Na newsletter desta semana nosso time destaca lançamentos que têm feito suas cabeças. A coluna também permanecerá em aberto para que nossos colaboradores possam trazer pautas livres, caso o ritmo de lançamentos não seja satisfatório.
LANÇAMENTOS/PAUTA LIVRE
Por Vinícius Cabral
A MATA MÁTRIA
Algumas pessoas vão se chocar com essa informação. Mas o Brasil tem uma senhora de mais de 60 anos que compõe e canta canções impactantes e pesadas de roupagem roqueira acompanhada por uma banda de apoio sofisticadíssima, além de Juçara Marçal.
Respirem fundo. Sei que alguns blogueiros de música podem ter tido um ataque cardíaco agora. Mas o que eu falo é real, e essa senhora tem um (célebre) nome: Alzira Espíndola. A artista, que hoje atende simplesmente pelo nome de Alzira E (uma das 8 filhas de uma das famílias mais musicais do Brasil), tem desde 2017 escoado suas composições com a magnífica banda Corte. Em seu primeiro álbum em conjunto, em 2017, Alzira já quebrou tudo. Continua, neste 2023, entregando provavelmente o melhor disco nacional do ano até aqui.
Mata Grossa é um disco de apenas 9 faixas, que nos cativa por um peso fora do comum. Guitarras distorcidas, conjugadas a um saxofone desleixado e a uma cozinha quase “krautrockiana”, com baixo e bateria em loops sólidos, constroem um cenário inusitado. Em algumas canções, como na magnífica Chão do Abandono, parece que os caras do King Crimson foram subir um coqueiro, caíram e, ao seu pé, encontraram Itamar Assunpção recitando poemas concretos aparentemente sem sentido. Imaginem a cena, e o resultado musical dela. É o álbum Mata Grossa.
Alzira domina a estrutura instrumental como uma rainha roqueira. Exalta sua poesia concreta, tantas vezes associada ao Itamar em inúmeras parcerias, e à própria irmã Tetê, que abriu as porteiras, já nos anos 80, para uma cruza entre canção regional e a Vanguarda Paulista. Alzira deixa um pouco de lado a canção regional e se concentra nas porradas mesmo. Ela própria afirmou, sobre o disco, que: “As músicas me soam muito como um grito. Um grito de revolta, um grito de reflexões mais profundas sobre o mundo, sobre a humanidade. São músicas destinadas a essa força, a esse som forte, mais cru”.
O roque venceu. Na primeira canção do álbum (a faixa Mata Rara) os gritos ecoam literalmente, em um coro de gritos de backing vocals (incluindo Tetê em alguns agudos inacreditáveis): “A mata grossa. A mátria goza“. Alzira e a banda Corte invertem e subvertem os (muitos) gêneros em uma experiência musical riquíssima. Em uma das canções mais acessíveis do disco, Filha da Mãe (com participação de Jerry Espíndola e Ney Matogrosso), uma melodia cativante sustenta os versos “femininofônicos”: “Olha a filha da filha, da tua filha, que é minha mãe. Que também é mãe dos meus irmãos“.
Tudo é mãe, tudo é Mátria, tudo é a Mata (grossa) do Mato Grosso do Sul, de onde saiu Alzira, com seus sons distorcidos de natureza. Se Tetê tem pássaros na garganta, Alzira tem onças. E ela solta as onças com uma destreza lírica e melódica marcante.
Como em todo bom álbum de rock, o baixo elétrico tem aqui papel destacado. É ele que dialoga em pulsões com a poesia de Alzira na última faixa, Sobra Falta, onde ela nos conta que “Se sobra sonho, a vida falta. Se sobra vida …Não falta nada“. Alzira E canta a vida, a revolta, o feminino e o masculino em uma catarse rara, terminando sua obra com uma explosão poética e roqueira impressionante. Alzira E e a banda Corte produzem algo que é The Weather Station, La Piba Berreta, Animal Collective. Tudo junto, misturado e apropriado ao belíssimo repertório de Alzira e dos excelentes músicos.
“Não falta nada“.
Mentira. Falta vocês ouvirem nossa Mátria gozar. Porque, quando ela goza, esguicha inspiração por todos os lados.
Por Márcio Viana
MESMO QUE SEJA ESTRANHO
No recente episódio sobre Clássicos Contemporâneos, talvez eu tenha me esquecido de mencionar a estreia de Pitty, Admirável Chip Novo, que completa agora 20 anos e ganha edição comemorativa.
Mesmo que o álbum não seja inovador e traga a cantora e compositora em seus primeiros passos de uma carreira-solo que é gerida como banda, ainda que com diversas formações ao longo dos anos, é fato de que as canções envelheceram bem e desde sempre mostram boa junção de versos.
Mas este texto não é sobre clássicos, então passemos ao lançamento, que é uma versão reimaginada/autotributo, e põe à prova as canções lançadas em 2003. E funciona, a seu modo e ao menos em parte. Principalmente quando pensamos na escolha de nomes para as regravações.
O disco começa com Emicida dividindo vozes com a cantora no hit máximo Teto de Vidro, e adicionando algumas rimas, como não podia deixar de ser. Se o teto é de vidro, a pedrada vem é com a faixa-título, em que o Planet Hemp, com a carga lá em cima desde o lançamento de seu álbum Jardineiros, usa todo seu naipe de punk, hardcore, metal e rap.
Do meio para frente, o disco alterna momentos bons e algumas faixas em que não há muita novidade, mas tudo bem.
Pabblo Vittar, por exemplo, foi uma ótima escolha de timbre vocal para Equalize, manteve a beleza da música.
Gostei bastante do Ney Matogrosso, que fez Máscara ganhar um clima muito mais debochado e irônico, ainda que tenha mudado pouco o template da música (e até tirado o peso). Ney, o maior que temos, faz isso sem alterar praticamente nada em termos de melodia e harmonia. O que ele faz é seguir o conselho do refrão: ser ele mesmo. E isso não é nada estranho.
Nomes um pouco genéricos completam o serviço, e eu entendo que isso faz parte, mas por ora eu vou apenas celebrar as boas versões.
Ouça Admirável Chip Novo (Re) ativado aqui
Por Bruno Leo Ribeiro
PRIMO BEM SUCEDIDO
Nunca fui super fã de Wilco, mas sempre dou play. Acho as músicas da banda super gostosinhas de ouvir e relaxantes, mas não exatamente me emociona 100% do tempo, mas reconheço a qualidade da banda e principalmente do seu clássico de 2002, o Yankee Hotel Foxtrot.
Eles acabaram de lançar um disco novo e fui lá conferir. Quando vi que o disco se chamava Cousin, só lembrei do Cousin Richie (interpretado lindamente pelo Ebon Moss-Bachrach) da série The Bear, que inclusive se passa em Chicago, terra natal da banda que o Vini comenta lindamente na News passada sobre a série.
O disco é super bacana de ouvir. Tem um ritmo calmo e sereno. Só acho que faltou um pouco daquele elemento mais “chiclete” do Yankee Hotel Foxtrot dentro da expansão experimental da banda. Não que eu queria ou desejassse que fosse mais Pop, mas sinto falta das harmonias e melodias que te levam pra um lugar mais confortável e familiar.
Em Cousin, há bem mais experimentação. Mais estranhezas. Mas como costumo dizer, estranheza repetida várias vezes vira repertório. Nem tudo que a gente acha estranho é ruim. De vez em quando a gente precisa dar uma insistida.
Num mundo acelerado e cada vez mais confortável e parecido com medo de testar, ouvir Cousin é uma boa pedida pra gente lembrar que a música pode expandir não só a criatividade dos músicos, mas também de quem ouve.
Por Brunno Lopez
REMIX É NOVO SIM
Quando vi que o The Dear Hunter (o meu, não o do Vinny, lol) tinha lançado um álbum novo, já parei tudo o que eu estava fazendo – eu não estava fazendo nada mas precisava deixar isso com ar de urgência inadiável – e fui conferir naquela expectativa de colocar mais um disco entre os melhores de 2023.
A euforia foi tanta que até ignorei o nome “Migrant Returned” que faz uma referência ao álbum da banda lançado em 2013. Imaginei que poderia ser um segundo ato inédito ou algo do tipo. Só que não era.
Basicamente o vocalista Casey Crescenzo apenas decidiu retornar ao estúdio juntamente com o engenheiro de som Mike Watts e remixar o material para deixá-lo com uma pegada, digamos, mais rock.
Conseguiram? Talvez. Porém, o que importa mesmo é a desculpa de indicar um disco de uma das minhas bandas favoritas por aqui, ainda que não seja algo absolutamente novo. É um seminovo. E em tempos de crise, é mais barato investir nesse do que num 0km.
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana