06 de fevereiro de 2023
Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana nosso time fuça seus apps de streaming e suas discotecas (físicas) especiais para revelar o que anda nos plays recentes, embalando seus dias. São dicas especialíssimas que revelam os gostos pessoais do grupo e reforçam toda a diversidade apresentada semanalmente em nosso podcast.
RECENT PLAYS
Por Bruno Leo Ribeiro
SESSÕES DE APATIA
Conheci Aoife O’Donava com sua versão completa do Nebraska do Bruce Springsteen e é uma das coisas mais lindas que já ouvi. Sua voz é suave, com um timbre que vai lá na alma e aquece o coração. A versão dela traz uma melancolia bonita, positiva e que traz fé na humanidade igual os vídeos de bichinhos do The Dodo.
Desde então, comecei a acompanhar sua carreira autoral e nunca me arrependi. Na semana passada ela lançou o seu disco duplo deluxe chamado The Apathy Sessions. Um disco com dois volumes com que você dá play e começa a chorar. É de uma beleza única, arranjos primorosos, dinâmica e serenidade. O seu disco de 2022 Age of Apathy foi indicado ao Grammy de melhor disco Folk e o The Apathy Sessions é um complemento desse disco maravilhoso com músicas adicionais e um cover de “I Love You But I’m Lost” da Sharon Van Etten, que a própria autora elogiou e se emocionou.
Um disco pra dar play e deixar rolando o dia inteiro. Você nem vai perceber que ao final do primeiro ciclo, já estará completamente apaixonado por cada nota, frase, acorde e respiro da interpretação da Aoife. Seu som pode ser a trilha sonora da vida de qualquer um. As letras tem sentimentos belíssimos e memórias que podem ser as nossas memórias. É um disco que nasceu pra ser um ícone Folk.
Não existe nenhuma falha nas 20 músicas do disco. As colaborações em algumas faixas, trazem um temperinho diferente em cada parceira. É um álbum pra digerir devagar e com cuidado. Nada precisa ser acelerado, pulado, ou modificado. É um disco longo, precioso e de apreciação emocional. Em tempos de hits de 2 minutos pra Tik Tok, Aoife é uma resistência que responde com calma, talento e uma voz perfeita.
O ano mal começou e já tenho um disco favorito até agora. Os próximos lançamentos do ano que lutem. Vai ser bem difícil me emocionar como o The Apathy Sessions. Boa sorte aos concorrentes.
Por Vinícius Cabral
A MARQUISE LUMINOSA DE TOM VERLAINE
Existe a guitarra antes de Tom Verlaine. E existe a guitarra depois de Tom Verlaine.
Em um vídeo que circulou pelas redes, Nels Cline, guitarrista da Wilco, desconstrói a parte pós-solo da canção Marquee Moon, da Television. Ele fala que a parte é um dos exemplos mais bonitos de escala mixolydian em uma peça de guitarra. Eu não sei que porra é escala mixolidiana, mas eu entendo que nessa parte a harmonia se fixa em uma nota (o ré), enquanto a guitarra de Verlaine vai fazendo uma escala crescente.
É um clímax, depois do clímax, depois de outro clímax. Marquee Moon (a canção) é o arranjo mais memorável de guitarras que já ouvi em uma canção de rock. Começa com dois acordes e, já na introdução, ouvimos uma segunda guitarra em diálogo constante com a primeira. É um arranjo ridículo de tão simples, mas que vai crescendo a partir dessa estrutura inicial. Quase como um punk-progressivo. Sem, é claro, as quebras de tempo e viradas de tom de um rock progressivo. A música é seca e reta como um punk, mas é processual e longa como um kraut. É indescritível, certamente, apesar de gastarmos tanto tempo tentando descrevê-la.
Marquee Moon (a canção e o álbum) são tão influentes que não daria para conceber nada do que veio depois à margem da obra. De Glenn Branca à Sonic Youth, de Pixies à The Dismemberment Plan, Radiohead e Strokes. Nada disso existiria, não fosse Tom Verlaine e sua banda Television. Sobre essa influência, lembro-me sempre de um dia, nos idos de 2006, quando mostrei o novo (e badaladíssimo) single dos Strokes, You Only Live Once para o Christian. Sem pestanejar, ele apenas respondeu: Television.
Eu havia ouvido a banda com amigos mais velhos, obcecados com Verlaine e Patti Smith quando eu era moleque, mas aquilo não tinha batido da maneira certa. Quando dei o primeiro play em Marquee Moon após o episódio com o Christian, não restou dúvidas. Aquilo era a matriz fundamental de muito o que eu ouvira até então. E era sistemática e vergonhosamente copiado pelas bandas dos 00s, que insistiam em ser rotuladas como punks apenas pelas jaquetas de couro e timbres chupados de bandas como Television.
Bom, Tom Verlaine nos deixou. Pelas homenagens prestadas mesmo antes de sua partida (a banda Alvvays lhe dedica uma bela canção, intitulada Tom Verlaine, em seu último disco), é possível observar que se trata de mais um daqueles casos de reconhecimento tardio. Como sempre digo, antes tarde do que nunca. Verlaine possui, além da Television, uma carreira solo interessante a se explorar, e participações sensacionais, a começar pela memorável Break It Up no Horses, de Patti Smith*.
Que as homenagens e retrospectivas comecem pelo clássico absoluto, Marquee Moon. A ponta do iceberg.
*Em tempo: a maior homenagem que vocês lerão é a dela, não a minha. O texto de Patti no New Yorker me emocionou profundamente.
Por Márcio Viana
BAIXANDO A DISCOGRAFIA DE TOM VERLAINE
Minha história com o Television e com seu líder Tom Verlaine foi primeiramente na leitura e não na audição. Por muito tempo ouvi falar em Marquee Moon sem nunca tê-lo ouvido ao longo dos anos 90, por meio das revistas Bizz que eu comprava religiosamente todo mês enquanto a publicação existiu. Dito isso, é fato que a banda era muito citada em críticas, matérias e entrevistas, simplesmente porque a banda era influência de grande parte dos grupos que eu escutava (a gente já falou muito sobre isso, eu sei, mas sempre vale a menção de que as bandas de rock nacional se valiam de seu privilégio de ter discos que ninguém tinha para serem bastante explícitas em suas “influências”. Em tempos sem Google era mais fácil passar despercebido).
Bem, o caso é que, depois de conhecer melhor a banda, obviamente com Marquee Moon, a princípio, ela inevitavelmente se tornou referência para mim, juntamente com o Gang of Four e a Patti Smith. Curiosamente, das três, o Television foi a única banda/artista que não vi ao vivo, embora tenham tocado por aqui em duas ocasiões. O Gang of Four eu pude assistir, não na formação clássica, mas com Andy Gill ainda à frente (soube recentemente que a banda voltou, com o retorno do cantor Jon King e a baixista Sarah Lee. É bem estranho que tenham feito isso após a morte de Gill, figura principal da banda. É como, sei lá, se o próprio Television resolvesse continuar sem Tom Verlaine).
Digo tudo isso para contar que, diferente de outras referências perdidas (ainda não consigo ouvir os discos da Gal e passei meses até conseguir ouvir novamente David Bowie e Chris Cornell), resolvi mergulhar na discografia de Tom Verlaine, com e sem o Television (o que em si não representa uma grande ruptura).
De todos os discos (ouvi tudo que pude em uma semana), acabei por eleger o primeiro disco solo de Verlaine como o meu preferido (depois de Marquee Moon, claro).
Acho curioso até que, com letras bem diferentes, See No Evil, de Marquee Moon, e Kingdom Come, de Tom Verlaine tenham um início foneticamente tão parecido (What I want em See No Evil, Well, I walked em Kingdom Come). Além dela, destaco a beleza de faixas como Last Night e Breakin’ in My Heart, esta com Ricky Wilson do B52′ s na guitarra. Outra curiosidade é que David Bowie gravou Kingdom Come em seu disco Scary Monsters, com Tom Verlaine na guitarra, mas não gostou do resultado e pediu a Robert Fripp para refazer as partes de Verlaine.
Então é isso: fico com esta indicação, mas recomendo que cada um percorra o caminho completo deste que foi um dos grandes responsáveis pelo que se entende hoje como rock. De resto, faço minhas as palavras do Vini no texto acima, tanto no que ele escreveu, quanto na indicação para o texto de Patti Smith, que é a dona de tudo isso aqui.
Por Brunno Lopez
AD INFINITUM E ALÉM
Dificilmente paro para tentar entender as minhas fases musicais, apenas aceito e busco aproveitar na porcentagem máxima a aventura da vez. 2023 tem me empurrado para um lugar que já conheci muito bem, numa época em que Within Temptation e Lacuna Coil marcavam território dentro do meu humor musical.
É até difícil continuar chamando o gênero de symphonic metal em nossos tempos, pois o som que grupos como Ad Infinitum e Beyond The Black fazem é um pouco maior do que o rótulo tradicional. Tanto que os trabalhos dessas duas bandas já começaram o ano não tomando nenhum conhecimento de minhas preferências e foram escolhendo seus lugares no pódio que sequer foi formado entre os lançamentos dessa temporada.
Por enquanto, deixarei os detalhes de Beyond The Black um pouco mais pra frente e focarei nesse projeto que vai para o terceiro capítulo de sua existência. E é capítulo mesmo, pois o vindouro álbum do Ad Infinitum se chama Chapter III – Downfall e trazendo Melissa Bonny em mais uma de suas esplendorosas performances.
Com 3 canções já reveladas, notamos imediatamente que se trata de uma revolução do próprio estilo, equilibrando os elementos clássicos com ideias modernas e melodias imprevisíveis. Uma versão irresistível de uma cena que se retroalimenta há tempos mas agora com um discurso muito mais original e forte. O Evanescence certamente gostaria de ter conhecido essa água em seus tempos mais áureos.
“Somewhere Better” mostra bem o tamanho desse tsunami.
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana