Newsletter Silêncio no Estúdio Vol. 174

21  de novembro de 2022


Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana, nosso time destaca as principais notícias, curiosidades, acontecimentos relevantes e/ou inusitados do mundo da música ou, simplesmente, alguma curiosidade ou indicação. Claro que, cada um à sua maneira, e abordando sempre o universo musical de sua predileção.  


NOTÍCIAS & VARIEDADES

Por Bruno Leo Ribeiro

ROGERIZANDO O PINK FLOYD

Não foi surpresa pra mim a notícia sobre a nova versão de Comfortably Numb do Pink Floyd num tom mais baixo e sem o solo do David Gilmour. 

No show do Rogerinho Águas, ele abre com essa versão. Como se ele tivesse se inspirado nas trilhas do Hans Zimmer, ele faz uma versão sombria e cinematográfica, mas sem alma. Foi o ponto mais baixo do show dele. 

Como ele abre com essa versão, antes mesmo de subir no palco, ficou com cara de vinheta de abertura, então nem liguei muito. 

Mas mudar essa música e tirar a melhor parte, que é um dos solos mais inspirados do David Gilmour, é mais do que uma decisão criativa, mas sim uma versão cheia de recalque e raiva do seu ex-companheiro de banda. 

Roger Waters mais uma vez sendo um chato querendo chamar a atenção. 

Ouça aqui a versão nova


Por Vinícius Cabral

EU NÃO QUERO MAIS A MORTE. TENHO MUITO O QUE VIVER

É muito difícil acompanhar a história. E interpretá-la, à medida em que a vemos se desenrolar diante de olhos (e ouvidos) nem sempre preparados para tantos acontecimentos marcantes. Nossos sentidos literalmente não conseguem absorver tanto estímulo, especialmente nesta era de overdose de informação (nem sempre relevante, diga-se).

Só no último mês e pouco no Brasil, falando estritamente de música, recebemos um dos festivais gringos mais legais da atualidade, vimos carreiras renascerem, e outras terminarem. Vimos também a morte. Na semana em que Gal Costa nos deixou, não foram poucas as lembranças. Quase tudo fragmentado, nos clipes que consumimos freneticamente nas infames redes sociais. Um pedaço de música aqui, um corte de entrevista ali, um depoimento, fotos (muitas fotos), canções linkadas em aplicativos. O todo de Gal, a entidade gigante, se afoga em cada fragmento. 

Um vizinho resolveu largar os micro-fragmentos e passou três dias ouvindo o Fa-Tal. Ainda uma parte do todo. Mas pelo menos uma parte mais extensa, reveladora e sólida. A arte de uma cantora, afinal, é seu canto. Nunca esgotamos Gal, mesmo passadas as 24 horas de cada storie que aparece tentando capturar (em vão) uma vida de canções, sentimentos e cantos eternos. 

E é de canto em canto que chegamos, dias após a passagem de Gal, ao fim da carreira de Milton Nascimento nos palcos. Os dois obviamente se conectam por suas vozes ancestrais, divinas. Portadoras de uma potência incalculável e inimitável. Mas dividem-se no curso da história da música brasileira. Milton tem como parte de seu todo o famoso Clube. O Clube que, em 2022, começa a ter suas contas acertadas com a história e com a crítica. Muitos, inclusive eu, que falo de tanta coisa aqui, talvez não tivessem se dedicado devidamente à memória do Clube da Esquina– o álbum e o contexto. Arrisquei minhas primeiras reflexões sobre a obra em nossa edição #140. Mas ainda é muito pouco.

O todo de Milton é virtualmente inalcançável. O compositor e cantor tem como legado mais de 30 álbuns de estúdio (sem contar os ao vivo), parcerias internacionais históricas, clássicos inesquecíveis. Se pouco se conhece de sua vida pessoal (vítima de muitas especulações e boatos toscos),  é sua obra que realmente nos arrebata. Como nos arrebatam os solfejos em Clube da Esquina N° 2, ou as vocalizações épicas de A Matança do Porco. A voz do mestre é comumente descrita como sobre-humana. Os adjetivos celestial, ou angelical são sempre lançados para descrevê-la. Talvez porque desperte em nós uma atenção quase devocional, em seu misto único de potência, carga dramática e suavidade. 

Como a atenção anda escassa, não deixa de ser fenomenal a paixão e entrega do enorme público que se reuniu no Mineirão para ver Milton nos palcos uma última vez. A despedida é um fato meio inacreditável em si. Com artistas imortais, como Milton e Gal, é inconcebível pensar em uma última performance, um último disco, uma última nota. Bituca se despede sem nunca ter ido. Gal se foi realmente, em corpo, mas não nos deixa órfãos diante de uma obra linda, ainda por ser descoberta e esmiuçada. 

A despedida de Bituca foi transmitida ao vivo, e será vista e revista muitas vezes ao longo do ano. Quanto à Gal, ainda há inúmeras pérolas para desenterramos, como as duas apresentações que linko abaixo, do início dos anos 70 com a super-banda Som Imaginário*. 

É muito difícil acompanhar a história, mas com projetos e registros fixos como os que mantemos semanalmente com vocês aqui, é possível ao menos tentar. Que a arte que estes gênios nos deixaram sirva de inspiração para muitas novas viagens. 

*As dicas foram cortesia do infalível Fábio Correa

A primeira apresentação é um programa Ensaio da TV Tupi, de 1970, que tem Gal como protagonista em um show que reúne a Som Imaginário (banda-base de Milton à época, aliás) em sua formação completa, com Fredera, Tavito, Rodrix, Tiso, Luiz Alves e Robertinho. O programa tem nos intervalos das canções depoimentos sobre a Gal, incluindo um de sua mãe, e um de Tom Zé (que viralizou em um clipe pelas redes). O segundo show é da turnê do álbum Índia, no Teatro Bandeirantes, 1973, e traz a Som Imaginário com as incríveis adições de Toninho Horta e Dominguinhos

Veja aqui Gal Costa e Som Imaginário na TV Tupi (1970) 

Veja aqui Gal Costa e Som Imaginário no Teatro Bandeirantes (1973) 


Por Márcio Viana

É QUE A VIOLA FALA ALTO NO MEU PEITO, MANO

Me sentindo muito bem representado pelos textos do Bruno Leo na newsletter passada e do Vini logo aí acima, vou me limitar a dizer que foi grande o impacto em mim pela perda da Gal, e me veio algo parecido com o que senti em relação a David Bowie, quando passei meses sem conseguir ouví-lo. Vai chegar o momento de revisitar toda a obra de nossa maior voz, de fazer um especial, um Raio-X, um Lendas da Música, e certamente o faremos com muito empenho.

Dito isso, quero render a justa homenagem a um igualmente gigante que nos deixou aos 86 anos, na mesma quarta-feira em que estávamos perplexos pela perda de Gal. Rolando Boldrin, o nosso Sr. Brasil (nome de seu programa na TV Cultura, frequentemente gravado no Sesc Pompeia, em São Paulo), tem um papel fundamental na história da música brasileira, para além da música caipira com a qual era fortemente identificado.

Antes do Sr. Brasil, Boldrin apresentou o épico Som Brasil na rede Globo, entre 1981 e 1984 (sendo substituído por Lima Duarte, que seguiu linha parecida, dando espaço a muitos artistas de diferentes linguagens).

Por esta época, Boldrin esteve na concorrência, apresentando no SBT o programa Empório Brasil.

No Sr. Brasil, o cantor e apresentador esteve à frente desde 2007.

Em minha experiência pessoal, tenho muita lembrança de Rolando Boldrin, por influência de meu pai (quem acompanha o podcast já deve ter se cansado de me ouvir contar que ele era prensista de LPs na RCA-Victor e ganhava muitos discos de brinde, inclusive de outras gravadoras). A figura de cantor e contador de causos ainda me vem muito à memória, por trazer esta linguagem que obviamente ainda me influencia na hora de fazer meu storytelling.

Uma outra lembrança marcante é a capa do disco Caipira, que faz uma paródia com Boldrin encarnando o personagem Caipira picando fumo, do quadro de Almeida Junior.

E para marcar toda essa importância como catalisador da música brasileira, compartilho aqui um grande momento de Rolando Boldrin, no Empório Brasil, recebendo Itamar Assumpção e Alzira Espíndola, simbolicamente com a canção Tristeza Não.

Assista aqui


Por Brunno Lopez

LEIAM O TEXTO ACIMA

Tudo o que eu queria dizer, o Márcio escreveu. E a história dele com o artista, deixou tudo ainda mais bonito e forte.
Ele me faz lembrar grandes momentos em que assistia ao programa do Rolando ao lado do meu pai, numa infância não tão distante. Incrível como essas lembranças nos conectam com personalidades de pessoas que amamos, em momentos que parecem corriqueiros mas que são reconfortantes de olhar de novo.

Sorte daqueles que sabem colecionar as memórias e crescem com a possibilidade de entrar em contato com artistas desse nível.
Obrigado Rolando. E obrigado Márcio.


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana