21 de fevereiro de 2022
Bom dia, boa tarde e boa noite queridos leitores / ouvintes do Silêncio no Estúdio. Na newsletter desta semana nosso time destaca lançamentos que têm feito suas cabeças.
LANÇAMENTOS
Por Bruno Leo Ribeiro
LADRÃOZÃO ROUBOU MEU CORAÇÃO
Fui começar a prestar mais atenção no Big Thief depois do nosso episódio de melhores discos de 2019, quando o nosso querido Vinícius Cabral colocou em sua lista, dois discos lançados pelo Big Thief. Fazer UM disco bom já é complicado, fazer DOIS então, não é pra qualquer um. Fui ouvir as indicações dele e gostei bastante.
Mas eis que o Big Thief comunicou no ano passado que iria lançar seu novo disco em 2022, com uma produção mais real e tocando ao vivo em estúdio. Quando saiu o primeiro single, eu nem quis ouvir. Algumas bandas que não sou tão fã (ainda), prefiro ouvir o disco completo assim que é lançado e esperei sair o “Dragon New Warm Mountain I Believe in You” e toquei play assim que deu meia noite e melhorou o meu dia. Valeu cada segundo.
O disco traz um clima de folk moderno, com toques Nebraskeanos do Bruce Springsteen, misturando um sentimento e leveza do Wilco, com a personalidade na voz da Adrianne Lenker, que lembra as grandes vocalistas de Girls Rock dos anos 90.
É uma mistura de muita coisa de bom gosto e com muita sutileza. Te leva pra uma jornada de emoções de 1 hora e 20 minutos com 20 faixas de duração, que na primeira audição pode parecer longo demais, mas depois fica suave.
É um disco pra dar play e sair andando pelas calçadas em dias nublados pra nos fazer companhia. É um disco introspectivo, sem parecer um disco feito pra isso. A melancolia é natural. Tudo está nos detalhes, nos arranjos e na produção.
É coisa linda demais ouvir um disco com músicos tocando ao vivo no estúdio, se conectando sem precisar editar tudo e gravar um de cada vez pra montar o quebra-cabeça. O “Dragon New Warm Mountain I Believe in You”, é um disco pra gente lembrar como a música pode ser simples, linda, direta, melancólica e acima de tudo, real.
O Big Thief é o grande ladrão do meu coração em 2022 até agora. Disco nota 10.
Por Vinícius Cabral
O RETORNO DOS QUE NÃO FORAM
Em linhas breves: sim, a banda Animal Collective finalmente lançou um álbum de relevo após mais de uma década. Nem seria exagero dizer que trata-se do melhor álbum da banda desde o consagrado (e incomparável) Merriweather Post Pavilion. Também não seria exagero destacar que, desde o Strawberry Jam, de 2007, a banda não funcionava tão bem.
Neste momento, uma reflexão fundamental se apresenta. Ano passado, cheguei a comentar neste espaço a respeito de um – belo – artigo da Pitchfork, que problematiza o legado do Merriweather. A questão premente era simples: como um álbum tão inventivo, com o potencial para mudar totalmente o indie, acabou não fazendo isso? 12 anos depois do lançamento do cânone, a própria banda parece resolver a questão.
Em retrospecto, está muito claro que a ousadia sônica do álbum de 2009 não tinha muito como ser superada. Era um cruzamento inédito entre toda a “cultura sampler” que povoara até então a música experimental, com o senso melódico e harmônico dos compositores (Avey Tare e Panda Bear, cada um se apropriando de determinados sub-nichos do indie). Avey Tare, mais afeito às longas letras sem estruturas claras, influenciado por Jane´s Addiction, Beck, The Dismemberment Plan e, até mesmo, pelo rap moderno. Enquanto Panda Bear passeava por cenários mais “loopeados” com suas bases, e acenava constantemente à Brian Wilson nas melodias, em um conjunção que foi caracterizada por muitos como uma síntese entre Daft Punk e The Beach Boys. Era muito inovador para ser superado. As bases eram etéreas, “líquidas” e totalmente modernas, mas as melodias e os arranjos vocais apontavam para algo “tradicional”, o que produz até hoje um encanto fenomenal.
A própria banda tropeçou durante esse tempo todo na tentativa de “seguir em frente”. Transformaram a experiência espontânea descrita acima em estruturas mais “quadradas” de canções indie pop sem nenhum apelo, em uma clara tentativa de “conformar” a inovação em uma espécie de “psicodelia comportada”. Mas a inovação manteve-se no espírito dos rapazes de Baltimore, diluída em projetos multimídia, discos solo e aparições ao vivo não-convencionais. Foi o suficiente, talvez, para manter a chama acesa para voltar a queimar de verdade em 2022.
Em Time Skiffs, eles reúnem o time completo (Avey Tare, Panda Bear, Geologist e Deakin) para entrar no estúdio e fazer o que a muito tempo não faziam: tocar como uma banda. Finalmente, parece que a construção mais etérea de Merriweather alcança um “chão”, em uma clara evolução do que a banda apresentou em alguns momentos – notadamente em Strawberry Jam. E, sim, muitas vezes a estrutura instrumental das canções aponta para lugares “clássicos” (há canções aqui com guitarra, baixo, teclado e bateria). Os samplers não tomam conta totalmente da “cozinha”, ocupada agora principalmente por um condutor de primeiríssima linha (o Panda Bear), com seus beats suingados que seguram brilhantemente as canções. Uma das faixas centrais do disco, a perfeita Prester John, deixa esse novo esquema bem evidente: mistura um loop hipnotizante, numa levada meio dub, com estrutura de canção pop tradicional e uma maior definição nos arranjos vocais. Eu não imaginava que isso fosse dar tão certo. Mas deu, e da melhor forma possível, com a banda gravando o álbum em estúdio ao vivo. Tudo isso salta aos ouvidos, e marca a deliciosa conclusão de que o Merriweather é, finalmente, “continuado”. Não se tratava de aprofundar o impressionismo das paredes e o universo etéreo das canções. Era uma questão de dar alguns passos atrás, para tentar fazer aquilo tudo funcionar com uma banda tocando ao vivo e com uma timbragem mais sutil e orgânica. Funcionou.
E funcionou tanto que Time Skiffs nos traz algumas das melhores canções da carreira (já de dois dígitos) da banda estadunidense, como Car Keys, Cherokee e Royal and Desire. Essa última, inclusive, cantada pelo Deakin, chega a lembrar o homem-da-hora, Neil Young. É uma melodia profunda, sútil e repetitiva, em um clima folk que poucas vezes no passado a banda acessou. Certamente Time Skiffs não será o álbum do ano. Não estará, até mesmo, no pódio dos melhores discos da banda. Mas seguirá como um importante documento explicitando que, bons caminhos explorados no passado, podem (e devem) ser reapropriados em novas estruturas, para seguirem soando frescos e surpreendentes.
Por Márcio Viana
EXISTÊNCIA/RESISTÊNCIA
Talvez o Midnight Oil tenha sido subestimado ao longo de sua carreira. Frequentemente associada ao surf, a banda é bem mais do que isso. Basta notar a sólida participação do gigante vocalista Peter Garrett na política australiana, chegando a assumir cargo de ministro em mais de uma pasta ao longo dos anos e governos.
Mas a banda segue. Ou seguia, ou seguirá, mas de forma diferente: eles anunciaram recentemente a despedida dos palcos – eles juram que é pra valer, e pode ser mesmo, já que este ano o membro mais velho da banda, o próprio vocalista, completa 69 anos.
Quis o destino, porém, que seu integrante mais jovem tenha morrido antes: o baixista Bones Hillman, que tocava com a banda desde 1987, faleceu aos 62, em novembro de 2020, portanto depois das sessões de gravação que resultaram nos dois últimos álbuns do grupo, Makarrata Project, lançado uma semana após a partida do músico, e este Resist, lançado em 18 de fevereiro deste ano.
Dado o retrospecto, é inevitável que se preste atenção nas partes gravadas por Hillman, que se faz bastante presente: as linhas de baixo e os vocais de apoio não decepcionam, e Resist é um disco que deve agradar aos antigos fãs, mantendo aquele nível alto que se conhece do principal clássico da banda, Diesel and Dust, de 1986.
O destaque mais óbvio vai para o single At the Time of Writing, mas é um bom disco para se ouvir inteiro, desde o início mansinho de Rising Seas (que vira um rockão ao longo de sua duração) até os trovões de Last Frontier. E The Barka-Darling River tem uma mudança no andamento bem impressionante, em seus mais de seis minutos de duração.
Apesar da decisão de se despedir das turnês, a banda deve seguir em frente gravando novos discos. Em entrevista ao jornal inglês The Guardian, o guitarrista Jim Moginie, fundador do grupo junto com Garrett, diz que ainda falta à banda sua versão própria de Sgt. Peppers, antes de esclarecer que este é seu disco menos preferido dos Beatles. Nem precisa chegar a tanto, mas vale continuar a existir/resistir.
Por Brunno Lopez
É ELA
A cantora que está acostumada a deixar todos os seus ouvintes repletos de pontos de interrogação muda de estratégia. Dessa vez, ela criou seu EP ao redor de uma interrogação. E claro, se tratando de Donna Missal, não é uma pergunta qualquer. No EP “In The Mirror In The Night”, ela questiona: “O que a intimidade realmente significa?”
Talvez a resposta esteja espalhada das 5 canções do material, que soa bem diferente de seus trabalhos anteriores. Apesar de circundar o indie pop e às vezes pesar a mão em guitarras mais ousadas, nesse disco temos uma cantora que explora vocais mais sintéticos, até abafados, em músicas que fazem uso apenas de arranjos eletrônicos de sintetizador.
Mais um registro de produção que se originou na pandemia, com Donna gravando em seu quarto, se aproximando ao máximo de suas fragilidades e experiências introspectivas.
São faixas que, inevitavelmente, promovem a reflexão nos mais variados âmbitos, uma vez que ela se despeja completamente na compreensão de sua própria personalidade.
É aquele respiro de honestidade que artistas costumam dar em tempos pouco comuns.
O que podemos fazer a respeito? Inspirar, expirar e sentir.
Aliás, “Butterfly Effect” é irresistível.
Ouça aqui
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana