Newsletter Vol. 280

Na newsletter desta semana nosso time fuça seus apps de streaming e suas discotecas (físicas) especiais para revelar o que anda nos plays recentes, embalando seus dias. São dicas especialíssimas que revelam os gostos pessoais do grupo e reforçam toda a diversidade apresentada semanalmente em nosso podcast.  

Por Bruno Leo Ribeiro

EQUILÍBRIO

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Nos últimos dias, meus recent plays têm sido basicamente uma revisão do que ouvi ao longo do ano, como um teste de sanidade para a minha lista de melhores do ano.

Falando em listas… Com as listas de melhores discos de 2024 começando a aparecer (inclusive, a nossa será publicada na semana que vem), fiquei refletindo sobre os critérios que vejo por aí e sobre o meu próprio critério. Acho que o meu sempre foi uma mistura de clubismo com um tempero de racionalidade — mais conhecido como gosto.

Num mundo cada vez mais cheio de nichos e com menos consensos, a individualização das listas sempre me pareceu algo mais pertinente. Até porque isso ajuda a explicar o motivo de listas de melhores do ano existirem: para jogar um holofote em quem merece, dar reconhecimento e despertar a curiosidade sobre os artistas citados.

Acho praticamente impossível encontrar consensos musicais que conciliem o que os fãs querem ouvir com a ideia de ser trendsetter. Por isso, vejo as listas individuais (como as que criamos aqui desde o início do podcast) como uma solução sem pedantismo, sem soberba, sem elitismo e sem pretensão. Diferente das listas de grandes portais, que muitas vezes geram tanto debate.

Na verdade, acho muito mais interessante olhar para a minha lista e ver alguém discordar de absolutamente tudo, amar a lista do Márcio, ficar curioso com a do Brunno Lopez ou entender a do Vinícius Cabral.

Na semana que vem, publicaremos nosso texto com os discos favoritos de cada um, junto com o episódio do podcast em que debatemos o ano na música.

Concordando ou não com as listas, o mais importante é que, entre os mais de 80 discos que vamos citar, algum deles te emocione tanto quanto emocionou um de nós.


Por Vinícius Cabral

ÁLBUM OU ACONTECIMENTO?

Até hoje não sei se o grande apelo de Diamond Jubilee é musical ou contextual. É importante, por isso, descrever o contexto do disco antes de mais nada. Trata-se de uma obra musical do artista canadense Patrick Flegel (ex-Women, banda super influente do final dos anos 00s), sob sua persona Cindy Lee– seu sétimo álbum por este projeto. É um disco de 36 faixas e 2 horas de duração, que não foi lançado em nenhuma plataforma, a não ser no YouTube, através de um link permitindo a reprodução do disco completo. Além disso, o álbum foi disponibilizado em um link próprio da artista, um website super tosco onde, até hoje, é possível fazer uma doação e baixar o álbum. Apenas recentemente o disco foi parar no Bandcamp, e as mídias físicas estão em pré-venda; um CD duplo e um LP triplo. As mídias virão ao mundo com uma divisão mais adequada a uma audição de qualidade, com direito a letras e tudo.

Esse é o contexto e o formato de uma obra que é, ao mesmo tempo, enigmática e pouco convidativa. Mas e a música?

Quase todo mundo rotulou Diamond Jubilee como “pop hipnagógico”, mas eu ouso dizer que isso não existe. Trata-se de um rótulo cunhado na “era hipster”, no final dos 00s, para se referir a uma linha muito fértil do indie da época, que trabalhava com elementos de big pop dos anos 60s em uma versão bedroom-indie, etérea e lofi (encaixe aqui Panda Bear, Animal Collective, Atlas Sound, a própria Women, etc, etc). Diamond Jubilee, por um lado, apenas sustenta esse legado. Por outro, apresenta a novidade de lançá-lo aos leões em um disco gigantesco e bagunçado, difícil de se definir, mas que acaba funcionando como uma espécie de “catálogo” das sonoridades do alternativo que gente como eu ama incondicionalmente. E nem fui eu, mas o Christian Bravo (nosso apoiador e pensador inconteste), quem disse: “tem tudo o que eu gosto neste disco”. É aí que ele nos pega. Mas não sem percalços. Para se chegar a canções antológicas como If You Hear Me Crying (e tantas outras), é necessário atravessar uma montanha (às vezes auto indulgente) de desvios; canções disformes, passagens, vinhetas, barulhos. GAYBLEVISION é um destes desvios; um delírio synth lofi que soa como uma excrescência absoluta. Uma passagem experimental que não faz sentido nem dentro, nem fora do álbum. Mas acho que esse é exatamente o ponto aqui. Nada precisa fazer sentido. Tudo é lançado como em um fluxo de criação muito livre, sem muitas amarras ou concessões. Essa é a graça do disco, musicalmente falando. Mas também seu calcanhar de Aquiles, e o motivo pelo qual eu acho impossível, e até incoerente, o rótulo de melhor álbum do ano, especialmente com concorrentes tão habilmente amarrados. Ser o acontecimento musical do ano não significa, automaticamente, ser o melhor álbum do ano*.

E o que eu defendo sempre é conceituarmos, dando definições assertivas às coisas. O que Diamond Jubilee é, de fato, é um disco experimental, processual e aberto, com canções que, quando bebem da tradição descrita anteriormente, são capazes de te elevar em um sentido quase metafísico. É o caso da faixa-título, de Kingdom Come, Always Dreaming, Wild One, If You Hear Me Crying, entre muitas outras. São momentos que compensam e premiam quem atravessa, com muita atenção, deferência e, sobretudo, paciência, os percalços de uma obra, a um só tempo, irregular e necessária. É preciso, mais do que nunca, dedicar uma nova atenção à audição musical (temos dito isso com mais frequência do que gostaríamos). E discos como Diamond Jubilee tensionam tanto isso que é impossível ignorar o feito – tanto musical quanto contextual. O contexto, afinal, dependerá sempre da qualidade das canções. Sem grandes canções, não haveria nada a ser dito aqui.

*A Pitchfork, sem muitas surpresas, entregou o prêmio. Logo em seguida na lista deles vem o Brat, em 2º lugar. Como dizem os americanos, “I rest my case”.

Ouça Diamond Jubilee aqui


Por Márcio Viana

100%

Não é possível ouvir guitarras do Saara sem se desfazer de percepções ocidentais sobre música. O som oriundo desta região exige desconstrução, não aquela desconstrução hypada, mas é preciso compreender que a produção musical dos artistas locais é atrelada à situação social e a cultura adquirida.

Eu poderia equivocadamente chamar as canções produzidas pelas bandas tuaregues – em especial o Etran De L’Air, em seu terceiro disco, 100% Sahara Guitar – de mantras, mas seria bastante incompleto dizer isso. O som caracterísco da banda tem aquela estrutura que se baseia em loops orgânicos e corais que transcendem a estrutura que conhecemos de notação.

Se você ler por aí que o Etran De L’Air é uma banda de casamentos, não se assuste. Não é 100% isso, mas é uma verdade. No Níger – em especial na capital Agadez -, país de origem do grupo, é comum as bandas serem contratadas para tocar em casamentos, batizados e eventos políticos, mantendo paralelamente uma carreira profissional com shows e álbuns.

A banda é formada por três irmãos que se revezam nas guitarras e baixo, e um amigo dos três na bateria.

100% Sahara Guitar é o terceiro álbum do grupo, e parece que é o que os projeta para a linha de frente do movimento, junto com nomes como Mdou Moctar, Bombino, Tinariwen, entre outros.

Ouça no Bandcamp:

Ouça aqui


Por Brunno Lopez

QUANDO EP QUER DIZER EITA PORRA

Chegou o famigerado tempo das premiações e as listas já escolheram o norte de seus artistas favoritos. Sabe-se lá como é que puderam mapear toda a música produzida no planeta e escalonar do pior ao melhor sem qualquer receio de esquecer potes de ouro por aí.

Este ano, tirei alguns minutos pra mapear os nomes que fervilharam nos principais portais e revistas digitais de crítica musical em busca de uma artista sul-africana em especial. Se essas pessoas gabaritadas em percepção artística realmente trabalham com os ouvidos afiados — nem vou exigir que sejam afinados —, era de se esperar que a obra de 6 faixas dessa cantora e compositora que cresceu em Joanesburgo e foi pra Boston estudar jazz estivesse presente.

Bem, aparentemente o radar dos especialistas não funciona além dos oceanos Índico e Pacífico. Não existe nenhuma menção à Naledi e seu estrondoso EP Batho. E nem estamos falando de um nicho específico, como o jazz. Inclusive, temos belos lançamentos do estilo em 2024, mas esse não é o caso.

O que Naledi faz aqui é um arrebatamento cultural. Ela transforma o berço de sua bagagem oriunda das comunidades que cresceu num cataclisma antropológico. Brinca com os idiomas entre as canções, transita entre ritmos modernos e quase clássicos, num embrulho com laço de novidade.

Quem escuta não sabe se dança, se reflete, se chora, se respira fundo, se acelera o batimento pra reduzir logo em seguida, se tira os sapatos e sente os pés tocarem a terra quente ou se veste-se com seu melhor traje para um evento de gala.

Naledi te convida para o imprevisível que faz sentido e suas faixas desafiam a capacidade de se incorporar instrumentos e ideias. É o raciocínio solto que se amarra naturalmente. Isso fica evidente em Change, que, tal qual o nome, muda de atmosfera livremente. São sensações irrecusáveis em atos de composição única. O ponto de vista dela é um ponto de exclamação.

Como alguém poderia compor algo como P (x) J e não ser aplaudida quando acorda pra tomar seu café no hotel?

O mais curioso é que ela fala e canta em 7 línguas.
Infelizmente, nenhuma delas é a dos críticos.

Ouça aqui


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana

 

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