Newsletter Silêncio no Estúdio Vol. 175

28 de novembro de 2022


Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana nosso time faz uma homenagem ao gigante Erasmo Carlos. 


SILÊNCIO DE LUTO

GIGANTE

Por Vinícius Cabral

Me preparava para almoçar. A boca secou, o apetite sumiu. A terça-feira perdeu totalmente o brilho. Amigos mandaram mensagens, atônitos. Minha mãe lacrimejou na mesa do almoço – a canção Filho Único é uma de nossas trilhas recorrentes. 

A esposa me ligou para saber se eu estava bem. Eu não estava. Parecia ter perdido um amigo. Lembrei de Grilos. A canção é trilha de diversos momentos marcantes de Vinícius e Bárbara. Ecoava na minha mente como se fosse um mantra, enquanto eu lembrava que na noite anterior, com a nova godofredo, eu tocava a canção, mudando o tom de Mi para Fá sustenido. Horas antes do gigante partir, cantávamos seu clássico, felizes por agregá-lo ao repertório da banda. 

São muitos momentos. Desde quando, lá pelos idos de 2010, os falsetes de A Banda dos Contentes mudava totalmente minha concepção sobre rock em português, estimulando várias conversas com o Christian (o meu próprio irmão camarada). Como falamos em nossa homenagem a esta lenda da música (desta vez, publicada enquanto o artista ainda vivia), boa parte da identidade do rock brasileiro nasceu com o Gigante. Começou com o “erasmês”, e com o Splish Splash como onomatopéia para o beijo roubado pelo garoto malandro e romântico da Tijuca. 

A homenagem racional, cronológica e biográfica de Erasmo nós já fizemos. Resta aqui tentar descrever o quanto sua obra e sua aura mudaram definitivamente a minha vida. A forma como eu analiso cada palavra de uma nova canção, para sentir se fica legal e “natural” numa métrica; a forma como eu tento simplificar cada verso, para caber em uma descrição cotidiana que o ouvinte possa levar para onde quiser; a forma como eu tento poetizar minhas obsessões … tudo isso, e muito mais, é fruto de Erasmo Carlos

E quero lembrar deste Erasmo com a boca no trombone. Dono de uma fala muito particular e assustadoramente acolhedora. O mestre da conciliação entre a agressividade roqueira e a doçura do filho, do marido, do pai. 

Do pai biológico, do pai adotivo. Do pai de todos nós, que tiveram em suas canções alívio, alento e inspiração. Obrigado, Gigante. Sua gentileza fica, a partir de seu olhar eternamente amoroso e apaixonado pela vida. 

GENTIL

Por Márcio Viana

A alcunha Gigante Gentil, dada a Erasmo por ninguém menos que Lúcia Turnbull, outro ícone da música brasileira (que merecia um reconhecimento bem maior, é verdade), não é nenhum exagero. Primeiramente pela altura do Tremendão, com seus 1,93m e principalmente por seu caráter, que se não percebido diretamente em sua obra, pode ser notado no brilho nos olhos de todos os que falam sobre ele desde sempre.

Ao longo de sua carreira, desde a Jovem Guarda e desde seu início como compositor, desde que aprendeu a tocar três acordes com o amigo Tim Maia, outro adepto do do-it-yourself (os dois foram punks antes do punk, fala a verdade), a gentileza em compartilhar suas ideias foi sempre sua marca. Basta notar a quantidade de composições de Erasmo gravadas por artistas ao longo das décadas.

Reza a lenda que no início dos anos 70, Erasmo Carlos conseguiu ingressos para assistir a uma apresentação de Elvis Presley em Las Vegas, e notou que no restaurante do hotel do show principal, artistas contemporâneos de Elvis se apresentavam. Artistas que não tiveram o mesmo sucesso do Rei do Rock e foram relegados aos side-shows consideravelmente menores. O Gigante sentiu o baque. Até então, ele era o Erasmo da Jovem Guarda, o outro Carlos depois do Roberto.

E foi aí que nós conhecemos o Erasmo dos anos 70, de Carlos, Erasmo, o homem que tinha Sonhos e Memórias, que passou a enxergar a floresta e não só a árvore e foi buscar inspiração e parcerias com nomes de fora do movimento, que já deixava de ser protagonista, aliás. Ao contrário do amigo Roberto (a quem sempre amou e respeitou e continuou colaborando, inclusive), que preferiu seguir uma carreira linear, o gigante continuou passeando com leveza pela música brasileira e exercendo um papel (pouco percebido, a bem da verdade) de cronista de cada momento da história.

Foi assim que a gente viu o cantor se adaptando aos 80, tirando uma folga nos 90 e voltando cada vez mais roqueiro dos 2000 em diante e se mantendo produtivo até a despedida, fazendo reverência à sua querida Jovem Guarda, mas com cara e produção moderna.

Quando o Vinícius Cabral lançou a ideia de fazermos um episódio sobre o Erasmo Carlos e me perguntou se eu queria participar, confesso que não me senti preparado num primeiro momento. Eu não sabia direito se conhecia tanto da carreira dele a ponto de fazer uma homenagem à altura. Aí eu fui ouvir os discos e descobri que as canções dele sempre estiveram presentes em minha lembrança, e me senti até privilegiado. Nos anos 80, por exemplo, as músicas surgiam em programas de auditório, em inserções em programas como o d’Os Trapalhões, e aquilo tudo tomava conta da vida da gente. Caráter se forma assim, dizem.

Foi em 2017 que eu vi o anúncio de um show de Erasmo a acontecer no Sesc Pinheiros e resolvi convidar meus sogros para irem assistir, e fomos os quatro – eu, esposa, sogro e sogra, cada um com uma expectativa diferente, provavelmente. Minha sogra, fã de Roberto, perguntou se a Wandeca (um dos apelidos de Wanderléa) estaria no show – para ela, era o Erasmo da Jovem Guarda quem estaria ali. Eu estava um pouco curioso por saber da sonoridade da banda de apoio, formada pelo grupo Filhos da Judith, que o cantor resolveu chamar para ser sua base, acrescida de outros músicos, entre ele o guitarrista Billy Brandão, frequente em bandas de apoio, especialmente em colaborações com Lobão e Frejat, entre outros.

Eis que Erasmo subiu ao palco e abriu o show com a faixa-título de seu disco de 2014, justamente o de seu apelido elaborado pela amiga Lucinha Turnbull, e falando com bom humor sobre como reagiu ao ciberbullying de internautas que ousavam chama-lo até de “morto-vivo”. Era o cantor sendo mais uma vez o cronista dos nossos tempos.

O fato é que, como sempre, o cantor entregou um show para todos os que estavam ali, independentemente da expectativa, com direito a um momento de voz e piano com baladas clássicas. Ao final, à minha frente, uma pessoa se levanta da plateia e se dirige ao backstage. Era o guitarrista Luiz Carlini, pronto para dar um abraço no velho amigo.

Por fim, vale lembrar que é de Erasmo a autoria de Meu Nome é Gal, a qual ele contou ter batalhado pelo direito de compor, e na qual aproveitou para inserir desabafos pessoais sobre o que vivia naquele momento. Inevitável pensar no simbolismo de duas despedidas em tão pouco tempo de distância. Ficam a música e a história, ficam os sonhos e as memórias.

Ouça aqui o “Lendas da Música – Erasmo Carlos”


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Vinicius Cabral, Márcio Viana, Bruno Leo Ribeiro e Brunno Lopez.