Por mares nunca dantes navegados

O primeiro disco do grupo paulistano Nau, liderado por Vange Leonel, lançado em 1987, finalmente chega às plataformas de streaming.

Existem mesmo estes momentos em que o universo conspira a favor, ao que parece. Nas últimas semanas, o Vinícius Cabral tem se dedicado a algumas reflexões sobre o rock nacional e seus caminhos erráticos nas décadas passadas.

Eis que agora, 38 anos após seu lançamento, um dos clássicos esquecidos do gênero, o lendário disco de estreia do grupo Nau, lançado em 1987, chega às plataformas de streaming, bem no momento em que estamos empenhados na cartografia deste período.

Formado por Vange Leonel (vocais), Zique (guitarras), Beto Birger (baixo) e Mauro Sanchez (bateria), o grupo teve seu primeiro – e até algum tempo atrás único – disco lançado pela CBS e produzido por Luiz Carlos Maluly, à época na crista da onda por seu trabalho como produtor do RPM. Sinal de que a gravadora apostava alto no sucesso da banda. Um sucesso que não veio do tamanho que deveria ter vindo, mas é inegável que havia um respeito na cena.

Passados quase quarenta anos, o que podemos dizer do disco do Nau? Algumas coisas:

  • De sua época, o LP do grupo tem de longe a mais bela capa do rock nacional, trabalho do baixista Beto Birger, com uma representação cartográfica do descobrimento da América;
  • Com composições de alta qualidade em letra e música, talvez tenha sido difícil para a CBS compreender a melhor forma de divulgação do trabalho; ainda assim, o disco e a performance do grupo sempre foram bastante elogiados na mídia (ainda que se perceba em alguns textos uma tendência à objetificação – ora classificando a cantora como “sereia”, ora como “gata”, entre outros clichês);
  • Além da mídia, alguns colegas de profissão, como Cazuza, Marina Lima e Humberto Gessinger fizeram elogios públicos ao grupo;
  • O lançamento do disco foi feito com shows de sucesso no MASP, em São Paulo, e no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, prova de que o público se interessava pelo som do Nau;
  • Apesar de ter assinado com um grupo um contrato de três anos, a CBS não lançou um segundo álbum do grupo, que acabou por se separar em 1989, com Vange saindo em carreira-solo, com seu disco de estreia, auto-intitulado, lançado em 1991 pela Sony, que assumiu a operação da CBS, e alcançou relativo sucesso com Noite Preta, que se tornou tema de abertura da novela Vamp, da Rede Globo. A cantora lançou o sucessor Vermelho em 1996, pela sua própria gravadora independente, Medusa Records, fundada com sua companheira e parceira musical Cilmara Bedaque;
  • O grupo chegou a preparar um segundo álbum em 1988, gravado por Marco Mattoli, produzido pela própria banda e por Cilmara, que participou de todas as composições junto com a banda. A gravação foi feita para ser apresentada à CBS, que optou por não seguir com o grupo em seu casting. Estas gravações permaneceram inéditas até 2018, quando foram recuperadas e finalmente lançadas pela gravadora Deck, sob o nome de O Álbum Perdido do Nau;
  • Vange Leonel faleceu em julho de 2014. Em novembro do mesmo ano, foi agraciada postumamente com a Ordem do Mérito Cultural, título dado a personalidades brasileiras e estrangeiras como forma de reconhecer suas contribuições à cultura do Brasil;
  • O guitarrista Zique faleceu em fevereiro de 2024.

Destaques do disco: Bom Sonho, Linha Esticada (composição de Cilmara Bedaque e Laura Finocchiaro) e Corpo Vadio, a música de trabalho que talvez não tenha sido tão trabalhada assim pela gravadora.

Ainda que as carreiras do Nau e de Vange Leonel tenham seu espaço garantido na história da música brasileira, a chegada do primeiro álbum do grupo nas plataformas de streaming é um novo ganho, pois vai ampliar as possibilidades de descobertas por pessoas que não conheciam este clássico. Eles merecem, e nós também.


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