Newsletter Vol. 239

A newsletter desta semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!


IT’S A CLASSIC

Por Vinícius Cabral

“TODOS OS MEUS CANTORES FAVORITOS NÃO SABIAM CANTAR”

Silver Jews foi formada por David Berman e os membros do Pavement, Stephen Malkmus e Bob Nastanovich. A gênese comum entre Silver Jews e Pavement sempre manteve a primeira em desvantagem. Mesmo nunca se desviando da esquisitice, o Pavement em 1994 chegou à MTV com um hit. Encabeçada artisticamente por Berman, Silver Jews não teve o mesmo destino.

Seguiu às margens do próprio alternativo nos anos que se passaram e, em 1998, lançou este American Water, um dos discos mais bonitos e consistentes do indie dos anos 90, infelizmente pouco comentado. Ouve-se a voz (e solos de guitarra propositadamente mal tocados) de Malkmus aqui e ali (como em Federal Dust, que assina junto com Berman), mas é extremamente injusta a comparação geralmente feita entre as duas bandas – comparação que, às vezes insinua a confusão entre os projetos.

É certo que o estilo declamatório e lacônico com que Berman começa o álbum – com o inesquecível verso “In 1984, I was hospitalized for approaching perfection”- lembra Malkmus. Mas as audições mais atentas revelam a identidade intransferível de Berman; uma melancolia dolorida, meio fundamental – que chega a “rasgar” em arranjos alt-folk como na linda People ou em We Are Real (de onde tiro o verso que dá título a esse texto).

E a melancolia era real. Berman tirou sua própria vida em 2019, com apenas 52 anos*, e depois de lançar um disco comovente pelo projeto Purple Mountains (que perpetua o estilo inesquecível apresentado em American Water). A realidade é que Berman é um dos muitos artistas que viveu o que cantou e que, por essas e outras, passou à margem de tanta gente, por tanto tempo. Nunca é tarde para reparar um pouquinho a injustiça. Tenho feito isso há alguns meses, e posso afirmar que Berman já integra minha lista de letristas e cantores favoritos – nenhum deles, diga-se, “sabia cantar”.

*Antes que alguém pergunte, eu estou bem. Mas também não é coincidência que esta seja a segunda coluna de “Classics” consecutiva em que falo de artistas que tiraram a própria vida. Isso infelizmente diz muito sobre a marginalização afetiva, econômica e política à qual nossos artistas são relegados neste sistema de merda.

Ouça American Water aqui 


Por Bruno Leo Ribeiro

A VIDA É DOS COMUNS

Bruce Springsteen: 'Nebraska' @ 40 | TIDAL Magazine

Você está dirigindo um carro por uma estrada. Está de noite. E as luzes da cidade estão se afastando no seu retrovisor. Você se vê sozinho. Se afastando da vida agitada de uma cidade. Aí você continua dirigindo. Logo pela manhã, você chega em um vilarejo pequeno. Apenas um posto de gasolina, um bar, uma igreja e algumas casas. Isso é o que sinto quando coloco o Nebraska (de 1982) do Bruce Springsteen pra tocar.

Esse disco é uma jornada onde saímos da nossa bolha da cidade e vamos viver a vida dos comuns e dos esquecidos, com a voz rouca e apaixonada do Bruce Springsteen como trilha sonora. Tudo isso acompanhado por acordes que contam histórias mais profundas do que o oceano. É uma experiência transcendental.

O que faz esse disco ser um clássico? É como se o Bruce tivesse pego um pedaço da alma dos Estados Unidos e o transformado em um disco. As letras são como contos sombrios de pessoas comuns, lutando contra o destino, o amor e a vida em geral. É como se você estivesse sentado em um bar sujo, ouvindo as confissões mais íntimas de estranhos. É aquele meme do cara com um cigarrinho e uma cerveja chorando em um boteco com dois músicos tocando no fundo.

O disco é todo acústico. Praticamente as demos do Bruce tocando em casa viraram o disco. Só ele, violão e pitadas de gaita (há relatos de que ele e a E Street Band chegaram a ensaiar ou gravar uma versão elétrica do disco com a banda toda, mas nunca iremos ouvir isso). Não é nada exagerado, apenas o HOMEM e seu violão, como se estivesse tocando para você em um quarto escuro. É cru, é honesto, é visceral. Não tem como não se conectar com isso.

Vou falar de algumas das minhas músicas favoritas.

A faixa título Nebraska é uma pancada no peito logo de cara. Bruce começa contando a história de Charles Starkweather, um serial killer. A vibe sombria, os acordes simples, é como se você estivesse caminhando por uma rua deserta, sabendo que tem algo assustador no ar. É música para arrepiar os pelos do braço.

Atlantic City é uma daquelas músicas que você não consegue tirar da cabeça. Com sua melodia cativante e letras que misturam esperança e desespero, o The Boss nos leva para o coração de Atlantic City, com todos os seus sonhos quebrados e promessas não cumpridas. Uma verdadeira obra-prima.

Em Highway Patrolman, Bruce conta a história de dois irmãos, um policial e um criminoso, e toda a complexidade dos laços familiares e da lealdade. É como se estivéssemos assistindo a uma cena de um daqueles filmes de drama policial, com todos os altos e baixos emocionais.

State Trooper é uma daquelas músicas que te deixam arrepiado desde o primeiro acorde. Com um ritmo hipnótico e letra enigmática. Aqui, Bruce nos leva por uma viagem pela mente de um homem à beira do abismo. É como se estivéssemos correndo pela estrada escura da alma humana, com medo do que vamos encontrar no final. É intenso, é profundo, é Bruce Springsteen em sua pura genialidade. Taca play que será amor. Pra sempre.

Ouça aqui 


Por Márcio Viana

APENAS FRED

Fred Schneider tem uma carreira longa e conhecida como um dos vocalistas do B-52’s, junto com Cindy Wilson e Kate Pierson. Paralelo a isso, o cantor desenvolveu alguns trabalhos solo. O primeiro, Fred Schneider & The Shake Society, de 1984, não representa uma ruptura com sua banda principal, embora tenha outra pegada.

Onze anos depois, em 1995, Schneider foi além e lançou um disco de punk-rock, Just Fred. Produzido por ninguém menos do que Steve Albini, o álbum carrega no peso e sai da zona de conforto, dando alguns passos para fora da new wave e caindo na roda de pogo.

Just Fred é um trabalho muito divertido e dá para ouvir sem pular faixas, não só por grandes sacadas sonoras – às vezes soando como Ramones, às vezes como Black Flag, outras como Talking Heads – mas também pelas letras espertíssimas, versando sobre relacionamentos, diversão e outros temas correlatos. Mesmo em momentos de se falar sério, como na frase “você é um veneno para mim”, de Bad Dream, Fred traz satisfação aos ouvintes.

Talvez aqui no Brasil este disco tenha passado um pouco batido fora do circuito alternativo, mas vale conhecer e tratar com um belo clássico dos anos 90.

Ouça Just Fred aqui 


Por Brunno Lopez

AQUI NESSE PEDAÇO SÓ TEM PÉ NO CHÃO


Assim que essa frase ecoa no início do disco, já dá pra saber que a energia desses grandes nomes da música brasileira vai ser contagiante e inevitável.
Afinal, não é todos os dias que podemos ouvir Jairzinho Oliveira, Wilson Simoninha, Luciana Mello, Pedro Mariano, Daniel Carlomagno e Max de Castro juntos no mesmo palco.

Talvez um dos maiores acertos da Trama, esse material saiu em 2001 e mostra a força dos então Artistas Reunidos, desfilando toda a brasilidade de nomes importantes de nossa música numa apresentação mais do que impecável.

Clássico perfeito pra terminar os últimos dias de fevereiro.

Ouça aqui 


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana

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