Andy faz mixagens que até um disco fraco fica bom e se o disco for bom como o Whatever and Ever Amen, fica ainda melhor.
Na lista de múscas, muita variedade. Começa agitado, vai mudando de ritmo, fica feliz e fica triste, fica feliz de novo, faz dançar, faz chorar e por aí vai. Tudo que um disco clássico deve ter..
Destaque mesmo para a música Brick que conta a história de uma namorada do Ben que estava grávida e acabou perdendo o bebê numa manhã depois do Natal. Pra quem me conhece, sabe que eu gosto de música triste e essa eu posso dizer que é uma das músicas mais tristes que existem. Então já fica aqui o Spoiler… se você não estiver no clima com essa loucura toda, pule essa música e curta o resto do disco. Mas se você tiver afim de dar uma chorada pra lavar a lama e se emocionar, procure a letra e leia junto com o Ben. Ouça esse clássico e me diga o que achou.
Ouça o disco do Ben Folds Five aqui
Vinícius Cabral
A “MULHER ZEITGEIST” E SUA POLÊMICA E BRILHANTE OBRA MUSICAL
Tem gente que acha difícil de imaginar uma coisa dessas, mas a verdade é que antes de ser casada com um Beatle, Yoko Ono já era uma celebridade à parte. Se Lennon chegava ao topo do mainstream em meados dos anos 60 com sua banda, em outro canto do universo artístico Yoko se consagrava com uma das primeiras obras efetivamente multimídia da história da arte. Ligada ao movimento Fluxus, que reunia pesos pesados como George Maciunas, John Cage e Nam June Paik, Yoko despontou ao lançar em 1964 aquele que é considerado o primeiro livro em formato “obra de arte”; a compilação de ilustrações e poemas/instruções chamada Grapefruit. Junto com seus filmes em 16mm, a obra inquieta e abrangente de Yoko a credenciava para receber em seu loft figuras como Marcel Duchamps e Andy Warhol. Parecendo onipresente em todos os círculos importantes da “nata” da arte da época, Yoko observou de camarote, por exemplo, o surgimento da videoarte com figuras como Shirley Clarke (videoarte que foi também um dos veículos da obra multimídia de Yoko). Não lhe faltava talento e reconhecimento. Talvez faltasse, para uma obra multimídia robusta, integrar-se ao universo da música pop fonográfica, o que inevitavelmente acontece quando John Lennon cruza seu caminho (porque, afinal, pode ser que Lennon é que tenha achado Yoko, e não o contrário).
Pode-se dizer que a experiência começa já em 1968, na infame e brilhante colagem musical experimental Revolution 9, que vai parar no álbum branco dos Beatles (para desespero e desentendimento dos fãs mais conservadores da banda). No mesmo ano, o casal já entra em estúdio para conceber um projeto mais sólido, lançado em 1970 após uma série de álbuns experimentais e absolutamente caseiros. E não é um trabalho qualquer. Este Yoko Ono/Plastic Ono Band, album irmão do John Lennon/Plastic Ono Band (este mais acessível), configura uma das experiências mais radicais já ouvidas na história do Rock até então. Um verdadeiro “Proto Punk”, que talvez vá influenciar tanto o que hoje chamamos de Rock Alternativo quanto o similar (mas as vezes mais ambiente e contemplativo) Krautrock dos discos de estreia de Neu! e CAN. Superficialmente, podemos relacionar as baterias “bate estaca”, tocadas aqui pelo Ringo (!!!), com o som de Hallogallo, da banda alemã Neu!. Mas há algo específico e mágico neste álbum, que rejeita qualquer paralelo.
Nos microfones, Yoko realiza sua catarse artística, com os gritos que encarava quase como uma forma de terapia (de fato Yoko e Lennon experimentaram por algum tempo a controversa “terapia primal”, do psicoterapeuta Arthur Janov). Mas há outras razões e conceitos que embasam o surto vocal da artista. Em Why Not, ela parece um gato, miando, chorando, pedindo comida. Em entrevistas, afirmava ser totalmente consciente das limitações da comunicação verbal, contando sobre como ela e o célebre marido buscavam outras formas de interação, baseadas em gritos e sons primais. E é por aí que Ono constrói suas intervenções marcantes a partir de bases hipnóticas na lógica de “loops”. A banda, além de contar com os Beatles John (tocando as guitarras mais nervosas de toda sua carreira) e Ringo, traz Klaus Voorman (sim, aquele que desenha a capa do álbum Revolver) no baixo. A cozinha perfeita para os sons demoníacos, primais, estridentes, esganados e absolutamente desafiadores dessa obra prima esquecida da história do Rock.
Com apenas 6 faixas longas e processuais, dá pra encontrar de tudo um pouco nesta obra: drones rockeiros “Proto Punk” (Why e Why Not), gemidos e orgasmos simulados vocalmente (como na intensa AOS), batidas tribais e berros animalescos (Touch Me), climas etéreos, ambientais e cinemáticos (Paper Shoes, que me lembra bastante as experiências de Animal Collective em início de carreira), e por aí vai.
Não é uma obra fácil. Há quem não entenda mesmo e se recuse a ouvir. Mas guarda uma importância fundamental para entendermos não só muito do que foi produzido posteriormente após a explosão do Punk nos nichos mais experimentais do Rock, mas também a mente desta que é uma das artistas mais prolíficas e brilhantes do último século: a fenomenal e indecifrável Yoko Ono; uma lenda viva e verdadeiro zeitgeist.
Márcio Viana
CANÇÕES DO (AUTO) EXÍLIO
Existem várias formas de se ouvir um disco, todas elas muito válidas. Há quem goste do método tradicional de se sentar e apreciar a audição, prestando atenção no nome da faixa, entendendo a letra, criando uma relação particular com a obra. Em tempos de streaming, há também quem prefira ouvir álbuns inteiros ao invés de playlists enquanto se faz alguma atividade (como praticar esporte ou algum trabalho criativo), e nesse caso, a atenção está mais voltada à prática, sendo o disco apenas a trilha para a conclusão.
Sou adepto destes dois modos de apreciar um disco, mas ultimamente tenho dado prioridade ao último, por força das circunstâncias (nossa necessidade e responsabilidade de ficar em casa e diminuir a chance de progressão de um vírus). Lançado ao mundo do home-office e dos exercícios caseiros, comecei a buscar por sons que ajudassem na concentração. E foi aí que me lembrei deste clássico dos anos 1990, inovador em seu lançamento por vários aspectos e um dos meus discos preferidos para manter o foco.
Falo de Mezannine, terceiro disco do Massive Attack, lançado em 1998, certamente o mais importante do grupo, à época do lançamento ainda um trio, formado por Robert 3D Del Naja, Grant “Daddy G” Marshall e Andrew Vowles, conhecido pela alcunha de Mushroom, que saiu no ano seguinte, descontente com os rumos tomados pelos colegas, sobretudo em relação à direção musical.
O maior sucesso do disco (e do grupo) é Teardrop, na qual contam com os vocais de Liz Fraser, do Cocteau Twins, mas há ainda Inertia Creeps e Angel (regravada por artistas díspares como Sepultura e Tame Impala, entre outros), também muito conhecidas.
Mas paralelo a este razoável sucesso, Mezzanine funciona bem como textura e pano de fundo para se desligar do mundo, e é possível de ser ouvido sem prestar atenção nos nomes. Eu particularmente gosto de pensar nele como uma sonoridade contínua, como se todas as músicas fossem uma só em seus pouco mais de 60 minutos.
Especificamente em Teardrop, que levou o grupo ao Top 10 do Reino Unido, a briga que culminou com a cisão no grupo foi feia: Mushroom, depois de ouvir a gravação de Liz Fraser, se achou no direito, à revelia dos colegas e do produtor, de enviar a Madonna uma versão diferente da música, com a qual havia colaborado. Sem saber de nada, Madonna acabou comunicando-se com o produtor do disco, Neil Davidge, dizendo ter adorado a música, mas querendo saber qual seria o negócio da gravação com Liz. Aí o caldo entornou. Robert 3D Del Naja e Mushroom já não apareciam no estúdio ao mesmo tempo, mas incrivelmente essa tensão criativa e pessoal gerou Mezzanine tal qual o conhecemos.
Em 2019, o duo formado por 3D e Marshall fez uma turnê comemorativa, reunindo para tal alguns dos convidados do disco, como Liz Fraser e Horace Andy, com a projeção de imagens feita pelo documentarista da BBC, Adam Curtis. O espetáculo, além das canções do disco, desconstruía sua produção, expandindo os samples contidos no álbum, sendo tocados como covers de The Cure, Velvet Underground e Bauhaus. Épico.
Brunno Lopez
O SEGUNDO ATO DE RICHIE SAMBORA
Todos nós sabemos que o homem que comandou as seis cordas de um dos maiores grupos de rock depois dos Beatles e dos Rolling Stones era muito mais do que apenas um guitarrista.
Dono de um timbre característico e uma capacidade notável de compor hits em parceria com Jon, Richie Sambora sempre produziu materiais que iam além do Bon Jovi.
Depois de participar da maior obra-prima da história do Post Hard Rock, o “These Days”, Richie Sambora, assim como seus companheiros de banda, decidiram dar mais um tempo na carreira da formação – a primeira vez tinha acontecido após o excelente New Jersey, no final da anos 1980.
Era o momento perfeito para lançar o sucessor do brilhante “Stranger In This Town”, disco de estreia do guitarrista. E foi assim, numa bela manhã de um 23 de fevereiro de 1998, que o mundo esteve diante de “Undiscovered Soul”.
Diferente do seu disco debutante, nos deparamos com um Richie mais versátil (posers chamariam de pop), menos focado na virtuosidade de seu instrumento e mais preocupado na música. E o resultado é muito interessante para a sonoridade que se buscava no final dos anos 90.
Muito dessa atmosfera sonora é responsabilidade do produtor Don Was, conhecido por seus trabalhos com Bob Dylan, Rolling Stones e John Mayer. Aqui, ele conseguiu entregar um álbum fácil de se ouvir do começo ao fim, com um equilíbrio no andamento das canções que faz tudo parecer muito harmonioso.
Mas, como nem todo mundo tem aquele costume necessário de ouvir o disco todo, deixarei a sugestão de ouvir logo de cara o hit “Hard Times Come Easy”, que é tão viciante quanto farinha láctea com Ovomaltine. Se você estiver no clima de balada de bom gosto, “In It For Love” vai preencher essa lacuna romântica de uma forma brutal.
Vale a audição pela experiência de sentir que um músico com raízes fortes do blues consegue transitar por estilos menos tradicionais, sem perder a essência.
Sempre é importante aplaudir os artistas que tentam aumentar seu campo de alcance, entrelaçando suas influências com roupagens mais abrangentes.
É exatamente isso que o Richie Sambora faz em Undiscovered Soul.
E, assim como passar um tempo em casa, ele fez bem.
Ouça esse Clássico Aqui
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana