Newsletter Silêncio no Estúdio Vol. 183

23  de janeiro de 2023


Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana, nosso time destaca as principais notícias, curiosidades, acontecimentos relevantes e/ou inusitados do mundo da música ou, simplesmente, alguma curiosidade ou indicação. Claro que, cada um à sua maneira, e abordando sempre o universo musical de sua predileção.  


NOTÍCIAS & VARIEDADES

Por Bruno Leo Ribeiro

MÚSICA É CULTURA POP

A cultura é Pop e o Pop é cultura. Recordar é viver e viver é recordar. Redescobrir algo do passado é abrir a máquina do tempo. Imaginar os contextos da época com a realidade de hoje é prazeroso, mas não há nada de inovador. Achar que Kate Bush ou Metallica tão hitando só por causa de séries no streaming é no mínimo inocente. Existe uma pesquisa, estudo e uma equipe enorme de produção, que escolhem uma música para um filme/série/comercial que não é apenas o gosto do diretor. 

Com o primeiro episódio da nova série HBO The Last Of Us, não foi diferente. O episódio termina com “Never Let Me Down Again” do Depeche Mode e certamente muita gente irá conhecer a banda, a música vai parar no TikTok, vai ter versão Technobrega e a porra toda. E tá tudo bem. Isso é ótimo.

Pensando nisso vou fazer um Top 5 músicas que “foram redescobertas” por causa de um filme/série.

TOP 1 – Bohemian Rhapsody do Queen. 

Essa música pelo menos voltou para o meu radar nos anos 90 com a cena de abertura de Quanto Mais Idiota Melhor com eles cantando a música dentro do carro e batendo cabeça. Um clássico do cinema bestalhão que amamos achar sem graça, mas até hoje se lembra da piada do cara querendo tocar Stairway to Heaven numa loja de música e tem uma plaquinha dizendo “Proibido tocar Stairway to Heaven”. Um clássico. Aparentemente o Freddie Mercury não só aprovou o uso da música como viu e adorou. Ele viu a cena um pouco antes de morrer em 1991. O filme foi lançado em 1992. Veja a cena aqui: https://youtu.be/thyJOnasHVE

TOP 2 Twist and Shout dos Beatles que na verdade é de Phil Medley e Bert Berns.

Só a existência de um filme que mostra o dia de um jovem matando aula com seus amigos já merecia estar no Hall of Fame do Cinema. Curtindo a Vida do Doidado, tem a cena lendária do Ferris Bueller cantando Twist and Shout numa parada. Eu vi tanto esse filme na Sessão da Tarde e na fita VHS que gravei, que tenho certeza que o Ferris me fez mais fã dos Beatles do que qualquer papo palestrinha de entendidos de música que conheci durante a vida. Veja a cena aqui: https://youtu.be/8jOKNM4z9Zs 

TOP 3 Unchained Melody do The Righteous Brothers, 

A famosa música da cena do vaso de barro no filme Ghost, voltou para as paradas logo depois do lançamento do filme. Uma cena única, que ajudou a idealizar um amor maravilhoso que transcende a vida e ajuda até a salvar a mocinha do canalha que matou o nosso querido Patrick Swayze. Veja a cena aqui: https://youtu.be/zG5xlakL7kI 

TOP 4 Running Up That Hill da Kate Bush

Já citada acima, Kate Bush foi a artista que mais gerou takes equivocados de gente que acha que ela era completamente desconhecida antes de Stranger Things. Tão até falando agora que a Caroline Polachek é a Kate Bush de hoje em dia. Enfim… vários takes errados tirando a genialidade de uma artista que praticamente produziu e fez o Hounds of Love sozinha com seu tecladinho. Veja a cena no Stranger Things aqui: https://youtu.be/bV0RAcuG2Ao 

TOP 5 Something in the Way do Nirvana

Mais uma prova que a banda pode ser gigantesca e não será um filme ou série que vai fazer ela ser redescoberta. No filme do Batman mais recente (um dos 600 reboots), Something in the Way do Nirvana cria um clima bacana na cena do filme e é muito legal o uso da música que nem foi single pra ajudar a cena a ficar melhor. Veja a cena aqui: https://youtu.be/reIXndCVIjc 


Por Vinícius Cabral

A SOLUÇÃO SEM PROBLEMA

Não é de hoje que os avanços tecnológicos apresentam profundas contradições e controvérsias.

Diante do desemprego gerado pelas recém inventadas máquinas fabris no século XVIII, os famosos ludistas, ameaçados pelo desemprego ou por péssimas condições de trabalho, quebravam máquinas em sinal de protesto. No século seguinte, Marx chegaria a reconhecer a importância dos avanços tecnológicos para a emancipação dos trabalhadores, que um dia poderiam ser liberados de funções pesadas e degradantes.

Já adentramos o século XXI, e funções pesadas e degradantes continuam existindo, muitas vezes aliadas a invenções vendidas como soluções inescapáveis. Estão aí os entregadores de aplicativo para não me deixar mentir.

A história é complexa, e dialética. As mesmas máquinas que possibilitam nossa emancipação são utilizadas para perpetuar contratos de trabalho pré-industriais, baseados em muita exploração e sofrimento. Existe um debate ético muito premente em relação aos avanços tecnológicos. Afinal, não há emancipação se as máquinas seguem tendo donos com agendas completamente contrárias às dos operadores das mesmas máquinas.

A luta de classes é uma das únicas verdades inescapáveis da história.

Recentemente, aplicativos de IA que produzem fotografias, textos e vídeos têm tirado o sono dos artistas que, no fim das contas, nem se posicionam como classe trabalhadora, mas andam manifestando medo de perder empregos que sequer possuem. O que levanta algumas questões importantes, algumas delas sublinhadas neste vídeo-ensaio extremamente interessante:

1- A IA, em essência, é a evolução de um processo computacional bastante antigo. Ensinar máquinas a pensar faz parte do processo de qualquer programação, da mais simples (como a do microondas da sua casa) à mais complexa (como a de uma IA que compõe músicas). Basicamente, não se trata de uma revolução tecnológica, mas da evolução de um processo bastante consolidado. Não podemos encarar as inteligências artificiais de aplicativos como um progresso revolucionário, como a invenção do rádio ou da televisão. Trata-se de uma ferramenta auxiliar que, ao que tudo indica, continuará sendo dependente de um input.

2- O que me leva a uma constatação fundamental: a inteligência artificial, basicamente, aprende e reproduz padrões. O que chamamos de input é a criação ou apresentação de uma premissa original, sem a qual nenhuma inteligência, artificial ou não, consegue produzir cognição. E quem é responsável pelo input? Pois é.

3- Isso significa que, nem com muito treino, uma máquina poderia escrever versos como: “Tudo cá cá cá, na fé fé fé / No bu bu li li, no bu bu li lindo”. Você pode treinar uma IA a partir de um input, como: “escreva uma letra com repetições sem sentido ao estilo de Luís Galvão dos Novos Baianos”. Talvez o resultado seja interessante. Mas a quebra de padrões e o erro da “matriz” humana são, de certa maneira, únicos e imunes à reprodução.

As conclusões são, na verdade, dúvidas legítimas: o que temem os artistas que criticam as ferramentas de IA? Indo ainda mais fundo: em um período em que milhões de músicas são colocadas diariamente em serviços virtuais de streaming, qual é exatamente o sentido destas ferramentas? Ou ainda: quais problemas elas resolvem?

É óbvio que, artisticamente, milhões de portas se abrem para experimentações, e o avanço das ferramentas pode, realmente, deixar alguns compositores medíocres obsoletos. Mas talvez nunca chegue o dia em que uma IA crie uma melodia, ou escreva versos, totalmente fora da curva. Afinal, quem nasceu para ser Rogério Flausino dificilmente vai virar Luís Galvão.

Acredito, sinceramente, que há tantos criadores medíocres por aí que, ao perceberem que uma máquina produz artificialmente textos, canções e imagens tão padronizadas quanto as suas, se assustem. Afinal, em um tempo em que a inteligência humana tem se artificializado tanto, é de se pensar se a inteligência artificial não é realmente uma solução viável.

Infelizmente, acho que não. Somos nós mesmos que precisamos reaprender a pensar e a criar, subindo o sarrafo. Afinal, só seremos plenamente substituíveis no dia em que tudo o que fizermos for reproduzir padrões pré-fabricados. Se pensarmos bem, este problema sempre existiu e, para ele, a solução é única e exclusivamente humana.


Por Márcio Viana

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL FRENTE À ESTUPIDEZ NATURAL

Diante do desdobramento do texto da semana passada, acrescido do relato pessoal de Nick Cave e do texto acima do Vinícius Cabral, me senti à vontade para continuar minha história com o ChatGPT, fazendo mais experiências e estudando um pouco mais.

De cara, concordo com o Vini em relação ao temor que os artistas passaram a expressar – especialmente o Nick Cave em sua newsletter. Não enxergo, até onde minha vista alcança, um horizonte em que uma plataforma de inteligência artificial vá reproduzir angústias, medos e alegrias que sejam catalisadores de novos versos. Nem mesmo se Nick Cave entrar num curso de programação e criar e alimentar sua própria plataforma com palavras previsíveis. Bem, a menos que ele queira passar a se valer de uma linha de produção de canções e não se comprometa com a qualidade delas.

Senão vejamos: eu não conheço tão bem a obra dele a ponto de saber se a IA imita tão bem o cantor australiano. Mas pedi para o ChatGPT escrever uma canção ao estilo Bob Dylan, e ele foi lá pros anos 50, se vestiu de hippie e me entregou uns versos cheios de “eu vi”. Parecia aqueles profetas de rua dizendo que o fim está próximo.

Um outro experimento que fiz foi mandar alguns versos prontos e ver se a máquina completava. Mais uma vez, o robô me entregou como complemento dos versos melancólicos apresentados, palavras de auto-ajuda do tipo “mas eu vou vencer, vou encontrar a minha verdade”. Pedir Nirvana e receber Jota Quest não parece ser o melhor dos mundos.

Em seu livro 21 Lições para o Século 21, Yuval Noah Harari concorda conosco quando diz que ainda não há chance de estarmos em um pesadelo de ficção científica em que as máquinas adquirem consciência. Existe, é claro e inegável, um controle dos algoritmos para análise e personalização de playlists e recomendações, mas isso já é outra história. O robô-compositor, até aqui, é só mais um gerador de lero-lero. O risco, porém, ainda citando Harari, é que a IA sirva para dar vazão à EN – Estupidez Natural dos humanos. Se não há perigo de uma rebelião de robôs-assassinos, mas lidamos e podemos ter que lidar ainda mais com bots que sabem tudo sobre nós e usam isso para vender mais e mais soluções (parafraseando o texto do Vini) para problemas que não temos. E vamos de Kraftwerk:

Ouça Kraftwerk, We Are The Robots aqui


Por Brunno Lopez

WALKMAN DIGITAL NÃO FAZ O TIPO ATEMPORAL

Há tempos temos notado uma avalanche cada vez mais gigantesca de reinvenções e revisitações. Seria apenas nostalgia ou talvez a contemporaneidade seja incapaz de criar algo forte e duradouro o bastante? De onde vem essa infinita motivação de trazer o passado para o presente, ainda que remodelado?

Em alguns casos, por mais que num primeiro momento pareça algo acalentador, que nos leva para locais confortáveis de um tempo que não volta mais, logo a experiência se descola disso, pois não é possível reescrever sensações em épocas distintas.
A cabeça que temos hoje foi gentilmente estragada pelo abominável mundo adulto e suas atribulações de sobrevivência, não vai ser um produto que será capaz de resgatar hábitos e vivências.

A Sony pode vir com um Walkman junto com Spotify e suas 36 horas de autonomia, porém, isso vai impedir que o usuário continue fazendo 300 coisas ao mesmo tempo enquanto a música continuará sendo um background. Ou, num caso realmente peculiar, se o indivíduo sair apenas pra se concentrar em ouvir o som, não existe todo o romantismo de pegar uma fita cassete, sintonizar numa rádio aleatória e manter o REC/PLAY e PAUSE pressionados na esperança de gravar a canção sem que o locutor fale em cima. Ainda que exista o conceito de playlist atualizado, compilações digitais sempre representarão mais facilidade do que aquele esforço artesanal de se reunir as músicas favoritas. Porém, facilidade não é necessariamente sinônimo de algo estimulante ou que cause um apreço forte dentro do emocional.

Lembramos do walkman hoje pela revolução que música e aparelho causaram. Será que daqui a 60 anos as pessoas vão querer fazer uma homenagem para o streaming não palpável?


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana