Newsletter Vol. 205

A newsletter desta semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!


IT’S A CLASSIC

Por Márcio Viana

ME DESBLOQUEIA, LOBÃO!

Nos tempos de intolerância exacerbada e efervescência de atitudes questionáveis, Lobão escolheu um lado, justamente o pior, e além de endossar comportamentos de uma pessoa ruim que chegou ao poder, o artista deixou de dar chance ao contraditório. Qualquer comentário discordante em rede social era razão para ganhar um block do er… “polêmico” cantor.

Mas as coisas mudam, inclusive o artista, que antes se dedicava a esbravejar contra colegas e alguns ícones da dita MPB (algumas vezes com certa razão, é verdade), resolveu até pagar tributo a eles, nem sempre (ou dificilmente) bem sucedido em suas versões. Também não empolgou muito com seu mais recente disco de músicas inéditas. Até aí ok.

O que é preciso admitir é que ao final do século passado, Lobão revolucionou a música brasileira, mesmo que até hoje não tenha recebido os devidos louros por isso. Se à época o grande negócio era misturar o rock com música eletrônica, a real é que a maioria dos que tentaram, chegou a resultados um tanto constrangedores. Mas isso não se aplica de jeito nenhum a Marina Lima e Lobão. A cantora e compositora, como sempre ao longo de sua carreira, resolveu ir estudar a tecnologia MIDI para aplicar em seus trabalhos, e o cantor, de maneira um pouco mais empírica, começou a trilhar este caminho já em Nostalgia da Modernidade, desembocou em Noite e terminou por amarrar tudo isso no clássico A Vida é Doce.

O álbum é resultado de um Lobão convicto da possibilidade de se tornar um artista independente, vendendo discos com tiragem numerada, encartados em revistas distribuídas em bancas de jornal, rompendo com as majors, mas também é resultado de um Lobão que passou quinze dias em coma em 1999, e que acordou com o desafio a si mesmo de provar que conseguiria compor estando sóbrio. Deu certo?

Sim, deu certo, a seu modo, e mostrou ao Brasil que era possível fazer trip hop com sotaque brasileiro e com versos bem construídos. E se o cantor precisava mesmo provar algo a si mesmo, nada como confrontar seu próprio maior sucesso, e em Uma Delicada Forma de Calor (com uma participação não creditada de Zeca Baleiro, para evitar problemas com a gravadora do amigo), Lobão diz “eu tô chovendo muito mais do que lá fora”, em contraponto à frase inicial de Me Chama.

À época do lançamento de A Vida é Doce, Lobão chegou a dizer que chegou a sentir pavor deste disco. Esse sentimento aparece com força na faixa-título, de versos deseperados como “me perdoa, a vida é doce”. Foram tempos em que o cantor era um sopro de criatividade enquanto muitos de sua geração investiam em mais do mesmo.

Por último: há quem associe A Vida é Doce a uma trilogia junto com os citados Nostalgia da Modernidade e Noite. Mas assim como o disco pode ser o fechamento da trilogia, ele pode ser o meio, começando por Noite e encerrando com Canções Dentro da Noite Escura. Há também muitas citações ao Acústico MTV feito pelo cantor, mas esse eu ainda não consigo não ver como uma rendição de Lobão aos auspícios das grandes gravadoras. E eu sigo bloqueado por ele no Twitter.

Ouça A Vida é Doce aqui 


Por Vinícius Cabral

TRANSA, DE CAETANO VELOSO

É mentiiiira! *

Não vou falar do Transa do Caetano. Mas do artista que deu alma, sangue, DNA e inspiração ao consagrado disco do baiano. Sempre que ouço You Don’t Know Me, primeira faixa do Transa, lembro instantaneamente de Farinha do Desprezo, abertura do clássico debut de Jards, também de 1972. A bateria quebrada, os timbres de violão, o clima de ensaio … tudo o que está em Transa provavelmente veio da mente (e da direção musical) de Jards, que aperfeiçoou e torceu aquela estrutura criada para o Caetano de uma forma, até hoje, enigmática e que permite imersões intermináveis.

Este é o Jards. Em suas próprias palavras, em entrevista genial ao portal Monkeybuzz, o mestre afirma: “Eu gosto de fazer as coisas estranhas. Aliás, eu não gosto, não – elas saem estranhas”. Pois é. Se o Transa fosse bom (ooops, quero dizer, estranho), seria um disco do Jards. E só estou falando do Transa até agora porque a história do genial debut de Jards começa com o convite de Guilherme Araújo para que fosse a Londres “ajudar o Caetano a gravar um disco”. O empresário prometeu que na volta ele bancaria um disco solo do Jards. E foi assim que, após ter impresso sua alma no disco de Caetano, o artista “catou” o baterista Tutty Moreno das gravações do Transa e voltou ao rio. Juntaram-se ao gênio Lanny Gordin, e formaram um dos power trios mais potentes da história da música brasileira. Foi no porão mofado do Teatro Opinião que os três mestres interpretaram o disco como um ensaio de jazz-blues-samba-rock experimental. Deu no que deu.

É o próprio Jards que resume seu disco lindamente ao descrever o processo de criação da maravilhosa Movimento dos Barcos, musicada a partir de poema de Capinam: “’Movimento dos Barcos’ é uma canção lírica que eu fiz de uma vez só. O Capinam me deu a letra e eu fui lendo e cantando a letra inteira. Não tem uma frase musical que se repete. Ela é uma serpentina, assim. Você solta a serpentina e ela vai se desenrolando. Ela vai fluindo, vai fluindo, vai fluindo…”. Esse desenrolar da serpentina (uma semiose, afinal) é o que acontece quando o vapor musical do clássico Vapor Barato (como vinheta) se transforma no xote/blues Revendo Amigos. As canções se emendam, somam, subtraem. Somem no ar e depois se recompõem.

É o desenrolar que também define o desenvolvimento de Mal Secreto, 78 Rotações e da visceral Meu Amor Me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata, uma espécie de samba-canção desconstruído, antes mesmo de Tom Zé surfar as possibilidades dessa onda. Este é o Jards. O artista desenrola suas esquisitices, transforma poemas em canções improváveis (seja nas progressões, seja na performance, seja no arranjo). Sempre traz algo para fora do lugar, e é por essas e outras que permanece às margens da opulenta (assim chamada) MPB. Seu disco de estreia foi um fracasso. Jards amargou uma “demissão” da gravadora, o disco foi retirado de circulação (imaginem vocês o quanto não vale uma cópia original hoje) e sua participação no Transa foi praticamente relegada ao esquecimento, por não ter sido oficialmente creditado.

Apesar disso tudo, Maca sobreviveu e segue sendo uma das figuras vivas mais relevantes da música brasileira. Nosso Márcio Viana comemorou recentemente neste espaço o aniversário do mestre, que completou 80 anos. Ficou no segundo escalão do grupo elitista e restrito da MPB, mas guarda o feito de ter influenciado (senão orientado) boa parte deste grupo. Aliás, desorientado, como preferiria Waly Salomão.

*Talvez influenciado pelo clima junino, resolvi brincar com uma espécie de “olha a cobraaa”. A cobra aí, claro, seria Caetano.

Ouça Jards Macalé (1972) aqui 


Por Bruno Leo Ribeiro

SE LIBERTANDO

Minha relação com alguns artistas demoraram muito tempo. Comecei a amar Bruce Springsteen, Prince e Bowie depois de adulto. Minha adolescência foi moldada pelos anos 90. Aquele som e aquela estética me fizeram ser o que eu sou. Hoje em dia os jovens já dizem que The Killers é música de pai. Então de certa forma eu entendo e não critico os jovens. Uma hora eles vão entender.

E foi assim, com o envelhecimento libertador que resolvi ir atrás da carreira do Bob Dylan e falhei miseravelmente. Não sabia nem por onde começar. Quando resolvi escutar Jazz, nem sabia que roupa que precisava usar. Com Bob Dylan foi a mesma coisa. Então fui no mais seguro e fiquei ouvindo com calma o Bob Dylan’s Greatest Hits. Começar com coletânia pode ser bom, mas também pode ser uma maldição.

Mas com o Bob Dylan foi até fácil. Cada música era um “ué! mas eu conheço essa!”. E vai assim até o fim do disco. Nesse the best of só tem “Blowin’ in the Wind” do “The Freewheelin’ Bob Dylan”. Mas a capa do Freewheelin’… Essa sim é tão clássica quanto suas músicas.

Semana passada visitei NYC pela primeira vez na vida. E não poderia ser diferente. Todo aquele turismo musical faz parte dos roteiros da família. Entre um caos na Times Square e um barco lotado pra ver a Estátua da Libertade, fui até a Jones Street em West Village. Um bairro super boêmio com uma atmosfera diferente. Você olha no horizonte ao sul, tem o distrito financeiro. Olha pro norte e vê os prêdios do Midtown. E nesse meio todo tem esse lugar residencial que nem parece NYC.

Foi andando por aquelas ruas que entendi melhor de onde vem a inspiração do Bob Dylan. Ele fala da vida. Levou o Folk para as paradas de sucesso e inspirou muita gente. Na verdade ele inspirou absolutamente todo mundo. E foi com o Freewheelin’ Bob Dylan que ele se libertou, falou o que precisava falar e todo mundo começou a escutar. Até eu, muitos anos depois.

Ouça aqui 


Por Brunno Lopez

O HIT QUE ESCONDEU O TESOURO


O arranjo havaiano despretensioso – ou pretensioso demais – que trazia a vibe de ondas do mar com uma conexão suave por algum reggae escondido nas ruas de Kingston, fez com que Jason Mraz parecesse ser o tipo de artista que se vestiu de mainstream pra poder ficar apresentável na vitrine da indústria musical que está sempre trocando seus manequins.

Só que não.
O músico tem muita profundidade a se explorar e nem é preciso ser um bilionário entediado pra mergulhar em todo esse oceano de talento – e o melhor de tudo, dá pra sair vivo disso.

Prendendo a respiração e indo além dos destroços de ‘I’m Yours’, encontramos artefatos de raríssimo valor musical na odisseia de We Dance. We Sing. We Steal Things. Tirando o óbvio da frente, contornando os pedaços dos aventureiros endinheirados e igualmente desprovidos de inteligência, encontramos ‘Make it Mine’, ‘Butterfly’, ‘Live High’ e outras preciosidades que nunca ficariam na superfície.

Porém, o maior símbolo de grandiosidade do cantor em seu terceiro álbum está escondido na sexta faixa desse museu a mar aberto: ‘Love for a Child’ é a razão de toda a expedição, premiando os ousados – e não adoradores de submergíveis – que não abandonam o barco apenas por não gostarem da bandeirinha pirata tremulando no dia de sol.

Ouça aqui 


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana