03 de Março de 2020
Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter dessa semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!
IT’S A CLASSIC
Bruno Leo Ribeiro
VAMOS BOTAR ÁGUA NO FEIJÃO
Eu basicamente recomendo música internacional por aqui e pra provar que eu escuto música brasileira também, resolvi falar de um clássico que quase não falam por aí, o maravilhoso disco do Chico Buarque de 1978. Quando falam do Chico, sempre vem Construção como a sua grande obra, o que eu não discordo de maneira alguma, mas eu tenho que dizer que meu disco favorito do Chico é sim o de 1978.
O Chico Buarque é dessas figuras carismáticas, que despertam amor e muitas vezes repulsa. Você acha ele um gênio e depois de um tempo fica com preguiça de todo o hype em cima e depois volta a gostar, depois ele aparece falando sobre política e você fica com preguiça de novo e do nada ele some e você volta a ouvir e minha relação com ele sempre foi meio assim.
Já amei, já parei de ouvir, já falei mal, já falei bem e to aqui agora focado na música, porque é o que realmente importa. Quando a gente começa a misturar demais a pessoa física da pessoa jurídica, sempre dá ruim. Então vamos pro que interessa que esse disco é sim, sensacional.
O disco começa com um samba de primeira qualidade com Feijoada Completa. Uma música que tem que ter contexto pra ouvir e curtir. Nos tempos de hoje, com certeza vai ter gente cancelando o Chico porque ele tava com os brothers na rua e manda a mulher fazer uma feijoada pra alimentar os amigos e curtir uma cerveja gelada enquanto a mulher tá trabalhando. Envelheceu bem? Talvez não, mas temos que entender o contexto da história e dos personagens que o Chico adora criar.
Aí vem uma das maiores músicas de protesto da MPB de todos os tempos, Cálice, com participação da voz maravilhosa do Milton Nascimento. Em sequência, Trocando em Miúdos que é uma facada na alma pra quem um dia teve um fim de relacionamento. Depois vem a ex-esposa do Chico, Marieta Severo e a Elba Ramalho, cantando O Meu Amor, uma interpretação do Chico escrevendo como se fosse uma mulher, numa batalha que faz parte da famosa Ópera do Malandro. O disco tem vários clássicos. Mas pra fechar aqui meu review desse disco, talvez a música mais triste de todos os tempos da música brasileira, Pedaço de Mim, com participação da Zizi Possi. Uma música sobre perda, saudade e tristeza. Uma música que tem a frase, “A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”, é pra arrebentar qualquer coração.
É um disco com samba, ópera, tristeza, alegria e melancolia. Um disco completo com vários sentimentos. Do jeito que tem que ser. Melhor ainda se tiver uma feijoada pra complementar.
Vinícius Cabral
O CORAÇÃO INDIE ROCK, BATENDO JUNTINHO
No meio do carnaval And Then Nothing Turned Itself Inside-Out do Yo La Tengo fez 20 anos, o que despertou a nostalgia de muitos fãs da banda (como eu). Por todas as vezes que os citei em nosso podcast, porém, achei que seria legal trazer um álbum deles, mas não necessariamente este de 2000, que muda um pouco o foco de uma de suas principais e mais marcantes características; o ecletismo absoluto entre vertentes do Rock Alternativo, constituindo quase que um catálogo de possíveis exemplificações para a fatídica pergunta que não quer calar, “afinal, o que é esse tal de Indie, ou Rock Alternativo?”
Esse dito ecletismo é o que marca I Can Hear The Heart Beating As One, de 1997, geralmente considerado o melhor disco do trio de Nova Jérsei. O trabalho é, verdadeiramente, um catálogo. Começa com um dedilhado a lá Lou Reed, na peça instrumental acalentadora Return To Hot Chicken. A introdução perfeita para a pancada de diversidade que vem pela frente. Em seguida, acerta Stereolab mirando em Krautrock (ou vice e versa?), com os baixos e a batida delirante de Moby Octopad. Fechando a introdução perfeita de um disco que ultrapassa uma hora de duração, temos a perfeita Sugarcube, que finalmente se rasga em guitarras distorcidas na melhor tradição do Rock Alternativo. Um banger Indie à altura do que a banda havia mostrado ser capaz em álbuns anteriores como (o também perfeito) Painful. Já na segunda volta, a música se “perde” em um solo desleixado e ruidoso de Ira Kaplan. A música é a “centerpice” do disco; curtinha, ela deixa as microfonias e o ritmo mais contagiante nos tragarem para o álbum, com a dinâmica clara do power trio formado por Ira na guitarra e vocais, Georgia Hubley na bateria e vocais e James McNew no baixo e backing vocals.
Importante destacar aqui os vocais harmônicos na complementaridade entre Ira / Georgia, que ouvem-se em Sugarcube e em todo o disco. Em peças melódicas como Damage, One PM Again e We’re An American Band, os backings e vocais em “diálogo” garantem um clima angelical para o instrumental simples, ainda que super lisérgico e ambient. O disco, perfeito em sua extensão, sem uma faixa sequer que eu consiga pular, segue com essa lógica de se alternar entre guitarras evidentes e distorcidas em peças indie-noise (como em Sugarcube e Deeper Into Movies, essa com lead vocals de Georgia), climões que apontam para o legado de Velvet Underground e outros “clássicos” do rock indie lofi (Damage, Shadows, Autumn Sweater, Green Arrow) e hits absolutos e “clean”, mais na tradição de bandas como REM (Stockholm Syndrome, One PM Again).
Há também aqui canções que simplesmente parecem não ter muito precedente. Casos de Little Honda (sim, um cover inusitado de Beach Boys numa interpretação quase que punk “raiz”, apontando diretamente para atos como Hüsker Dü) e a minha preferida, Center Of Gravity, uma espécie de bossa-indie acachapante.
A última parte do disco traz a magnífica, longa e hipnótica Spec Bebop (novamente mirando em Stereolab e acertando em Krautrock, ou vice versa), mas vai se encerrar com praticamente uma cancão de ninar indie com os vocais doces de georgia, a irresistível My Little Corner Of The World.
Como eu disse, um disco perfeito, sem uma faixa sequer para pular. Uma obra que traduz não apenas a identidade dessa banda antológica, mas também toda a diversidade e o espírito essencial do Rock Alternativo, com maestria nunca antes vista e, dificilmente, vista posteriormente. Se alguém perguntar a vocês “o que é esse tal de Indie, ou Rock Alternativo?” e vocês indicarem esse disco, será uma resposta bastante precisa.
Ouça I Ca Hear The Heart Beating As One aqui
Márcio Viana
SOBRE O TEMPO
Existem discos que são mais do que entretenimento, conforto: são verdadeiras aulas. É o caso de Time Out, do Dave Brubeck Quartet, que como o nome já diz, trabalha com a questão do tempo.
Tomei conhecimento desse disco ainda na adolescência, observando um dos meus irmãos tentando reproduzir no violão a melodia de Take Five, tema do saxofonista Paul Desmond, integrante do quarteto. A música, que é a mais conhecida do álbum, traz a novidade ao jazz, com a introdução do andamento 5/4, uma valsa. Segundo Desmond, a ideia era criar um tema para um solo do baterista Joe Morello.
Mais disruptiva ainda é Blue Rondo A La Turk, com título inspirado em Rondo alla Turca, parte de sonata de Mozart. A música inicia como uma marcha turca em compasso de 9/8, alternando com o tradicional 4/4 do jazz.
Para mim, além da música que ajuda na concentração e inspiração, representa o primeiro LP de música instrumental que comprei. Para além da genialidade musical, a estética das capas dos discos de jazz também me impressiona. Há neste Time Out um belo trabalho visual, na composição das fontes usadas com a ilustração.
No ano passado, Time Out completou 60 anos de seu lançamento. Permanecer influente e inovador por tanto tempo não é pra qualquer um.
Assista aqui ao clipe de Take Five.
Brunno Lopez
NOSTRADAMUS DO POWER METAL
Vivemos um ano bissexto e este disco entra naquela leva que teoricamente só faz aniversário de quatro em quatro anos. Afinal, em 29 de fevereiro de 1996, o Helloween lançava o sucessor do já belíssimo Master of the Rings.
Como o título já faz a previsão, “The Time of The Oath” é um álbum conceitual baseado nas profecias do vidente apocalíptico Nostradamus. E olha, nem na sua melhor forma ele poderia antever um trabalho musical tão impressionante quanto este apresentado por Andi Deris e cia.
Essa formação é a minha favorita pois contava com Uli Kush e Roland Grapow com suas respectivas criatividades pulsando como nunca, resultando em todas as faixas marcantes.
Desde os powers tradicionais presentes em “We Burn”, “Power” e “Kings Will Be Kings” (que inclusive falamos no episódio sobre O RITMO DOS BATERISTAS), passando por duas baladas extremamente marcantes “Forever And One (Neverland)” e “If I Knew”, flertando com o Hard Rock – graças provavelmente às raízes de Andi Deris em seus tempos de Pink Cream 69 – em “Anything My Mamma Don’t Like”, até chegar na tempestuosa “The Time Of The Oath”.
A frase pode soar clichê mas a verdade é que o único defeito desse disco é que, diferente do mundo previsto por Nostradamus, ele acaba.
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana