ENTRE PERDAS E GANHOS, UM BOM ANO MUSICAL
O ano musical de 2025 oscilou para mim, no sentido de, estatisticamente, eu ter passado alguns meses desinteressado pelos lançamentos, após um início bem promissor. Porém, as coisas parecem ter se ajustado do meio para a frente e se consolidado de alguma forma como um bom ano para se ter esperança em artistas novos e em alguns veteranos.
Por falar em veteranos, alguns dos grandes artífices da música nos deixaram este ano, e deixaram um vácuo somente possível de preencher com seu próprio legado. Entre todas estas perdas, a que mais me marcou foi a de Lô Borges, por ser um arista que vinha produzindo, tendo recém-lançado um disco que acaba entrando em meus destaques nacionais, não somente como homenagem, mas por ser um ótimo disco.
Entre perdas pessoais e musicais que me marcaram este ano, dedico minha lista a todos os que passaram por aqui e de certo modo me ajudaram a ser quem eu sempre deveria ter sido.
TOP 20
20. Melody’s Echo Chamber – Unclouded

Uma câmara de eco com melodias bem delineadas por guitarras e outros elementos ao longo das doze faixas, que iniciam falando sobre lares, estrelas, sonhos de infância, decepções e pedidos por mais amor por favor (sem ser panfletário ou cirandeiro). Dá para sentir aqui e ali uma influência de Stereolab (bem latente em Broken Roses) e britpop noventista nas batidas, como em Eyes Closed (que também anda pelo terreno do krautrock).
19. Heléne Barbier – Panorama

Panorama, terceiro disco da francesa radicada em Montreal, Canadá, Heléne Barbier, tem apenas 27 minutos de duração. Durante o percurso, a cantora e baixista nos leva a um passeio por riffs e melodias inspirados, com foco nas canções, sem muito tratamento. Não é uma busca por inovação, são só canções, com som cru comparável ao de bandas como Gang of Four e Television.
18. Delfines Entrenados para Matar – Asuntos Internos

Delfines Entrenados para Matar é um grupo formado em La Plata, e como boa banda da recente safra argentina que se preza, tem esse nome peculiar originado de experiência particular de um dos integrantes. Asuntos Internos tem com uma crueza detalhista e densa, combinada com letras que tratam, como o nome diz, de temas pessoais, bad trips, pesadelos e desejos. Com 9 faixas, o disco tem refrôes memoráveis e agradáveis, e deve trazer satisfação a quem, como eu, aprecia este estilo. O cuidado com os detalhes é perceptível e impressionante, quando se tem a informação de que o álbum foi gravado em casa.
17. Half Deaf Clatch – Outsider Blues

Half Deaf Clatch é o nome que Andrew McLatchie escolheu para se apresentar, e a gente pensa no quanto uma característica física – que suponho ser realista a seu respeito – no caso a semissurdez (não sei se existe essa condição) influenciaria na vontade de ouvir (desde já pedindo perdão pelo paradoxo da sentença) seus sons.
Em tempos de recursos infinitos proporcionados por aparatos tecnológicos e inteligência artificial, ver alguém fazendo música pelos motivos corretos (pura e simplesmente tentar ser feliz fazendo isso) é um alento.
16. UNIVERSITY – McCartney, It’ll Be OK

McCartney, It’ll Be OK, lançado em junho deste ano, é o primeiro álbum do grupo UNIVERSITY, precedido pelo EP Title Track, de 2023. O nome estranho, por sinal, não tem nada a ver com o beatle octagenário, e sim com um ruído de comunicação em uma conversa, em relação a uma frase presente na letra de GTA Online, “in my garden I’ll feel okay“. O disco tem aquele clima do it yourself que frequentemente revela grandes bandas dentro do gênero punk rock.
15. Manic Street Preachers – Critical Thinking

Nos últimos anos, não tem sido muito difícil saber o que esperar de um álbum dos Manic Street Preachers, mas há uma coisa no recém-lançado Critical Thinking, não muito fácil de identificar à primeira audição, que o coloca um pouco à frente de seus antecessores desta década. Talvez um fator seja a presença maior do baixista Nicky Wire como cantor, o que de certo modo libera James Dean Bradfield para encarnar o guitar-hero. Dear Stephen, a faixa mais comentada do álbum, é uma carta-aberta a um Morrissey hipotético, convidando a voltar a ser o que ele supostamente já foi.
Se ainda não dá pra dizer que o álbum é um clássico contemporâneo, dá pelo menos para colocá-lo em um topo, se comparado a pelo menos os três discos anteriores lançados pelo grupo.
14. Arthur Buck – Arthur Buck 2

O nome Arthur Buck, a primeira vista, parece remeter a um artista solo. Mas trata-se de um duo, formado pelo cantor e compositor Joseph Arthur e o onipresente ex-guitarrista do R.E.M., Peter Buck. O segundo disco da dupla traz canções que até lembram a sonoridade da banda de origem de Buck, mas vão muito além, com a contribuição de Arthur, que toma a frente e protagoniza em vários momentos, incluindo alguns solos.
A revista Rolling Stone, logo após o lançamento do disco, lançou uma matéria questionando se o Arthur Buck poderia ocupar o lugar que foi do R.E.M. Obviamente um clickbait até meio bobo de se fazer. Ninguém vai ocupar lugar nenhum que foi de outro artista, sobretudo no caso de um duo de músicos veteranos que nem estão buscando esse tal espaço. É apenas um disco agradável de se ouvir, e isso por si só já é o bastante.
13. Juana Aguirre – anónimo

Não foi à toa que Juana Aguirre escolheu o título do álbum. anónimo é sobre coisas que não se pode nomear. Sentimentos, situações, atitudes confusas povoam as letras do disco, que também explora sonoridades improváveis, andamentos pouco previsíveis e outras coisas que geralmente compõem clássicos.
12. jasmine.4.t – You Are The Morning

Em You Are The Morning , jasmine.4.t faz o relato de todos os acontecimentos posteriores ao autorreconhecimento da artista enquanto mulher trans, e a importância de uma rede de amizades para suportar os efeitos do que se sucedeu.
A abertura do álbum, com Kitchen, dá a impressão de nos trazer mais um disco de folk, mas o que vem daí para frente é bem maior, por vezes apresentando traços mais marcantes da produção do trio, mas também deixando aparecer referências como Badly Drawn Boy, Bon Iver, Pavement, Flaming Lips e até um pouco de emo.
O ponto alto está em canções mais elétricas, como Guy Fawkes Tesco Dissociation (potencial enorme de virar clássico) e Elephant. Mas independente disso, as canções mais acústicas também são muito fortes e conectadas entre si.
11. Suzanne Vega – Flying With Angels

Em Flying With Angels, seu décimo álbum de estúdio em 40 anos desde o primeiro, auto-intitulado, Suzanne Vega mantém aquele espírito de cronista que já a fez narrar as observações a partir do cotidiano de um restaurante (Tom’s Diner) ou sob a perspectiva de uma criança vítima de abusos (Luka).
Em entrevistas, Vega destaca que o álbum se desenrola em atmosferas de luta, sejam as pessoais da cantora, sejam as globais de todos nós. Ela se refere certamente ao drama vivido pelo marido, Paul Mills, advogado e poeta, que enfrentou problemas de fala após sofrer dois derrames. O conceito do álbum é, então, sobre expressão e sobre suas dificuldades em todos os aspectos.
10. Los Thuthanaka – Los Thuthanaka

Se no ano passado tivemos Diamond Jubilee, de Cindy Lee, no centro das atenções pela maneira como foi lançado, dessa vez temos o disco homônimo do grupo boliviano Los Thuthanaka como destaque, não só pelo fato de não estar nas plataformas mainstream, mas também por quebrar regras de formatos e estilos, o que fez a Pitchfork cravá-lo na primeira posição de seu ranking do ano. Não é para ouvidos puristas, não há dúvida, mas pode agradar a quem se dispuser a dar uma chance.
9. Bob Mould – Here We Go Crazy

Já faz cinco anos desde o lançamento de Blue Hearts, disco de Bob Mould que escolhi como o melhor álbum de 2020.
Mas dessa vez – e talvez como forma de não aumentar a angústia, Bob Mould chega com um discurso um pouco diferente. Ainda que não seja provável, nem imaginável que o cantor tenha se rendido ao conformismo, desta vez ele centra sua lírica em temas pessoais neste novo álbum, chamado Here We Go Crazy.
Em comum com o antecessor, é um álbum feito tendo Donald Trump governando o país em que Mould vive. Talvez seja o ponto que os une e os separa tematicamente.
8. Linda Martini – Passa-Montanhas

Passa-Montanhas, do grupo português Linda Martini, é um álbum que circula entre temas sociais e políticos, e questiona o papel de uma banda, o capitalismo e o poder de quem controla a guerra e a paz, numa clara menção aos dias de hoje e aos bilionários nas primeiras fileiras dos governos, apela para a necessidade de refinar o diálogo, sob uma sonoridade frequentemente pesada e às vezes dissonante, mas bastante agradável. Passa-Montanhas é atual, urgente, marcante. Tem as características que permitem pensar nele como um clássico contemporâneo.
7. Mawiza – Ül

Mawiza é uma banda chilena, formada por músicos de origem mapuche, o maior grupo indígena do Chile. A cultura mapuche é marcada por uma forte ligação com a terra, que historicamente era fonte de subsistência, e por tradições espirituais, sociais e culturais, embora enfrentem desafios para preservar suas tradições e direitos devido à marginalização e perda de terras. Ül, terceiro disco do grupo, tem músicas cantadas na língua nativa dos mapuches, que versam sobre proteção da terra, tanto no sentido climático quanto territorial.
6. Stereolab – Instant Holograms on Metal Film

Sob o risco de ser repetitivo, já que o disco do Stereolab esteve nas listas dos colegas, o que os traz a esta é o fato de, 15 anos depois, o grupo ser ainda o mesmo, e também ser diferente e manter sua relevância, em músicas que trazem elementos que fazem com que quem os conhece tenha uma sensação de conforto e descoberta. É reinvenção e é continuidade.
5. Superchunk – Songs in The Key of Yikes

Fazendo uma paráfrase com o clássico Songs in The Key of Life, de Stevie Wonder, o Superchunk chega ao seu décimo terceiro álbum compilando canções no tom do tal eita. Afinal, se há algo que uma banda veterena indie não pode se dar ao luxo, é de passar incólume pela situação do mundo sem ao menos dar algum pitaco. Riffs inspirados e letras sobre falta de esperança e sensação de finitude dão o tom do álbum.
4. Capicua – Um gelado antes do fim do mundo

Um Gelado Antes do Fim do Mundo é um testemunho do mundo pós-pandêmico e de toda a complexidade da vida acumulada desde então. E como se faz um testemunho desses sem perder a ternura, aquela do disco anterior? Com poesia, claro.
Musicalmente, Capicua explora cada vez mais as estruturas melódicas, junto com as partes faladas que a mantém num campo que faz com que permaneça classificada como rapper, mas este é um limite que ela já ultrapassou.
3. Cameron Winter – Heavy Metal

Em Heavy Metal, Cameron Winter não se limita a expressar seu pânico diante da vida. Ele escolhe, desde os textos de divulgação do álbum, ser um cronista que não delimita realidade e ficção, o que traz ao disco uma urgência em se ouvir numa espécie de entrelaçamento entre as músicas, ainda que elas funcionem de maneira isolada.
Isso se você estiver disposto a colocar seus ouvidos à prova de uma produção diferente, inusitada, caótica.
Quando falo na narrativa desenvolvida por Winter e a quebra de limites entre o real e o abstrato, posso exemplificar no relato que ele faz sobre o disco ter sido criado em porões abandonados, bancos traseiros de táxis e contado com músicos inexperientes ou sequer músicos. Pouco importa se é verdade ou se ele fez tudo em seu sofá em uma sala acarpetada. O importante é que é um trabalho genuíno.
2. Horsegirl – Phonetics On and On

Em Phonetics On and On, o trio Horsegirl pisa ainda mais fundo no indie-rock minimalista e nos refrões ganchudos, como já na abertura, Where’d You Go?, com dueto de vozes que responde à pergunta do título com “longe, longe, longe”.
Se estamos falando de minimalismo na execução e produção de disco, há que se ressaltar a grandeza do entorno, já que o grupo pôde se valer do estúdio do Wilco, The Loft, e da produção da musicista galesa Cate Le Bon para chegar ao resultado final de Phonetics On and On.
O que temos então são 37 minutos de música que vai direto ao ponto, tratando de dilemas da vida adulta, com revezamento de vocais e mudanças de andamento, que tornam a audição do álbum bastante divertida.
1. Geese – Getting Killed

É com a responsa de “concorrer consigo próprio” que Cameron Winter (presente nesta lista com seu disco solo Heavy Metal) retoma aqui, junto a seus companheiros de banda o trabalho com o Geese, e não dá pra negar que traz consigo um pouco mais daquele desespero do individual para o coletivo.
Até porque já no refrão da faixa de abertura, Trinidad, Winter berra que há uma bomba em seu carro, sob a trilha de metais e guitarras lindamente desordenados. É caótica, desordenada, como é a vida.
E é sobre a vida que Winter filosofa, ironicamente, na faixa-título, onde afirma estar sendo assassinado por uma vida muito boa, e fala sobre sorrir em tempos de guerra.
Se já parece um clichê das resenhas musicais resumir discos indie entre caos e calmaria, há que se admitir que tem sim algo disso em Getting Killed, mas não só. É uma produção atenta (de Kenneth Blume, conhecido como Kenny Beats, de trabalhos com JPEGMafia, IDLES, Ed Sheeran e outros), e uma sonoridade que ecoa folk, Beach Boys, Rolling Stones, mas não se apega a nada disso, e até por isso o desespero aqui pode ser expressado com um pouco mais de fúria do que no álbum solo de Cameron Winter.
Se o inevitável destaque é para as batidas de Max Bassin, que meio que conduzem o disco, também é possível notar o quanto a guitarra de Emily Green e o baixo de Dominic DiGesu (especialmente em Islands of Men) são, ao mesmo tempo, descontraídos e compenetrados.
Bem, é isso: na base do desespero – apenas sentido, não almejado – Cameron Winter conseguiu figurar duas vezes em várias listas de melhores do ano. É justo, e é para poucos.
Destaques nacionais:
Harmada – Os Fugitivos

14 anos se passaram desde o lançamento de Música Vulgar Para Corações Surdos, até então o único e icônico disco da Harmada, banda carioca liderada pelo cantor e compositor Manoel Magalhães. Passado este tempo, o que talvez tenha sido de alguma forma necessário e benéfico, a banda retorna com Os Fugitivos, seu novo álbum, sendo a mesma e ao mesmo tempo outra banda, com mudanças na formação e na sonoridade.
Se muita coisa mudou nestes anos, segue inabalável o texto rico em referências das letras reflexivas, que passeiam por questionamentos a respeito das relações humanas e a vida na metrópole mediada pela tecnologia. O disco tem participações da cantora 1LUM3, da artista venezuelana Kleidi B e da escritora Alice Sant’Anna.
A Harmada, que tem o nome de um livro de João Gilberto Noll, busca no livro de estreia de Rubem Fonseca, Os Prisioneiros, de 1963, a inspiração para as canções de Os Fugitivos. É uma belíssima fuga de volta para a cena.
Sem classificar, outros destaques nacionais:
godofredo – Tutorial
Maré Tardia – Sem Diversão Pra Mim
Bufo Borealis – Natureza
Terminal Guadalupe – Serenata de Amor Próprio
Fernando Motta – Movimento Algum
Arnaldo Antunes – Novo Mundo
NAIMACULADA – A Cor Mais Próxima do Cinza
Morcegula – Caravana dos Desajustados
Lô Borges convida Zeca Baleiro – Chão de Giz



