Todos os anos, eu espero que a música traga conforto e revolução. Um abraço seguido de soco, uma rosa branca seguida de bomba atômica. Talvez 2024 tenha sido desequilibrado nessa balança e, a essa altura, tudo bem. Ela ainda funciona como elixir de sanidade, por mais que, às vezes, enlouquecer pareça o play mais inteligente a se fazer. Muitos artistas inéditos apareceram, outros trouxeram suas melhores versões e, nesse combo de expressões, todos saímos aparentemente salvos.Foi um ano de novas canções favoritas. Novas perspectivas não tão favoritas assim. Mas trilha sonora pra todas.
Destaque de colaboração do ano
Eletric Callboy & BABYMETAL – RATATATA
Top 10:
10. Leprous – Melodies Of Atonement
A estética musical do Leprous é tão bem ambientada que as camadas parecem ter sido criadas juntas. Os instrumentos soam numa mesma rede de sons, como se a banda fosse um ser vivo único, falando sua própria língua.Tudo isso explode num gutural inevitável nos últimos segundos de “Like a Sunken Ship” que nos faz entender que os noruegueses são a evolução máxima do prog metal.
09. Elles Bailey – Beneath the Neon Glow
O caminho para as mulheres no blues tem menos atalhos que o dos homens. E a srta. Bailey fez questão de atravessar essas estradas pra colocar seu nome na cena e arrastar novas vozes femininas que mergulham no estilo para criarem suas próprias identidades.Ainda que Beneath the Neon Glow não seja completamente nessa atmosfera, a influência é percebida em cada detalhe e faz essa essência pulsar com roupas novas.Disco gigantesco com canções que cavam nas profundezas das emoções. “Let it Burn’ é um exemplo dessa viagem ao centro de nossa própria Terra.
A Suécia sempre vai criar algo incrível que mereça ser ouvido e compartilhado sem que a gente nem perceba. Postalgia é o resultado dessa demanda cultural irresistível que nos assola desde o Roxette. É o pop dos anos oitenta misturado com o rock bem dosado entre refrões que explodem em nossa garganta e tatuam o cérebro após uma única audição.‘Late Night Talking’, ‘Someone Slighty Buried’ e a deliciosa ‘Juliet’ são provas de que voltar no tempo nos faz salvar a contemporaneidade.
Na falta de algo novo do Red Sun Rising, uma das bandas atuais mais inovadoras no cenário do, digamos, hard rock alternativo, seu guitarrista Ryan Williams nos presenteou com o nascimento do New Monarch. O novo grupo já carrega aquela originalidade que se espera de quem sabe transitar entre a garagem e o estrelato. É só observar a estrutura da faixa ‘Chelsea’, equilibrando a ideia de balada de vira canção de arena. Não será surpresa se eles estiverem no alto da lista dos próximos anos. Pelo bem da música.
06. Reach – Prophecy
Como é possível que um trio consiga ser tão rico em suas contribuições musicais? É possível. O Reach é um compilado valioso de inúmeras faces do rock, indo do Muse ao Queen em poucos acordes. Difícil definir qual o direcionamento com exatidão, pois a versatilidade entre as canções apresenta um novo grupo a cada ato. E todos eles são adoráveis. Em Prophecy, eles estão mais únicos do que nunca e é isso que esperamos de um som.
05. The Veronicas – Gothic Summer
O duo australiano brilhou na década de 2000 com aquele quase punk rock de colégio. Depois flertou com algo um pouco mais pop, deixando as guitarras de lado e indo ao encontro do clímax mais dançante.Em Ghotic Summer, elas resgatam a sonoridade do passado, porém, com letras mais atuais e finalmente alcançam sua melhor performance de estúdio.‘Invisible’ é um dos melhores singles de 2024.
04. NALEDI – Batho
O que Naledi faz aqui é um arrebatamento cultural. Ela transforma o berço de sua bagagem oriunda das comunidades que cresceu num cataclisma antropológico. Brinca com os idiomas entre as canções, transita entre ritmos modernos e quase clássicos, num embrulho com laço de novidade. Quem escuta não sabe se dança, se reflete, se chora, se respira fundo, se acelera o batimento pra reduzir logo em seguida, se tira os sapatos e sente os pés tocarem a terra quente ou se veste-se com seu melhor traje para um evento de gala. Naledi te convida para o imprevisível que faz sentido e suas faixas desafiam a capacidade de se incorporar instrumentos e ideias. É o raciocínio solto que se amarra naturalmente. Isso fica evidente em ‘Change’, que, tal qual o nome, muda de atmosfera livremente. São sensações irrecusáveis em atos de composição única. O ponto de vista dela é um ponto de exclamação. Como alguém poderia compor algo como ‘P (x) J’ e não ser aplaudida quando acorda pra tomar seu café no hotel?O mais curioso é que ela fala e canta em 7 línguas.
Infelizmente, nenhuma delas é a dos críticos.
03. Autumn’s Child – Tellus Timeline
O melodic rock/AOR dificilmente nos decepciona pois consegue ficar num limiar de poder capaz de pegar pela mão os adoradores de glam e os cultuadores do metal tradicional.Com essa dualidade unida, abre-se um espaço pra criar ainda mais conexões na música, coisa que o Autumn’s Child faz com extremo gabarito. No quinto disco dos suecos, eles ofereceram um pouco de tudo e acertaram em cada uma das propostas. Flertam com Beatles em ‘Around The World In a Day’, viajam para os anos 70 em ‘I Belong To You’ e se consolidam no Hard Rock contemporâneo ao longo das outras faixas, com uma autoridade de quem sabe exatamente o que está fazendo.
Se o Leprous é a evolução do prog metal, o Ad Infinitum é a história de todas as bandas de metal sinfônico reescrita. Simplesmente por não ser mais esse tipo de metal e por trazer uma Melissa Bonny que entende para onde a música precisa ir. Em Abyss, o grupo que já vinha de trabalhos consistentes, cheios de pequenos grandes clássicos, encontrou a apoteose de sua trajetória ainda recente na cena. Ousou em trazer pitadas de pop quase dançante para um cenário de levadas marcantes, incluiu guturais controlados antagonizando o timbre limpo angelical e manteve a estrutura base de som que os trouxe até aqui. Criar todos esses ajustes de percurso e ainda conseguir cativar os ouvidos é algo dificílimo, ainda mais dentro de um estilo que funciona como religião. Mas meu voto de fé fica aqui e o hino começa com ‘My Halo’.
01. Charlotte Wessels – The Obsession
Obsessão não poderia ser um nome mais ideal para o sentimento que a artista holandesa produz assim que resolve abrir sua boca ou escrever letras para suas canções. A ex-vocalista do Delain cruzou as florestas do estilo e encontrou um campo aberto para criar sua melhor versão. O que ouvimos aqui é uma Charlotte Wessels tão plural, tão profunda e tão vulnerável que nas primeiras audições só nos resta admirar e tentar absorver. As doze canções testam a capacidade de nossos ombros de carregar tantos significados. Quanto tempo fiquei olhando para ‘Chasing Sunsets’, desejando ter escrito aquilo e tentando encaixar as referências dentro do meu próprio cotidiano? Ou quando o dia se tornou absorto e o timbre rasgado em The Exorcism fez algumas das nuvens desejarem ir embora? Todos deveriam temperar a alma reservando um lugar em ‘The Crying Room’, naquele momento inevitável de autopiedade em que não se busca solução pra absolutamente nada, apenas se aceita a melodia de produção lacrimal atrasada pelos compromissos. E do mais submerso reduto de melancolia, rasgar desenhos de sorrisos com um épico moderno em ‘Praise’, uma composição absolutamente perfeita, um hit que 2024 deveria abraçar com a força que abraça alguém que não vê a muito tempo. Afinal, The Obsession é isso: a sensação de reencontro com algo que não tinha data pra aparecer e quando chegou, trouxe tudo o que não tínhamos. Agora, temos tudo.
O nosso episódio sobre os melhores discos de 2024 a lista completa do nosso time está aqui