Newsletter Vol. 227

Na newsletter desta semana, nosso time destaca as principais notícias, curiosidades, acontecimentos relevantes e/ou inusitados do mundo da música ou, simplesmente, alguma curiosidade ou indicação. Claro que, cada um à sua maneira, e abordando sempre o universo musical de sua predileção.  


NOTÍCIAS & VARIEDADES

Por Vinícius Cabral

O NOVO VELHO

No início do Scarface de 1983, Tony Montana (o Scarface, interpretado aqui por Al Pacino) fala com o agente de imigração: “Você gosta de comunismo? Experimenta trabalhar 10 horas por dia e, no fim, não ter nada”.

Corta para 2023, e a realidade do mundo do trabalho no ocidente é muito pior do que o pior pesadelo de Montana. Trabalha-se, em média, até mais do que 10 horas por dia, e não é que no fim não tenhamos nada. É que ainda precisamos colocar o pouco que temos na “roda” para conseguir entregar o trabalho. É o caso dos motoristas de aplicativos, que trabalham em um carro próprio (ou alugado) para, no final, entregar em média 40% de seus rendimentos para plataformas que são, em um termo gentil, meras atravessadoras. A verdade é que trata-se de um processo de pilhagem que observamos a olhos nus.

A situação é tão crítica, generalizadamente, que é óbvio que a precariedade iria atingir o setor da música. Além de músicos independentes receberem míseros centavos das plataformas, ainda estão sendo extorquidos na venda de merchs nos lugares onde conseguem se apresentar (como Fantano denuncia dignamente aqui). Mas a pior realidade que atinge a música independente é a da “inevitabilidade” de alimentar as onipresentes e todas-poderosas plataformas.

É um círculo vicioso. Você “precisa” estar nas plataformas de música, pois é lá que o público está. Além disso, você “precisa” publicizar seu projeto em um regime permanente (afinal, sem aparecer nas redes sociais você não “vence” os algoritmos das plataformas de música). Além dos custos normais da produção de um projeto musical, nos obrigaram a servir como funcionários informais das plataformas de música e de redes sociais, travando uma guerra diária contra algoritmos que ninguém sabe como funcionam, e sem ter ninguém para pagar a conta.

É óbvio que isso iria inibir o produtor independente. Os resultados tem sido trágicos. Projetos de pequeno e médio porte têm simplesmente “desaparecido” dos feeds, no caso de não conseguirem manter a rotina de lançamentos e publicações imposta pelas redes. Diversos projetos não têm conseguido e estão, declaradamente, anunciando hiatos, interrupções e mesmo rompimentos antes mesmo de completar o ciclo de seus primeiros álbuns. E há, é claro, uma consequência ainda mais grosseira de todo esse processo. Como tudo precisa funcionar na base do excesso e da “novidade”, os artistas (alguns até consagradíssimos) acabam se repetindo e esgotando suas fontes criativas.

O excesso fomentou, finalmente, o seu contrário. De tanta coisa sendo jogada nas redes como lixo digital, chegamos ao contexto em que parece não haver nada de novo diante do sol. A indústria musical até que demorou para achar a solução para isso, mas ela veio: a nostalgia. Em meio a tanta novidade indiscernível, e diante de tanto ruído para se chegar a algo que gere um interesse genuíno, é natural que o público corra para aquilo que lhe é familiar. Só isso poderia justificar, em pleno 2023, o reaparecimento de bandas encerradas a décadas, como Blur, Suede, Pulp e, pasmem, The Beatles e Rolling Stones.

Não se trata de uma tendência de mercado irrelevante. A revista Mojo, importante referência para nós em parâmetros históricos e críticos, elegeu recentemente o disco novo do Blur como melhor álbum do ano. Vejam bem: não é que o disco seja ruim. É que ele soa como algo que a banda faria em seu período mais consagrado (digamos, de 1993 a 2000). Não traz nada de novo para o catálogo da banda. O disco é, essencialmente, um resgate de maneirismos identitários do projeto, que só pode agradar realmente quem viveu a época, e sente saudades daquela sonoridade específica. Novos fãs podem, inclusive, reverberar uma opinião negativa quando descobrirem que a banda voltou apenas para repetir o que fez (muito melhor) antes.

Em uma chave, como em um golpe de mestre, a indústria musical trocou a sanha por novidades incessantes pelo “novo velho” (termo que tomo emprestado da Bárbara). Produziu um aparente abismo de novidades, para que enfiar nas goelas de um público desavisado (e completamente atordoado) um monte de coisa velha reescrita. E isso vale para algumas bandas novas, que aparecem com os pés completamente enfiados na réplica da sonoridade de outras épocas (caso da Nation of Language, que lançou em 2023 um disco de 1985 e o viu ser eleito melhor álbum do ano pela Rough Trade).

No meio dessa loucura toda, acho que passou da hora de entendermos algumas coisas.

  1. Nem tudo que é novo é interessante só por ser novo, mas;

  2. Nem tudo que é velho é necessariamente interessante (há décadas pobres para a música, e sonoridades antigas que não são universais o suficiente para ainda serem relevantes);

  3. O retrô é reacionário, em essência. Não há como replicar uma sonoridade antiga e capturar a urgência daquilo. As obras realmente relevantes de determinada época tentam, ao menos, fazer um retrato crítico, instigante e afetivo de seu tempo (e é geralmente por isso que se tornam atemporais e universais).

  4. Se não houvesse nada de novo relevante (sob o ponto de vista anterior), daria para tolerar a coqueluche nostálgica. No atual contexto, não dá.

  5. É natural que olhemos para trás. Afinal, diante do cenário de terra arrasada que descrevo acima, com precariedade no trabalho, dificuldades financeiras intensas e depressão batendo à porta, buscamos na música algum tipo de conforto. Fato é que: há muita música sendo feita hoje que captura todas essas angústias, processando-as e propondo saídas.

  6. Precisamos, mais do que nunca, de curadores. Seres humanos que consigam filtrar o que tem sido feito e tragam alternativas para tudo aquilo que tem sido vendido pela indústria como “inevitável”.

Uma das perguntas que ecoa na minha cabeça é: se está tudo ruim agora, qual é o sentido de se olhar para trás para buscar saídas? Não é este o mesmo raciocínio que fomentou a onda política reacionária da qual não conseguimos nos livrar? Depois do “Make America Great Again”, parece que entramos em um processo de “Make Culture Great Again” – está tudo devastado, então olhemos para um passado em que tudo era mais simples e fácil. Querem saber, realmente? Não era*.

Precisamos imaginar futuros. Não bombardear o presente com uma visão idealizada de passado. É possível conviver, hoje, com o resgate de elementos do passado de forma atualizada. É o que digo, sempre, sobre a manutenção de mídias físicas de música como forma de catalogação, pesquisa e registro. Se deixarmos tudo a cargo das nuvens, corremos um risco gigantesco (físico, real) de tudo desaparecer. Mas também não vou, por isso, advogar pelo retorno do hábito de rebobinar fitas K7 com canetas Bic.

Por fim, é importante lembrar que nada é inevitável, ou irreversível. Que estamos no fundo do poço todos nós sabemos. Basta saber se estamos sozinhos neste poço, segurando lanternas com as mãos trêmulas, ou se temos companheiros e companheiras ao lado para ajudar a achar uma corda.

*Alguém aí viveu os anos 80 no Brasil, com inflação galopante e o RPM bombando nas rádios?? Quero esquecer profundamente estes traumas. Não revivê-los.


Por Bruno Leo Ribeiro

QUANDO LARGAR A MÃO?

mao soltando algo - Pesquisa Google | Руки, Картинки

Só pra deixar claro uma coisa sobre o caso da Ana Clara Benevides no show do Rio de Janeiro da Taylor Swift. A Taylor não é culpada de nada. Por mais que ela tenha ficado arrasada, acho que genuinamente deve ter ficado, ela poderia ter feito bem mais. Nessas horas não tem jurídico. É entrar em contato com a família (nem que seja em off), dar seu suporte, adiar o show do dia seguinte de manhã e mandar um simples, “essa é pra você, Ana” durante uma das músicas surpresas do show seguinte. Se ela fizesse isso, não teríamos tanto debate sobre o seu PR.

Não quero fazer um texto sobre moral ou quando é o momento correto pra se soltar a mão de um artista. Cada um tem o seu momento e eu também tenho. Cada um tem uma tolerância sobre essa linha entre o artista e sua obra. Vi muita gente falando “Carol Prado estava certa” sobre o texto do G1 chamando a Taylor Swift de mediana e sem graça. Por mais engraçado que seja, ela não estava certa e não estará.

Para os fãs, decepção. É importante também os fãs terem noção e reconhecerem quando seu artista dá uma vacilada. Entrar em modo de negação pode até acontecer, mas uma hora a ficha vai cair. Muita gente ficou decepcionada e foi largando de mão. Mas ao mesmo tempo temos que respeitar quem não largou. Cada um tem o seu tempo.

Eu vi um movimento enorme de gente que parecia feliz em agora ter motivos pra falar mal da Taylor. Foi um festival de “Vou ouvir Kanye!”, “Ela chupa as ideias de não sei quem”, “Meu ídolo é melhor do que o seu”. Quanta bobagem. Música não é competição. Fanwar é tão patético quanto qualquer assunto que vire um Fla x Flu.

Eu só queria um pouco de lucidez. Vi gente gritando e chamando a Taylor de cretina, mas logo em seguida disse que ia ficar na grade no show do Arcade Fire (mulheres alegaram interações sexuais inadequadas com o vocalista Win Butler, seja por diferença de idade, dinâmica de poder e contexto em que ocorreram).

Joni Mitchell já fez blackface. Kanye já colocou abusador no palco entre outras coisas. Ace Frehley do Kiss é acusado de comportamento antissemita e de colecionar objetos nazistas. Alice Cooper já fez comentários transfóbicos. Ex-esposa do Axl Rose processou ele por abuso físico e emocional. Eric Clapton nem se fala e Phil Anselmo do Pantera também. Enfim… deu pra entender.

Estou completamente exausto desse debate raivoso da última semana. Foram tantos takes bizarros que no fim, as pessoas esqueceram o mais importante. Perdemos uma vida. Perdemos uma fã. Temos que respeitar a família e os amigos dela. Só isso que importa.

Ser fã é criar essa conexão por algum motivo, mas também podemos desconectar. E cada um desconecta no seu tempo. Que a família da Ana encontre um pouco de paz e que os fãs, de quem quer que seja, consigam ter o mínimo de dignidade pra verem seus artistas sem passar perrengue em show no Brasil.


Por Brunno Lopez

AOS QUE ESCOLHEM CONTAR AO INVÉS DE MOSTRAR


Um show é uma experiência, ou era, por muito tempo, unicamente vivida. Você escolhia estar ali pra registrar apenas com olhos e ouvidos todo o espetáculo que se descortinava no palco e nas caixas de som.
A riqueza de detalhes que seu cérebro armazenava era absurda pois não haviam distrações. O foco estava completamente em sua banda favorita, ao lado de seus amigos cantando a plenos pulmões os hits que a rádio ajudou a popularizar.

Então você voltava, fazia questão da presença daqueles que não puderam te acompanhar e descrevia a sua experiência. Sem vídeos de áudio estourando, sem fotos desfocadas do vocalista abraçando o guitarra no solo, sem o braço formigando por ficar estendido na pretensão de armazenar uma memória valiosa num péssimo ângulo tremido.

É difícil ser essa pessoa hoje em dia, mas, se possível, tente ser.
Aprecie o seu artista sem o selo de #EuFui #EuTava. Seja a emoção em meio aos pedestais humanos de smartphones. Escolha contar a sua história ao invés de mostrá-la.

As bandas que você adora vão amar.


Por Márcio Viana

ADEUS, GEORDIE

É sempre desagradável ocupar este espaço para noticiar falecimentos, mas ocorreu neste final de semana a passagem do guitarrista Kevin “Geordie” Walker, membro original do Killing Joke, e o único a participar de todas as formações da banda junto com o vocalista e líder Jaz Coleman.

O Killing Joke foi formado em 1978, em Cheltenham , Gloucestershire, na Inglaterra, e lançou seu primeiro disco em 1980, tendo sido influência para diversas bandas, como Metallica, Faith No More, Nine Inch Nails e Soundgarden, além de ter inspirado Kurt Cobain a criar o riff de Come as You Are, assumidamente tirada de Eightees, do quinto disco da banda inglesa, Night Times.

Uma parcela grande deste poder de influência do Killing Joke certamente vem do estilo de Geordie na guitarra, sobretudo na prática de afinar seu instrumento em um tom mais baixo, possibilitando o uso de cordas mais pesadas, dando aquele tom um tanto mais sombrio, o que viria a ser usado por grande parte das bandas de heavy metal e seus derivados.

O Killing Joke estava na ativa, e há cerca de 15 anos vinha se apresentando com os membros originais (com exceção do baterista Martin Atkins), reunidos após uma separação e várias formações diferentes.

Em março deste ano, a banda lançou o single Full Spectrum Dominance, além de ter lançado em setembro uma gravação de 2003, Wardance, com participação de Dave Grohl na bateria.

Kevin “Geordie” Walker faleceu neste último domingo, 26 de novembro, vítima de um derrame, aos 64 anos.

Ouça Eighties do Killing Joke aqui


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana