Eu comentei em um episódio que em 2024 eu estava em crise enquanto ouvinte de música. Troquei duas vezes de plataforma de streaming, e algumas características delas interferiram no meu processo de audição. Fora algumas questões pessoais e profissionais que me tiraram o foco e atrapalharam no processo de compilar as melhores coisas que ouvi este ano. Dito isso, me surpreendi ao perceber que até que ouvi muita coisa, e entre essas coisas, várias novidades. Alguns nomes como Thou, Daydream Plus e Jane Weaver estiveram nas primeiras versões da minha lista, mas acabaram dando lugar a outros que achei mais relevantes. O Deep Purple também lançou um bom disco, mas não a ponto de ser colocado na lista. E tá tudo bem. De repente vale a ouvida com calma. Dos nacionais, acabei não conseguindo me limitar a 10, mas fiquei na média. Essa é minha lista. Espero voltar a ela daqui a pouco tempo e avaliar se minhas escolhas vão continuar fazendo sentido.
Top 10:
10. West 11 – Atlantic Coast Highway
O West 11, cujo núcleo é formado por Beth Hirsch (voz em várias canções de Moon Safari, do Air), Phil King (ex-Lush e Jesus and Mary Chain) e Mark Shaw (ex-Crewe’s Train Set e residente em Portugal), se reuniu em torno deste novo projeto, com apoio de mais alguns músicos, e lançou seu álbum de estreia, Atlantic Coast Highway. Diante desta formação e sua experiência, não espere uma sonoridade previsível. O som é bem mais orgânico do que o de Moon Safari (até porque não é o Air). Atlantic Coast Highway foi gravado em Portugal, e ao seu modo, é conceitual: trata de uma fictícia rodovia, como um paralelo à existente Pacific Coast Highway. Fica aí o convite a embarcar no conversível e pegar essa estrada com o som ligado.
09. Cindy Lee- Diamond Jubilee
Ao longo dos dias, este disco foi descendo de posição em minha lista, mas ainda assim, vi que não poderia ficar de fora. Passado o hype, pode até ficar cansativo todo o bastidor para além da música, como o formato como o álbum foi lançado e divulgado. Não é uma audição “fácil”, nem precisa ser.
Mas a real é que esse disco é, sim, grandioso em sua proposta, e é legal que tenhamos a chance de, pelo menos uma vez, tentar a audição na íntegra, se possível na sequência pensada em sua concepção, ainda que seja necessário um esforço extra para tal.
08. Geordie Greep – The New Sound
Outro disco difícil de ser compreendido no primeiro play. Um desavisado pode comparar o trabalho solo do ex-black midi a coisas feitas antes por artistas como Mr. Bungle e John Zorn, e talvez até faça algum sentido a comparação, mas não é só por aí.
Tem jazz, tem samba, tem som pesado, e eu não sei se é uma boa pedida para ouvir no trânsito, mas dá pra ouvir com calma pra tentar organizar as ideias propostas.
E vamos combinar aqui que um álbum conceitual e irônico sobre a jornada do macho alfa não tem como não ser caótico.
07. Mabe Fratti – Sentir Que No Sabes
Em comparação com seu antecessor, Se Ve Desde Aqui, o novo álbum de Mabe Fratti, Sentir Que No Sabes, é ainda mais desafiador das estruturas tradicionais do pop. Ao longo dos 41 minutos do disco, ela abraça o caos, alternando os sons de cello com arco ou pizzicato, entremeados por sons percussivos inusitados e outros efeitos. Na vagarosa Alarmas olvidadas, Fratti alterna seu canto com um vocoder e cordas em um loop manipulado eletronicamente, enquanto a letra manda a real: a verdade é um desafio. Sinta-se desafiado a dar o play.
06. English Teacher – This Could Be Texas
Formada por colegas do Conservatório de Leeds, o English Teacher tem a proficiência que se espera de bacharéis em música, mas tem também uma verdade aí que agrada, e muito dela vem da personalidade de sua vocalista Lily Fontaine, que traz temas e títulos espertos para as canções, como I’m Not Crying, You’re Crying, Not Everybody Gets Go To Space e The Best Tears of Your Life. A crítica em geral comparou o grupo com o Black Country, New Road, e até que é uma boa pista para a sonoridade deles, ainda que eles pareçam um pouco mais seguros, talvez pela já citada educação formal em música.
05. J. Mascis – What Do We Do Now
Não seria estranho se esse fosse um disco do Dinosaur Jr., mas faz todo o sentido que não seja. Em What Do We Do Now?, J. Mascis traz belas canções como Can’t Believe We’re Here, em que o peso das guitarras dá lugar aos violões, e o instrumento elétrico só dá as caras no solo.
Aliás, os solos são o maior atrativo do álbum, já que trazem conforto, principalmente para quem é fã do trabalho de J. Mascis e sua Fender Jazzmaster.
04. Jessica Pratt- Here In The Pitch
Mesmo não sendo a minha escolha de primeiro lugar, tenho que concordar com o Vinícius Cabral que este é um disco que nos prende, como um clássico é capaz de nos prender.
Há quem tenha escrito por aí comparações de Jessica Pratt com respeitados artistas folk, mas é bem limitador este pensamento. Here in The Pitch voa bem bem mais longe do que isso, basta ver a grandeza de um tema como Empires Never Know.
O Bab L’ Bluz, grupo franco-marroquino formado em 2018 em Marrakech pelo núcleo que reúne a cantora e musicista Yousra Mansour e o também multi-instrumentista Brice Bottin, chega agora com seu segundo disco Swaken, e traz uma mistura empolgante de rock psicodélico, blues, funk, soul e música tradicional norte-africana.
Se a gente para pra pensar que todos os artistas ligados à psicodelia se voltavam ao oriente para buscar inspiração, nada mais justo e adequado que beber direto da fonte, e é isso que o Bab L’ Bluz nos oferece, inclusive nos lembrando de onde é que veio o blues.
Tem tudo o que caracteriza uma obra prima, e talvez seja.
02. Mannequin Pussy- I Got Heaven
Esse disco me atropelou, e por muito tempo foi minha escolha de melhor do ano. Como pode uma banda passear tão bem entre o indie-rock e o hardcore desse jeito?
Li algumas comparações deste álbum com Live Through This, do Hole, e até pode ser uma boa referência para quem precisa de alguma, mas a audição atenta vai trazer outros pontos importantes no meio desse caminho. Ok? Ok! Ok? Ok!, com suas alternâncias rítmicas, é minha preferida. E quem, senão o Mannequin Pussy, na figura da vocalista Missy Dabice, poderia dedicar uma música barulhenta como Of Her à própria mãe? Eles podem.
01. Being Dead- EELS
Acho que a grande coisa a se falar sobre o duo Being Dead, de Austin, Texas, é que sua principal característica e ponto forte é não se levarem a sério.
Em seu segundo disco, EELS, Falcon Bitch e Shmoofy (eu avisei que eles não se levavam a sério) mandam canções nada lineares e não muito possíveis de serem encaixadas em uma vertente do rock. Eles são o que são, e é o que basta.
Pra dar uma organizada, a dupla chamou o produtor John Congleton, ganhador do Grammy (se é que essa informação importa aqui), mas eles também acabaram por dar uma produzida adicional. O som do Being Dead por vezes soa sessentista, mas tem toques de new wave e alternativo.
Me conquistou desde a abertura, com Godzilla Rises, mas a que viciou mesmo foi a singela Rock n’ Roll Hurts.
A saber: no disco e nos shows, o duo vira trio, com a participação ativa da baixista Nicole Roman-Johnston, que contribui inclusive com suas risadas na já citada Rock n’ Roll Hurts.
O nosso episódio sobre os melhores discos de 2024 a lista completa do nosso time está aqui