A MÚSICA NÃO MORREU
No episódio #219 deste podcast, fizemos uma pergunta: a música morreu? Haviam muitos indícios que poderiam nos levar à derradeira resposta positiva à pergunta. Mas nosso trabalho é sempre evitar a superfície. Cavar mais fundo e tentar descobrir aquilo que realmente move a cultura, à revelia de tendências. Hoje, moldadas quase que exclusivamente por uma indústria que parece engolir tudo. O que descobrimos foram alguns alentos. Finalmente parece surgir, a partir das correntes mais alternativas, uma resposta razoável e prática à destruição comercial e cognitiva perpetrada pelas onipresentes plataformas.
A música não pertence a empresas de Big Tech. Ela pertence aos artistas e aos fãs, sempre sedentos pela qualidade de sentimento que ela suscita.
É certo que o exemplo mais claro dessa resistência, é o álbum Diamond Jubilee, de Cindy Lee, que conseguiu um sucesso absurdo mesmo mandando uma banana para os streamings. Mas nós, no mundo (ainda) “em desenvolvimento”, sabemos que é bem mais complicado bancar uma situação dessa por aqui e obter o mesmo hype que a artista canadense. Ainda assim, o que Diamond Jubilee nos mostra (e outros discos de 2024, grandes, imersivos e robustos) é que a música nunca se desconectará da noção de experiência.
É óbvio que tal experiência pode ser a da diversão e da desconstração criativa, abertamente vendida pela maior coqueluche do ano (Brat, de Charli XCX). Mas pode também ser a da imersão em um universo lírico, na “bateção de cabeças” do bom e velho rock, e por aí vai. Para nós, que amamos o álbum como formato preferencial de expressão musical, é notável que tantos trabalhos densos tenham marcado o ano. Um ano que, certamente, não ficará para a história desta década como um dos melhores, em termos de quantidade de álbuns marcantes. Foram poucos os que chegaram chutando a porta. Mas estes chutaram de verdade.
Agradecemos a todos por mais um ano de audiência, acompanhando o desenvolvimento do nosso pensamento coletivo através dos episódios do podcast e dos textos da newsletter. Continuamos de olhos e ouvidos atentos neste registro imprescindível que procuramos fazer do estado da música neste início de século XXI. Por enquanto, nos despedimos com uma afirmação que vai na contramão daquilo que poderíamos ter levianamente pensado. Aumentem o volume: a música não morreu.
BRUNO LEO RIBEIRO
O ano começou meio lento pro meu gosto. O segundo semestre foi mais agitado e mais coisas me emocionaram. 2024 foi um ano de muitas mudanças pra mim, então consegui prestar atenção em pouca coisa. Foi um ano que resolvi ouvir menos, mas ouvir melhor. Foi um ano que ouvi mais vezes alguns discos pra poder curtir com calma. A palavra do ano pra mim foi desacelerar. Ouvi os discos como fazia nos anos 90. Conseguia 1 CD a cada 15 dias e ouvia aquilo até gostar, ou não. E esse ano fiz o mesmo. O que está na minha lista, ouvi bastante pra entender melhor as obras. A ordem em si, não tem tanta importância assim, tirando os 5 primeiros. Mas algumas coisas que gostei ainda ficaram de fora, mas ainda valem um play:
Chat Pile – Cool World
Alcest – Les Chants de l’Aurore
Pearl Jam – Dark Matter
Judas Priest – Invincible Shield
Tahiti 80 – Hello Hello
Kim Gordon – The Collective
Charli XCX – brat
Ice-T, o policial rapper mais famoso da televisão, lançou com sua brilhante banda Body Count, um disco pesado, que flerta com o Thrash Metal e o Metal moderno. Um disco necessário com o melhor dos dois mundos. O Rap e o Metal se juntando de uma maneira maravilhosa.
19. Kim Deal – Nobody Loves You More
Eu tenho uma tese que todas as músicas do mundo ficariam 300% melhores com a voz da Kim Deal. A rainha do Rock Alternativo, pra mim, fez um disco excelente. Pena que saiu aos 45 minutos do segundo tempo e não deu pra entrar de cabeça e ouvir com tanto carinho. Provavelmente ficaria em uma posição mais pra cima da minha lista. Mas no meu coração a Kim Deal está sempre no topo.
Esse é aquele disco que eu gostei desgostando. Eu gosto bastante de algumas músicas individualmente, mas não como um álbum. É um disco bom com excelentes músicas. Por isso acabou entrando na minha lista. Fontaines é uma banda pra sempre ficar de olho. Eles podem até não acertar em cheio no meu gosto, mas eles tentam fazer alguma coisa diferente e isso já ganha total o meu respeito.
17. Billie Eilish – Hit Me Hard and Soft
Uma coisa é certa, a Billie Eilish terá uma carreira muito consistente. O Hit Me Hard and Soft, pode não ser o seu melhor trabalho, mas o nível ainda está muito acima. Senti que esse é um disco mais confessional e mais livre. Me parece que ela está mais solta e se divertindo mais. Mais uma vez, excelente produção e composições do seu irmão e parceiro Finneas O’Connell
16. The Cure – Songs of a Lost World
Um álbum sem hits pode ser um grande álbum? Claro que pode. O Songs of a Lost World do The Cure prova isso. São músicas pra ouvir com calma e acompanhando as letras. Sentido junto as emoções naquelas letras. Melodias sempre de bom gosto e muito silêncio fazendo a parte instrumental das músicas terem tempo de respirarem. É um disco ótimo para dias chuvosos.
15. Beth Gibbons – Lives Outgrown
Assim que saiu, dei play em Lives Outgrown e quase não vi o tempo passar. Quando percebi, já tinha escutado o disco 3 vezes em sequência completamente hipnotizado. Um disco inventivo e emocionante. Beth Gibbons é genial demais.
14. Tyler, The Creator – CHROMAKOPIA
Um super disco onde o Tyler, The Creator fala sobre sua vida e seus problemas, misturando esses inúmeros personagens mascarados do disco, misturando Neo-Soul, R&B, Hip Hop e Jazz. Fui ouvir de curioso e fiquei encantado.
13. Erra – Cure
Se eu tivesse que definir o que é o ERRA, eu começaria dizendo que é uma banda de Metal Moderno que mistura Emocore com Djent. É uma mistura que parece meio aleatória, mas faz muito sentido. Com versos que ficam variando entre vocais limpos e melódicos e guturais de Metalcore, o ERRA pra mim é uma dessas bandas que eu tenho certeza que se me descrevessem desse jeito, eu nunca iria gostar, mas eu adoro.
12. ARTMS – <Dall>
Depois da minha lista de Top 20, fiz uma lista só com K-Pop, mas esse aqui teve que entrar na lista principal. Cansamos de falar que as coisas mais inovadoras e corajosas no Pop estão sendo feitas no K-Pop. Fazer Pop bom é muito difícil. Fazer Pop bom com inovação é mais difícil ainda. ARTMS tá de parabéns. Foi o disco de K-pop que mais gostei no ano.
11. Les Amazones d’Afrique – Musow Danse
O “Musow Danse”, terceiro disco do supergrupo africano chamado “Les Amazones d’Afrique”. Les Amazones d’Afrique é um supergrupo de world music contemporâneo formado no Mali em 2015. O disco é uma mistura de Afro Beat, Electro-pop, funk e soul e foi produzido pelo experiente produtor e engenheiro de mixagem Irlandês Jacknife Lee, conhecido por trabalhos com o R.E.M, Weezer, U2 e até Taylor Swift. Grande lance aqui!
10. Jerry Cantrell – I Want Blood
Em seu quarto álbum solo, Jerry Cantrell do Alice in Chains, nos entrega mais um disco cheio de riffs e melodias, mas com sonoridade de banda. Não soa como um trabalho estritamente solo. Ele expande seus gostos e referências e nos presenteia com músicas como a faixa-título, “I Want Blood”, que é mais Hard Rock trilha sonora de viagem na estrada, do que de seus famosos ritmos arrastados e melancólicos (embora o álbum tenha isso também, ainda bem!).
09. Soccer Mommy – Evergreen
Sophie Allison, mais conhecida como Soccer Mommy, mais uma vez lança um trabalho que adorei, só que um pouco mais enxuto que o disco anterior. É um disco mais violão, mais clima, mais arranjos mínimos. É um álbum com mais espaços, onde o silêncio também faz parte da música. Ela conta que o álbum lida com o sentimento de perda. É um disco de luto. Nele, Sophie expressa histórias que ela gostaria de compartilhar com alguém que já não está mais lá. É um disco de cura. Sou fã demais.
08. Poppy – Negative Spaces
O disco começa com uma sequência de três faixas pesadas e modernas, com aquele toque de Metal de arena mais acessível. É como se os caras do Periphery resolvessem tocar com o Evanescence. Jordan Fish, produtor e ex-tecladista do Bring Me The Horizon, é o responsável pela produção do disco. O álbum traz também algumas faixas de transição curtinhas e ótimas canções de industrial synth-pop, mas no geral, é um disco de metal moderno. Em várias músicas, é quase uma homenagem explícita ao Nine Inch Nails.
07. Opeth – The Last Will And Testament
Detesto definir música como algo “sofisticado”, mas dessa vez será impossível falar do Opeth sem usar esse adjetivo. The Last Will and Testament é um disco conceitual contando a história da abertura de um testamento num clima meio Edgar Allan Poe onde cada música do disco é uma parte do testamento sendo revelado. É uma aula de transições, dinâmicas e cadência. É um disco pra ouvir com a letra na mão e entrando no clima da história. Opeth são os mestres do gênero. Nenhuma banda faz o que eles fazem.
06. Mdou Moctar – Funeral for Justice
Em um cenário de tensão e conflito no Níger, o Mdou Moctar lançou em 2024 o “Funeral for Justice”. Este disco é uma poderosa prova de resistência e criatividade. Mdou Moctar, carinhosamente apelidado de “Hendrix do Saara”, é um músico e guitarrista nascido no Níger, conhecido por sua fusão única de música tradicional do Saara com elementos do Rock contemporâneo e alternativo.
05. Vola – Friend of a Phantom
Talvez tenha sido a melhor surpresa musical do ano pra mim. Com um som atmosférico, melodias marcantes e peso e dinâmicas na medida certa, o Vola soa como se o Katatonia tivesse um “filhote” com o TesseracT, mas com toques dos sintetizadores do CHVRCHES. Amei! Possivelmente foi o disco que mais ouvi em repeat durante o ano. Além da capa ser linda também.
04. RM – Right Place, Wrong Person
“Right Place, Wrong Person” do RM (também conhecido como Kim Namjoon, líder do fenômeno BTS), é um disco que parece uma busca de respostas de quem o Kim é. Primeira coisa que tenho que deixar claro é que esse disco tá longe de ser um disco de K-pop. É um disco do mundo. É um disco de experimentação criativa. São 34 minutinhos com 11 faixas que transitam entre o Hip Hop, Jazz, R&B e Shoegaze. É um disco genial. Certamente fico espantado que poucos lugares estão falando desse disco.
03. Blood Incantation – Absolute Elsewhere
Blood Incantation é mais uma daquelas bandas que descobri que existia por causa de meme de logo de banda metal que não dá pra ler nada. Depois de ouvir algumas coisas aqui e ali, nada tinha me emocionado até então. Mas com o lançamento do Absolute Elsewhere, tudo mudou. Assim que dei play, de alguma forma o disco me levou pra dois lugares diferentes ao mesmo tempo. Diretamente para uma fazendinha com uma vaca em 1970, mais conhecido como Atom Heart Mother do Pink Floyd e para o final dos anos 80 e começo dos anos 90 na Flórida, precisamente em Tampa Bay Area. Mais conhecido como movimento de bandas de Death Metal da Flórida. E o Blood Incantation vem nessa pegada. O melhor de dois mundos tão distintos. Muito peso e muito clima que fica entre o progressivo e o psicodélico. Discáço! Um dos melhores e mais inovadores discos de Metal que ouvi nos últimos 10 anos.
02. David Gilmour – Luck and Strange
O David Gilmour, pra mim, tem a perfeita combinação de duas personalidades musicais melódicas. Suas linhas de voz e melodias cantando vão lá dentro da minha alma. Seus solos, igualmente perfeitos, usam melodias completamente diferentes das melodias que ele faz cantando. É como se ele fosse duas pessoas em uma. Eu sou completamente apaixonado por suas notas, detalhes mínimos e simplicidade desde que me entendo como gente. Era um sonho poder ver ele tocando ao vivo, o que não tive a oportunidade até 2024, quando saiu esse disco maravilhoso que ouvi sem parar desde que saiu. Felizmente, ele fez alguns poucos shows em Roma, Londres, LA e NY. Consegui ingresso pra ver esse ídolo e foi uma das noites mais inesquecíveis da minha vida. Cada segundo desse disco, vai me levar pra noite que tive o privilégio de poder chorar ouvindo as músicas do David Gilmour com ele ali, alguns metros de distância de mim. A música “Between Two Points”, com a fofíssima e linda voz da Romany Gilmour, filha do homem, foi a música que mais ouvi no ano. Linda, linda linda. Melodia, voz e o solo… ahhh o solo.
01. Geordie Greep – The New Sound
Eu nem acredito que um disco teatral, cinematográfico, aleatório e que soa quase como um musical da Broadway é meu disco favorito de 2024. Talvez essa introdução me faria simplesmente ignorar a existência desse disco. Me soaria pretensioso. E é. O disco é extremamente pretensioso, mas funciona. Nem tudo super bem pensado pra soar como artístico é música pra dividir opiniões e criar polêmica ou achar um “Som novo”. Muitas das vezes a arte quer passar uma mensagem. E o The New Sound do Geordie Greep (ex vocalista e guitarrista do black midi) acha esse novo som. Pelo menos pra mim. Foi o disco dos últimos anos que mais expandiu meu gosto. Foi como beber cerveja amarga pela primeira vez na vida. Não gostei do primeiro gole, mas no final do copo já queria outra. O The New Sound tem um pouco de Frank Zappa, samba, musical da Broadway, jazz, baião, fusion, rock, Mr. Bungle, Steely Dan, J-Rock e muito mais. Tem muita malemolência, irreverência e criatividade. A maior parte do disco eu fiquei pensando, “de onde vieram essas ideias todas?”. Na primeira audição, fiquei com uma sensação de estranhamento. Mas na segunda, comecei a entender o que estava acontecendo. A cada vez que escuto, compreendo um pouco mais e gosto um pouco mais. O disco conta uma história bem atual de um homem patético numa jornada quase de um conquistador barato que poderia ser um redpill. O disco conta com a participação de vários músicos brasileiros, já que boa parte do disco foi gravado em São Paulo. É uma viagem musical que brinca com o visual. É pra dar play e não fazer mais nada além de ler as letras e rir das piadas e refletir sobre a história. É certamente um dos discos mais legais que ouvi na vida. Desses que ouvirei pra sempre. Dando play na música 1 até o final. Sem pular nada. Curtindo cada detalhe e prestando a atenção em todos os milhares de detalhes. É um disco pretensioso, mas nem tudo pretensioso é cheio de pedância e soberba. Muitas das vezes é uma arte que dá certo.
Top 10 Nacional
01. Amaro Freitas – Y’Y
Grande nome do Jazz Brasileiro da atualidade, o Amaro Freitas lançou em 2024 um disco impecável sobre ancestralidade, misturando Jazz moderno, com avant-garde, poliritmos e influências dos povos originários. Coisa linda demais. Pra ouvir sem parar várias vezes. Pra mim, o melhor disco do Brasil.
03. Bonifrate – Dragão Volante
04. Milton Nascimento and Esperanza Spalding – Milton + Esperanza
05. Dead Fish – Labirinto da Memória
07. Nomade Orquestra – Terceiro Mundo
08. Piah Mater – Under the Shadow of a Foreign Sun
Pra quem gosta de K-Pop
Grande parte dessa lista foi basicamente os discos que minha amiga Ana Clara Matta foi me mandando durante o ano e fui separando o que mais gostei. É uma lista de puro gosto pessoal, feita por um civil que gosta de ouvir coisas novas e inovadoras no Pop.
j-hope – HOPE ON THE STREET VOL.1
VINÍCIUS CABRAL
Passei metade do ano no estúdio (não em silêncio, diga-se). Ao sair do aquário (literalmente), já me deparei com lançamentos impressionantes. Não perdi muito tempo, como vocês bem sabem, com os hypes óbvios. Essa lista vai decepcionar os fãs do pop da OTAN (Kamala is Brat, não é mesmo?). E eu não tô nem aí. A minha música vai cada vez mais pra esquerda e, curiosamente, este ano acabei dando mais atenção aos nacionais. Primeiro, porque estou prestes a lançar álbum e quero saber o que anda acontecendo no geral. Segundo, porque depois de tanto tempo tateando aqui e ali na cópia e batendo na trave, a música nacional (especialmente o indie) parece ter se reconciliado com seus melhores momentos. Excelente notícia. Nos gringos, tentei ir na base do coração. Ouvi poucos latinos de expressão esse ano, e alguns chineses espetaculares (dentre os quais um invade meu top 10). É sempre dificílimo elencar só 20 internacionais e 10 nacionais. Então, com muito esforço, este ano resolvi aumentar minha lista de nacionais e deixar nos gringos só aquilo que me comoveu de verdade – a ponto de, ao menos, me fazer gastar mais de três audições.
20. Spirit Of The Beehive- YOU’LL HAVE TO LOOSE SOMETHING
Depois da porrada de seu disco anterior, ENTERTAINMENT/DEATH, de 2021, eu esperava grandes coisas da banda da Filadélfia. Veio um álbum irregular, mas com excelentes momentos, como o magnífico single LET THE VIRGIN DRIVE.
19. Kim Gordon- The Collective
Nossas duas Kims preferidas, as rainhas do rock alternativo, lançaram álbuns novos este ano. No alto de seus 71 anos, a Gordon lançou mais uma pedrada, seguindo sua saga que envolve noise e música de guitarra com beats 808 quebradíssimos.
18. ARTMS- <Dall>
A novíssima geração do pop coreano segue me encantando. Em <Dall>, a girl band apresenta canções pop com um aceno alternativo. Texturas contemporâneas embalam melodias memoráveis, como nas magníficas Air e Birth.
O badalado novo álbum da banda irlandesa justifica seu hype, com canções poderosas como Bug, Starbuster e Favourite (essa uma das melhores do ano, disparada). Já gastei melhores linhas sobre o disco em nossa newsletter (corre lá).
16. RM- Right Place, Wrong Person
RM é o Kim Namjoon. Simplesmente, membro de um dos maiores grupos pop do planeta (o BTS). Ainda assim, nos entrega um álbum de art-pop que flerta com experimentalismos, e ainda alista gigantes como Little Simz e Moses Sumney.
A banda galesa retorna à excelente forma, nos presenteando com seu humor ácido de sempre, e canções inesquecíveis. É uma longa (mas gostosa) audição, totalmente recompensada pelo clássico Adult Acne Stigmata, que fecha o disco.
14. Vampire Weekend- Only God Was Above Us
Certamente o melhor disco da banda desde a obra-prima Modern Vampires Of The City, de 2013. Eles voltam à forma e tentam novidades, não satisfeitos com os maneirismos que criaram para si mesmos.
Eu não deveria gostar tanto de Chat Pile, eu sei. Mas há algo naquele sludge metal sujo, nervoso e desesperado que simplesmente me emociona muito. Especialmente quando acompanho as letras, densas e críticas. Chat Pile é uma das bandas que melhor narra a decadência do império americano. Cool World retrata um mundo nada “cool”. Apenas gélido, triste, cansado; exaurido de suas forças vitais. É uma tragédia vívida, musicada com uma competência ímpar.
Mais um disco impecável da jazzista caribenha-belga, de sons experimentais e ambientações sonoras impressionantes. O disco é um continuum, com faixas que se interligam formando uma rede intrincada de movimentos musicais absolutamente mágicos. Ps- as faixas, literalmente, são chamadas Continuum 1, Continuum 2, e assim sucessivamente.
11. 107 Faunos- Vandalismo Comparado
A veterana do indie argentino nos apresenta uma mistura de Alex G com Flaming Lips (bem clara em Promesa Feliz), mas vai além. Puxa nossas mais sinceras emoções em canções singulares, de personalidade e apelo indie. Café é uma das canções da minha vida em 2024.
10. Backspace 退格- Outside of Change 变化之外
Trata-se de uma das bandas mais singulares do indie chinês. Trabalham naquela cruza (já) tradicional no rock chinês entre krautrock (motorik beats) e escalas melódicas tipicamente orientais, de uma forma bastante explosiva. É um álbum progressivo e mágico, que sabe lidar com repetição e progressão numa medida muito equilibrada. Não à toa, o disco propõe uma espécie de vivência temporal – dentro e fora da mudança, como o próprio título nos anuncia. Uma pequena bomba a ser degustada devagarinho.
9. Nilüfer Yanya- My Method Actor
Depois do petardo de dois anos atrás (o álbum Painless, 2022), esperava-se muito de Nilüfer. E ela entregou. É um disco diferente, mais acústico e de cadência lenta. Ainda assim, pode ser incendiário, como nas canções Method Actor e Like I Say (I runaway). A falta de equilíbrio entre explosão e calmaria, porém, acaba arrastando um pouco o disco em sua segunda metade. Mas segue sendo um dos discos lírica e melodicamente mais marcantes do indie gringo este ano.
8. Isla Mujeres- Barato Ideal
A banda argentina nos apresenta aquela mistura incrível entre Pixies e Spinetta que só os hermanos (ou, mais ainda, as hermanas) nos proporcionam. Sed Peligrosa começa o disco de uma forma que quase me perdeu, com resquícios do synth pop datado que vira e mexe aparece por aí (não é mesmo, magdaleners??), e que marcou o álbum anterior da banda. Mas na segunda metade (a partir de um solo de guitarra emocionante), a canção toma vergonha na cara e se resolve na fórmula descrita no início deste texto. E isso com uma assertividade impressionante, nos mostrando que os resquícios a que me refiro integram, na realidade, a base pós-punk que se ouve mais “crua” e marcadamente na ótima Tengo Un Plan. O disco é todo explosivo e não tem uma única faixa de gordura. Outros destaques são Pagando de Más (a melhor do álbum e uma das melhores do ano do rock alternativo latino), Mala Influencia, Disimular e a espacial e densa Cuida Tu Rareza. Um disco curto, poderoso e impecável. Pra se furar no repeat.
7. MJ Lenderman- Manning Fireworks
O charme inestimável do indie-folk de vozinha desafinada realmente arrebatou muita gente em 2024. MJ Lenderman, depois de colaborações marcantes com projetos e bandas como a Wednesday (ver nossa lista do ano passado), lança um debut impressionante. De cara, acessa a tradição folky-alternativa que liga Neil Young a Pavement em uma trajetória relativamente direta. Por falar em Neil, é ele que veio à tona imediatamente quando ouvi Joker Lips (um dos destaques do disco) pela primeira vez. A música evolui com uma pedal-steel entregando um riff matador, e mostra todas as ferramentas de MJ como compositor e intérprete. Mas são muitos os demais destaques do álbum. Rudolph, Wristwatch e On My Knees seguem essa linha Neil Young/Crazy Horse era, com uma energia renovada. Já minha favorita do álbum, She’s Leaving You, sustenta estrofe-ponte-refrão em uma única progressão, super simples, com um solo de guitarra arrebatador na última parte. You Don’t Know The Shape I’m In, mais introspectiva, traz uma versatilidade importante para um disco que, às vezes, pode soar meio de “uma nota só”.
6. Dummy- Free Energy
Dummy é a melhor surpresa do ano pra mim. A banda começou fazendo shoegaze, mas rapidamente apresentou um segundo álbum baseado em novos horizontes. Fugiram da onda (inexplicavelmente duradoura) do shoegaze e miraram no madchester, e em outros atos eletrônicos mais “synthy” dos anos 90. É óbvio que, a partir da maravilhosa Soonish…, o que fica evidente é que Dummy se aproxima de uma banda dos anos 90 que fez exatamente este percurso (do shoegaze a um indie big pop, cheio de synths): Stereolab. Mas seria bem preguiçoso definir este álbum como uma cruza entre Happy Mondays e Stereolab. O repertório deles vai além. A sequência Opaline Bubletear/Blue Dada é prova disso. Uma intro com direito a sax e ambientações dá lugar ao indie-pop de synths matador da segunda parte, com um refrão que só chega no final, mas que te faz balançar a cabeça como nas canções mais agitadas de Mars Audiac Quintet, da pioneira Stereolab. Mais índices da diversidade que Dummy acessa podem ser observados em Minus World (essa com guitarras à la Television no final) e Nine Clean Nails, que foge das referências já citadas para mostrar uma pegada meio Pixies/TV On The Radio. O disco é, enfim, um catálogo de referências incríveis para quem gosta (como eu) de ficar tentando caçá-las. Mas é, sobretudo, um disco pra ouvir curtindo muito.
5. Mount Eerie- Night Palace
A lenda indie Phil Elverum (Mount Eerie, The Microphones) começa seu novo álbum dizendo: “I saw lightning last night”- “eu vi um raio noite passada”. E termina dizendo: “I need new eyes”- “preciso de olhos novos”. Não dá pra dizer exatamente o que ele vê, pela trajetória verborrágica e caótica dos mais de 80 minutos do álbum, recheado de reflexões brutalmente honestas, diversionismo, muito rock e ambientações mágicas. Em certo momento, ali pela metade do trajeto, ele conversa com um peixe. Em outro, ele apela à noção de que vive em um território ocupado, que na verdade pertence aos povos nativos, massacrados- isso acontece em um dos momentos mais bonitos e roqueiros do álbum, na incrível Non-Metaphorical Decolonization. Musicalmente, Elverum adorna toda essa trajetória lírica (cantada mas, principalmente, declamada) como se fosse a trilha de um filme. Cria ruídos de passagem, sons ambientes de fundo, proto-canções. Tirando momentos em que seu talento melódico parece prevalecer (como em I Walk), é difícil achar trechos cantaroláveis aqui. Phil prefere nos capturar no universo fértil e singular de sua própria cabeça. Em certo ponto, na épica e literária Demolition, ele diz: “I’m almost 46. I have so many hopes”- “Tenho quase 46. Tenho tantas esperanças”. É lindo ver alguém, em sua meia idade, tão comprometido (ainda) com uma busca que não se furta de ser caótica, nervosa, conflituosa e irregular. Quando se atravessam as águas turbulentas do caos interior do artista, é possível ver que aquele estado é, somente, um reflexo do nosso próprio caos interior. É aí que este álbum penetra, caminhando em conjunção com nossas próprias angústias. Lindo de ouvir, e de sentir.
4. Mannequin Pussy- I Got Heaven
Este disco é um marco. Um álbum de indie rock “nervoso” e enérgico, de carga roqueira mortal, como não se via (com essa competência) há algum tempo (não, não dá pra botar Turnstile no mesmo barco). A porradaria fica mais evidente nos hardcores presentes aqui (como Ok? Ok! Ok? Ok! e Of Her). Mas permeia todo o trabalho, que apresenta uma dinâmica irresistível, indo de guitarras aberrantes e muita gritaria à harmonias angelicais e refrões melodicamente assassinos. O álbum começa em um nível muito alto (e com o roque lá em cima), com a dinâmica faixa-título. Logo em seguida, Loud Bark consolida o clima, com um loud-quiet-loud incrível, de melodias e passagens notáveis e uma letra impecável, que reforça a dinâmica das subidas que a música dá (literalmente, “latidos altos”). I Don’t Know You, um dos maiores destaques, é absolutamente aérea e parte de um cancioneiro indie-pop americano bem característico. Já Sometimes tem uma pegada mais indie-punk, que chega a lembrar Smashing Pumpkins, enquanto Softly esbarra em Hole (e é uma canção lindíssima, inesquecível). O disco lança isso tudo como se não fosse nada, com uma naturalidade de banda veterana (que são) em seu momento de maior maturidade e auto-confiança. Os vocais de Missy Dabice são marcantes, e acompanham perfeitamente a dinâmica das canções, geralmente indo de registros mais sussurrados à gritaria pura e simples. Um trabalho irretocável- não dá pra pular uma faixa. Quando achamos, em Aching, penúltima faixa, que a banda já gritou tudo o que podia e já entregou seu melhor, o álbum ainda tem lenha pra queimar. Se encerra com a magnífica Split Me Open, uma das melhores músicas do ano. Te desafio a não amar I Got Heaven por anos a fio. Em minha humilde opinião, um clássico – totalmente subestimado pela imprensa especializada, diga-se.
3. Cindy Lee- Diamond Jubilee
Diamond Jubilee é um disco experimental, processual e aberto, com canções que, quando mergulham em uma certa tradição (a de um big pop 60s em uma versão bedroom-indie, etérea e lofi), são capazes de te elevar em um sentido quase metafísico. É o caso da faixa-título, de Kingdom Come, Always Dreaming, Wild One, If You Hear Me Crying, entre muitas outras. São momentos que compensam e premiam quem atravessa, com muita atenção, deferência e, sobretudo, paciência, os percalços de uma obra, a um só tempo, irregular e necessária. É preciso, mais do que nunca, dedicar uma nova atenção à audição musical (temos dito isso com mais frequência do que gostaríamos). E discos como Diamond Jubilee tensionam tanto isso que é impossível ignorar o feito – tanto musical quanto contextualmente. O contexto, afinal, dependerá sempre da qualidade das canções. Sem grandes canções, não haveria nada a ser dito aqui. Infelizmente, o grande assunto a respeito de Diamond Jubilee tem sido justamente o contexto; o fato do álbum não estar nos streamings, o formato inusitado, etc. É preciso refletir um pouco mais sobre a música que ele contém. Sobre como trata-se de um álbum com as melhores canções que ouvimos em muito tempo, imersas em uma zona de experimentalismos às vezes enfadonha e um tanto auto indulgente. O que é prevalente? As melodias maravilhosas ou os escapismos? Tentei jogar alguma luz sobre isto em nossa Newsletter #279 (se você não assina, corre lá agora!). Por ora, apenas encerrarei com uma das reflexões presentes naquele texto; ser o acontecimento musical do ano não significa, automaticamente, ser o melhor álbum do ano. Pode ser que, no longo prazo, Diamond Jubilee seja até mais do que isso (melhor da década?). Não é possível afirmar muito agora. Apenas que se trata de uma obra múltipla e densa. Tão densa que precisa continuar sendo degustada por muito tempo.
2. Being Dead- EELS
Não dá pra limitar Being Dead à máxima da “banda que não se leva a sério”. Apesar disso estar correto, como nosso próprio Márcio Viana já destacou, penso que há mais coisas em jogo para a banda de Austin-Texas. Existe uma verdadeira linhagem que nos leva até eles, e a banda parece ter plena consciência disso, como eu destaco aqui. Logo, parece ser o caso de uma banda que leva a sério não se levar a sério. O duo (às vezes trio) mergulha nesse universo da canção esquisita, que talvez comece nos anos 60, com The Shaggs (involuntariamente), Captain Beefheart, Brian Wilson e Syd Barrett; The Raincoats (mais ou menos uma década depois); Beat Happening (mais ou menos uma década depois); Of Montreal, Gorky’s e muitas outras (mais ou menos uma década depois); e por aí vai. Cortamos para 2024, e Being Dead aparece em seu segundo álbum com um conjunto de canções “tortas”, com progressões improváveis, mudanças de tempo, riffs desconjuntados no meio de melodias que, de outra forma, seriam perfeitamente pop, etc, etc. E parece tensionar essas fórmulas, a ponto de me remeterem às experiências mais esquisitas (ainda que divertidas) de Of Montreal (em sua era Cherry Peel/The Gay Parade). É o que se ouve, por exemplo, em Big Bovine, um dos destaques do disco. Mas não faltam destaques. Blanket Of My Bone, bem no início do álbum, traz tudo o que falei até aqui, sumarizando a análise. É uma canção completamente idiota e irresistível, como todo o álbum. É certo que há canções no disco, como Nightvision, Van Goes e Goodnight, onde a esquisitice aparentemente divertida vai de encontro a uma certa melancolia. O que também é um pouco óbvio. Afinal, a tradição a que me refiro é, sempre, agridoce. Ela atinge rupturas como que involuntariamente. Não é que os artistas “estranhos” que seguem essa tradição queiram ser estranhos. É que, talvez, eles não consigam ser de outro jeito.
1. Jessica Pratt- Here In The Pitch
Em muitos sentidos, 2024 é o “ano da canção”. É como se, em meio a tanto ruído, colagem, cópia e barulho desnecessário, as canções (tradicionalmente falando, em termos de música, letra, harmonia e melodia) pedissem passagem. Jessica Pratt pediu passagem. Embalsamou as 9 canções de seu 4º álbum de estúdio em arranjos meticulosos; violão de nylon tocado com os dedos; um reverb impressionante nas vozes; percussões e baixos sutilmente agarrados em uma “parede” spectoriana. Elementos, enfim, ligados a uma longa tradição. É claro que se ouve Pet Sounds aqui, especialmente na forma como as percussões vibram e reverberam, como que escapando do próprio corpo vocal da artista. Mas isso não rotula ou limita o disco. Ele se concentra, sempre, nas canções. Quando nos perdemos nas referências, Jessica faz questão de nos sequestrar rapidamente para dentro das canções novamente, com progressões belíssimas, que quase nunca seguem um padrão. Ela encaixa pontes onde deveria haver o retorno das estrofes. Cria, como em Better Hate, quase que um continuum, apostando até em tradições melódicas brasileiras, como no empréstimo modal que faz no pós-refrão. Por falar em tradições brasileiras, há uma influência inegável de bossa nova no álbum, explícita não só nas melodias, mas também na forma como Jessica encara os arranjos não como adornos, mas como extensões sutis do corpo harmônico principal, composto por voz e violão (o que fica mais claro nas canções Get Your Head Out e By Hook or by Crook). O violão dá lugar, porém, a um piano em Empires Never Know– certamente o maior acontecimento melódico do ano. Se isso tudo impressiona, esperem ver o que acontece quando se termina o álbum pela primeira vez, com a maravilhosa The Last Year. O impulso de voltar ao disco, com mais atenção ainda, é inevitável. Qualquer trabalho que te prenda da forma como Here In The Pitch te prende é, atualmente, um manifesto de força incontornável. É difícil entender como Jessica Pratt concatenou tanta força em tão pouco tempo (nos modestos 27 minutos de duração do disco). É uma tarefa para os próximos meses, e anos, tentar entender o processo.
Destaques Nacionais:
01. Céu- Novela
Em um ano de canções (como acabei de destacar), Céu nos entrega algumas espetaculares, naquele que considero, indiscutivelmente, seu melhor disco. E bebe de uma tradição que também embalsama os dois próximos álbuns dessa lista; a do pop rock nacional dos anos 60 e 70. Com melodias e arranjos brilhantes sustentados por uma mixagem impecável, Céu apresenta registros vocais que vão de Wanderléa a Angela Ro Ro– percurso notado claramente na sequência Crushinho/Into My Novela. A segunda, inclusive, sumariza o álbum, com a compositora convidando o cantor convidado (Loren Oden) e os ouvintes a entrarem na “sua novela”. A letra, misturando inglês e português, é um deleite. Um puta disco para coroar um ano criativo e diferente para a música brasileira.
4. Paira- EP01
5. Oruã- Passe
8. Dj Anderson do Paraiso- Queridão
9. Maria Esmeralda- Thalin, Cravinhos, VCR Slim, etc
10. Nabru- Desenredo
12. Varanda -Beirada
13. Mundo Video- Noite de Lua Torta
14. Aquiles- Chance
16. Arthur Melo – Mirantes Emocionais
MÁRCIO VIANA
Eu comentei em um episódio que em 2024 eu estava em crise enquanto ouvinte de música. Troquei duas vezes de plataforma de streaming, e algumas características delas interferiram no meu processo de audição. Fora algumas questões pessoais e profissionais que me tiraram o foco e atrapalharam no processo de compilar as melhores coisas que ouvi este ano. Dito isso, me surpreendi ao perceber que até que ouvi muita coisa, e entre essas coisas, várias novidades. Alguns nomes como Thou, Daydream Plus e Jane Weaver estiveram nas primeiras versões da minha lista, mas acabaram dando lugar a outros que achei mais relevantes. O Deep Purple também lançou um bom disco, mas não a ponto de ser colocado na lista. E tá tudo bem. De repente vale a ouvida com calma. Dos nacionais, acabei não conseguindo me limitar a 10, mas fiquei na média. Essa é minha lista. Espero voltar a ela daqui a pouco tempo e avaliar se minhas escolhas vão continuar fazendo sentido.
Ynys é um quinteto galês capitaneado por Dylan Hughes, ex-Race Horses and Radio Luxembourg. Entre as características marcantes do grupo, a principal certamente é a capacidade de criar melodias grudentas, seja no idioma local ou em inglês.
O som é um powerpop que por vezes traz ecos de conterrâneos como Badfinger e Super Furry Animals, mas também traz muitos elementos do pop dos anos 80, e não seria estranho encontrá-los em sets e playlists ao lado de artistas daquela década. Pode-se encontrar aqui e ali também referências como Big Star ou Burt Bacharach.
19. Beth Gibbons – Lives Outgrown
Primeiro disco solo da cantora do Portishead, Lives Outgrown é um trabalho muito bonito e cativante. Li que a artista compôs as canções deste álbum ao longo de uma década, e isso talvez explique a densidade dos temas, que circulam por maturidade, perdas e situações da vida caseira, como a maternidade e a menopausa. Whispering Love encerra o disco de forma apoteótica e nos faz querer perguntar se alguém anotou a placa da carreta que nos atropelou.
18. Kim Deal – Nobody Loves You More
A capa de Nobody Loves You More, com Kim Deal à deriva com seus instrumentos, não é à toa: ela traduz o disco, no sentido de que, em seu primeiro álbum solo, Deal pode até não ter o aparato das Breeders ou dos Pixies, mas sabe que – como dizia o poeta – navegar é preciso, ainda que um tanto impreciso.
Quem esperava um disco parecido com os trabalhos de Kim Deal em suas bandas, pode voltar remando: aqui ela navega por outros mares.
Steve Albini esteve envolvido na gravação de grande parte das canções, e infelizmente não pôde ver o trabalho pronto.
17. Kim Gordon- The Collective
É muito difícil descrever o porquê deste disco estar na lista de melhores do ano, porque ele tem muito a ver com o legado de Kim Gordon. Ela faz o que sabe e o que quer fazer, e com isso, faz tudo muito bem. A criação do álbum foi inspirada no livro The Candy House, de Jennifer Egan (autora do genial A Visita Cruel do Tempo). É mais visceral que No Home Record, de 2019.
16. Etran de L’Aïr – 100% Sahara Guitar
Se você ler por aí que o Etran De L’Air é uma banda de casamentos, não se assuste. Não é 100% isso, mas é uma verdade. No Níger – em especial na capital Agadez -, país de origem do grupo, é comum as bandas serem contratadas para tocar em casamentos, batizados e eventos políticos, mantendo paralelamente uma carreira profissional com shows e álbuns. A banda é formada por três irmãos que se revezam nas guitarras e baixo, e um amigo dos três na bateria.
100% Sahara Guitar é o terceiro álbum do grupo, e parece que é o que os projeta para a linha de frente do movimento, junto com nomes como Mdou Moctar, Bombino, Tinariwen, entre outros.
15. The Cure – Songs of a Lost World
Robert Smith trouxe à tona em 2024 um álbum sombrio. Esqueça a alegria – ok, meio melancólica – de coisas como Lovecats ou Friday I’m in love. Aqui, o negócio é mais próximo da tristeza de Disintegration (1989), efeito da experiência pessoal de Smith com algumas perdas familiares.
Há longos trechos instrumentais permeando as letras confessionais que, se não podem oferecer esperança, pelo menos entregam uma boa trilha para dias de recolhimento.
Originalmente um projeto solo de Jacob Slater, ex-Dead Pretties, o Wunderhorse chega ao segundo disco como banda, e entrega Midas como um álbum muito bem executado e deixando claro um trabalho coletivo. É indie em sua essência, mas tem um potencial imenso para o er… “sucesso”, se é que isso importa.
O disco foi gravado ao vivo no Pachyderm Studio em Minnesota, mesmo local onde nasceu In Utero do Nirvana. E isso explica muita coisa.
13. Sleater Kinney – Little Rope
Hoje reduzido a um duo, após a saída da baterista Janet Weiss, em 2019, o grupo formado por Carrie Brownstein e Corin Tucker, vem com um trabalho visceral, um processo de cura por conta de um drama vivido por Brownstein e compartilhado por Tucker.
A dupla estava na Itália, trabalhando na pré-produção do álbum, em 2022, quando Tucker recebeu ligação da embaixada dos EUA, que tentava notificar sobre o falecimento da mãe e do padastro de Carrie Brownstein em um acidente de carro.
A partir daí, o disco ganhou outro significado, ou melhor, se tornou outro disco, é claro. E o nome Little Rope representa exatamente esta corda a ser jogada para resgatar alguém. A expressão do título vem da canção Small Finds, que diz: give me a little rope. É sobre luto, sobre sensação de impotência diante de algo inevitável, é sobre revolta. Tudo isso embalado por uma sonoridade muito forte, o que nos traz algum conforto.
Depois do genial I’m Not Sorry, I Was Just Being Me, que esteve na minha lista de melhores de 2022, o duo britânico King Hanna volta com seu Big Swimmer, que traz uma colaboração com Sharon Von Etten em duas faixas.
O disco repete alguns dos bons momentos do antecessor, com algumas sacadas criativas, como a representação de uma entrevista de emprego em New York, Let’s Do Nothing. As guitarras falam alto em faixas como Lily Pad e Davy Says.
Ao decidir gravar um novo álbum, Wayne Kramer foi convencido pelo renomado produtor Bob Ezrin de que este deveria ser um disco do MC5, pelo caráter sonoro e temático, em tempos de Trump com chances palpáveis de voltar ao poder. “We’re all MC5” foi a frase de Ezrin, que quase se tornou o título do disco. Com participações de nomes como Tom Morello, Slash, William DuVall, Vernon Reid, Dom Was, entre outros, Heavy Lifting traz de volta aquela sonoridade característica da banda, um protopunk um pouco mais virtuoso, com alguns toques de soul e funk em vários momentos. O baterista Dennis Thompson esteve presente em duas faixas. Presença mais frequente foi a do cantor e letrista Brad Brooks, que soube canalizar a energia das canções do grupo sem ser um imitador de Rob Tyner. Não era para Heavy Lifting ser um disco póstumo, mas quis o destino que Wayne Kramer nos deixasse em fevereiro, vítima de câncer, e Denis Thompson em maio, de ataque cardíaco. O empresário e idealizador do MC5, John Sinclair também faleceu em maio, tornando o álbum um capítulo final.
10. West 11 – Atlantic Coast Highway
O West 11, cujo núcleo é formado por Beth Hirsch (voz em várias canções de Moon Safari, do Air), Phil King (ex-Lush e Jesus and Mary Chain) e Mark Shaw (ex-Crewe’s Train Set e residente em Portugal), se reuniu em torno deste novo projeto, com apoio de mais alguns músicos, e lançou seu álbum de estreia, Atlantic Coast Highway. Diante desta formação e sua experiência, não espere uma sonoridade previsível. O som é bem mais orgânico do que o de Moon Safari (até porque não é o Air). Atlantic Coast Highway foi gravado em Portugal, e ao seu modo, é conceitual: trata de uma fictícia rodovia, como um paralelo à existente Pacific Coast Highway. Fica aí o convite a embarcar no conversível e pegar essa estrada com o som ligado.
09. Cindy Lee- Diamond Jubilee
Ao longo dos dias, este disco foi descendo de posição em minha lista, mas ainda assim, vi que não poderia ficar de fora. Passado o hype, pode até ficar cansativo todo o bastidor para além da música, como o formato como o álbum foi lançado e divulgado. Não é uma audição “fácil”, nem precisa ser.
Mas a real é que esse disco é, sim, grandioso em sua proposta, e é legal que tenhamos a chance de, pelo menos uma vez, tentar a audição na íntegra, se possível na sequência pensada em sua concepção, ainda que seja necessário um esforço extra para tal.
08. Geordie Greep – The New Sound
Outro disco difícil de ser compreendido no primeiro play. Um desavisado pode comparar o trabalho solo do ex-black midi a coisas feitas antes por artistas como Mr. Bungle e John Zorn, e talvez até faça algum sentido a comparação, mas não é só por aí.
Tem jazz, tem samba, tem som pesado, e eu não sei se é uma boa pedida para ouvir no trânsito, mas dá pra ouvir com calma pra tentar organizar as ideias propostas.
E vamos combinar aqui que um álbum conceitual e irônico sobre a jornada do macho alfa não tem como não ser caótico.
07. Mabe Fratti – Sentir Que No Sabes
Em comparação com seu antecessor, Se Ve Desde Aqui, o novo álbum de Mabe Fratti, Sentir Que No Sabes, é ainda mais desafiador das estruturas tradicionais do pop. Ao longo dos 41 minutos do disco, ela abraça o caos, alternando os sons de cello com arco ou pizzicato, entremeados por sons percussivos inusitados e outros efeitos. Na vagarosa Alarmas olvidadas, Fratti alterna seu canto com um vocoder e cordas em um loop manipulado eletronicamente, enquanto a letra manda a real: a verdade é um desafio. Sinta-se desafiado a dar o play.
06. English Teacher – This Could Be Texas
Formada por colegas do Conservatório de Leeds, o English Teacher tem a proficiência que se espera de bacharéis em música, mas tem também uma verdade aí que agrada, e muito dela vem da personalidade de sua vocalista Lily Fontaine, que traz temas e títulos espertos para as canções, como I’m Not Crying, You’re Crying, Not Everybody Gets Go To Space e The Best Tears of Your Life. A crítica em geral comparou o grupo com o Black Country, New Road, e até que é uma boa pista para a sonoridade deles, ainda que eles pareçam um pouco mais seguros, talvez pela já citada educação formal em música.
05. J. Mascis – What Do We Do Now
Não seria estranho se esse fosse um disco do Dinosaur Jr., mas faz todo o sentido que não seja. Em What Do We Do Now?, J. Mascis traz belas canções como Can’t Believe We’re Here, em que o peso das guitarras dá lugar aos violões, e o instrumento elétrico só dá as caras no solo.
Aliás, os solos são o maior atrativo do álbum, já que trazem conforto, principalmente para quem é fã do trabalho de J. Mascis e sua Fender Jazzmaster.
04. Jessica Pratt- Here In The Pitch
Mesmo não sendo a minha escolha de primeiro lugar, tenho que concordar com o Vinícius Cabral que este é um disco que nos prende, como um clássico é capaz de nos prender.
Há quem tenha escrito por aí comparações de Jessica Pratt com respeitados artistas folk, mas é bem limitador este pensamento. Here in The Pitch voa bem bem mais longe do que isso, basta ver a grandeza de um tema como Empires Never Know.
03. Bab L’ Bluz – Swaken
O Bab L’ Bluz, grupo franco-marroquino formado em 2018 em Marrakech pelo núcleo que reúne a cantora e musicista Yousra Mansour e o também multi-instrumentista Brice Bottin, chega agora com seu segundo disco Swaken, e traz uma mistura empolgante de rock psicodélico, blues, funk, soul e música tradicional norte-africana.
Se a gente para pra pensar que todos os artistas ligados à psicodelia se voltavam ao oriente para buscar inspiração, nada mais justo e adequado que beber direto da fonte, e é isso que o Bab L’ Bluz nos oferece, inclusive nos lembrando de onde é que veio o blues.
Tem tudo o que caracteriza uma obra prima, e talvez seja.
02. Mannequin Pussy- I Got Heaven
Esse disco me atropelou, e por muito tempo foi minha escolha de melhor do ano. Como pode uma banda passear tão bem entre o indie-rock e o hardcore desse jeito?
Li algumas comparações deste álbum com Live Through This, do Hole, e até pode ser uma boa referência para quem precisa de alguma, mas a audição atenta vai trazer outros pontos importantes no meio desse caminho. Ok? Ok! Ok? Ok!, com suas alternâncias rítmicas, é minha preferida. E quem, senão o Mannequin Pussy, na figura da vocalista Missy Dabice, poderia dedicar uma música barulhenta como Of Her à própria mãe? Eles podem.
01. Being Dead- EELS
Acho que a grande coisa a se falar sobre o duo Being Dead, de Austin, Texas, é que sua principal característica e ponto forte é não se levarem a sério.
Em seu segundo disco, EELS, Falcon Bitch e Shmoofy (eu avisei que eles não se levavam a sério) mandam canções nada lineares e não muito possíveis de serem encaixadas em uma vertente do rock. Eles são o que são, e é o que basta.
Pra dar uma organizada, a dupla chamou o produtor John Congleton, ganhador do Grammy (se é que essa informação importa aqui), mas eles também acabaram por dar uma produzida adicional. O som do Being Dead por vezes soa sessentista, mas tem toques de new wave e alternativo.
Me conquistou desde a abertura, com Godzilla Rises, mas a que viciou mesmo foi a singela Rock n’ Roll Hurts.
A saber: no disco e nos shows, o duo vira trio, com a participação ativa da baixista Nicole Roman-Johnston, que contribui inclusive com suas risadas na já citada Rock n’ Roll Hurts.
Destaques Nacionais:
01. Boogarins- Bacuri
O disco dos goianos chegou quase quando nossas listas estavam fechando, mas me surpreendeu. Muito bem produzido pela própria banda e pela engenheira de som Alejandra Luciani, Bacuri remete um pouco ao início da banda, como no disco de estreia, Plantas que Curam, mas mostra uma banda muito mais segura, o que é natural, claro.
E a semelhança com o primeiro disco não é à toa, já que o método de gravação foi parecido, feito em casa – dessa vez por força das circunstâncias: começou a ser produzido em 2021, ainda em período de isolamento pela pandemia. A maturidade dos arranjos também tem a ver com estes três anos de trabalho.
São dez faixas com excelentes sacadas nas letras e títulos, como Corpo Asa, Crystian & Ralf (sim) e Amor de Indie. Bom do começo ao fim, mas o fim é o melhor com a bela Deixa.
3. Milton Nascimento and Esperanza Spalding – Milton + Esperanza
5. Pullovers – Vida Vale a Pena?
6. Paira – EP01
7. Antiprisma – Coisas de Verdade
11. Varanda -Beirada
12. Chico Cesar e Zeca Baleiro – Ao Arrepio da Lei
15. Vivian Benford – Concreto Dois
BRUNNO LOPEZ
Todos os anos, eu espero que a música traga conforto e revolução. Um abraço seguido de soco, uma rosa branca seguida de bomba atômica. Talvez 2024 tenha sido desequilibrado nessa balança e, a essa altura, tudo bem. Ela ainda funciona como elixir de sanidade, por mais que, às vezes, enlouquecer pareça o play mais inteligente a se fazer. Muitos artistas inéditos apareceram, outros trouxeram suas melhores versões e, nesse combo de expressões, todos saímos aparentemente salvos.
Foi um ano de novas canções favoritas. Novas perspectivas não tão favoritas assim. Mas trilha sonora pra todas.
Destaque de colaboração do ano
Eletric Callboy & BABYMETAL – RATATATA
20. Whom Gods Destroy – Insanium
A volta de Mike Portnoy ao Dream Theater mexeu as cadeiras – e os bancos – de muitas de suas bandas. Uma delas foi o Sons of Apollo, que acabou se tornando Whom Gods Destroy e trouxe Bruno Valverde, Dino Jelusic e Yas Namura para se juntarem a Derek Sherinian e Ron Bumblefoot Thal. Prog de altíssima qualidade e densidade com destaque para os tempos completamente quebrados de ‘Hypernova 158’.
Hard rock brasileiro com ares oitentistas e produzido por Jeff Scott Soto. Só essa definição já valeria o play. E este é o argumento.
Os gregos do Power Metal, famosos por seus covers de bom gosto – ouça ‘Maniac’ – lança um de seus melhores álbuns da carreira. E claro, trazem uma versão imperdível de ‘Talk In Your Sleep’ do The Romantics.
17. The Cyberiam – Unobtainium
O prog segue bem representado nesse ano e a culpa é desses caras de Chicago. Com uma sonoridade que bebe na atmosfera de discos clássicos como Images and Words e Awake, não teria como dar errado.
16. Exit Eden – Femmes Fatales
Clémentine Delauney (Visions Of Atlantis), Anna Brunner (League of Distortion) e Marina La Torraca (Phantom Elite) compõe o trio de cantoras nesse álbum que divide inéditas e covers numa pegada refrescante de metal sinfônico. Destaque para ‘Poison’, que Alice Cooper certamente aplaudiu.
‘The joker is me’. Ela entoava, naquele timbre tão seu, como se fosse fácil. É apenas a oitava faixa e a srta. Stefani Joanne Angelina Germanotta já capturou a atenção por completo. Nem sei mais em que ano estamos. São tantas releituras em apenas 9, 10 minutos de audição que a sensação de máquina do tempo é inevitável. Sim, são 10 covers aqui. Judy Garland e Mickey Rooney que se virem pra aplaudir a abertura. A gente não sabe que precisava de mais uma versão de ‘Good Morning’, ‘Get Happy’, ‘That’s Entertainment’ e ‘Oh, When The Saints’ até ouvir. Sim, talvez a gente precise. Harlequin é isso. Uma provocação de uma artista envolvida num personagem que achou que apenas a atuação seria pouco pra externar o que sentiu. Esse é o coringa da Lady Gaga. E sequer estamos falando de Joaquin Phoenix.
14. Bayside – There Are Worse Things Than Being Alive
Eles tem uma forma tão dolorosa de expressar infortúnios pessoais e sociais que é quase impossível não se deixar levar. Foi assim em 2019, com Interrobang e isso se repete agora.
‘I’m so happy I could die’ já diz tudo.
13. Scarlet Rebels – Where the Colours Meet
Anos 1980 outra vez em destaque nesse álbum atraente com um single do mais alto quilate emocional. “Out of Line” traz o ponto alto de mais uma banda que se recusa a aceitar as exigências do tempo.
12. Meg&Dia – Mosaic
Depois de uma sequência de singles aqui e ali, o duo das irmãs Frampton finalmente eclodiu no álbum mais refinado de sua discografia. Experimente a profundidade de ‘Fireproof’ para comprovar o tamanho dessa arte.
Metal moderno na língua de Cabral com uma roupagem que nos inclina a adorar ouvir. Ou vocês realmente acham que é possível ignorar um verso desses: ‘Se achas que o metal é só barulho, vá mais perto rasgar o embrulho’.
10. Leprous – Melodies Of Atonement
A estética musical do Leprous é tão bem ambientada que as camadas parecem ter sido criadas juntas. Os instrumentos soam numa mesma rede de sons, como se a banda fosse um ser vivo único, falando sua própria língua.
Tudo isso explode num gutural inevitável nos últimos segundos de “Like a Sunken Ship” que nos faz entender que os noruegueses são a evolução máxima do prog metal.
09. Elles Bailey – Beneath the Neon Glow
O caminho para as mulheres no blues tem menos atalhos que o dos homens. E a srta. Bailey fez questão de atravessar essas estradas pra colocar seu nome na cena e arrastar novas vozes femininas que mergulham no estilo para criarem suas próprias identidades.
Ainda que Beneath the Neon Glow não seja completamente nessa atmosfera, a influência é percebida em cada detalhe e faz essa essência pulsar com roupas novas.
Disco gigantesco com canções que cavam nas profundezas das emoções. “Let it Burn’ é um exemplo dessa viagem ao centro de nossa própria Terra.
08. Adecense – Postalgia
A Suécia sempre vai criar algo incrível que mereça ser ouvido e compartilhado sem que a gente nem perceba. Postalgia é o resultado dessa demanda cultural irresistível que nos assola desde o Roxette. É o pop dos anos oitenta misturado com o rock bem dosado entre refrões que explodem em nossa garganta e tatuam o cérebro após uma única audição.
‘Late Night Talking’, ‘Someone Slighty Buried’ e a deliciosa ‘Juliet’ são provas de que voltar no tempo nos faz salvar a contemporaneidade.
07. New Monarch – New Monarch
Na falta de algo novo do Red Sun Rising, uma das bandas atuais mais inovadoras no cenário do, digamos, hard rock alternativo, seu guitarrista Ryan Williams nos presenteou com o nascimento do New Monarch. O novo grupo já carrega aquela originalidade que se espera de quem sabe transitar entre a garagem e o estrelato. É só observar a estrutura da faixa ‘Chelsea’, equilibrando a ideia de balada de vira canção de arena.
Não será surpresa se eles estiverem no alto da lista dos próximos anos. Pelo bem da música.
06. Reach – Prophecy
Como é possível que um trio consiga ser tão rico em suas contribuições musicais? É possível. O Reach é um compilado valioso de inúmeras faces do rock, indo do Muse ao Queen em poucos acordes. Difícil definir qual o direcionamento com exatidão, pois a versatilidade entre as canções apresenta um novo grupo a cada ato. E todos eles são adoráveis. Em Prophecy, eles estão mais únicos do que nunca e é isso que esperamos de um som.
05. The Veronicas – Gothic Summer
O duo australiano brilhou na década de 2000 com aquele quase punk rock de colégio. Depois flertou com algo um pouco mais pop, deixando as guitarras de lado e indo ao encontro do clímax mais dançante.
Em Ghotic Summer, elas resgatam a sonoridade do passado, porém, com letras mais atuais e finalmente alcançam sua melhor performance de estúdio.
‘Invisible’ é um dos melhores singles de 2024.
04. NALEDI – Batho
O que Naledi faz aqui é um arrebatamento cultural. Ela transforma o berço de sua bagagem oriunda das comunidades que cresceu num cataclisma antropológico. Brinca com os idiomas entre as canções, transita entre ritmos modernos e quase clássicos, num embrulho com laço de novidade. Quem escuta não sabe se dança, se reflete, se chora, se respira fundo, se acelera o batimento pra reduzir logo em seguida, se tira os sapatos e sente os pés tocarem a terra quente ou se veste-se com seu melhor traje para um evento de gala. Naledi te convida para o imprevisível que faz sentido e suas faixas desafiam a capacidade de se incorporar instrumentos e ideias. É o raciocínio solto que se amarra naturalmente. Isso fica evidente em ‘Change’, que, tal qual o nome, muda de atmosfera livremente. São sensações irrecusáveis em atos de composição única. O ponto de vista dela é um ponto de exclamação. Como alguém poderia compor algo como ‘P (x) J’ e não ser aplaudida quando acorda pra tomar seu café no hotel?O mais curioso é que ela fala e canta em 7 línguas.
Infelizmente, nenhuma delas é a dos críticos.
03. Autumn’s Child – Tellus Timeline
O melodic rock/AOR dificilmente nos decepciona pois consegue ficar num limiar de poder capaz de pegar pela mão os adoradores de glam e os cultuadores do metal tradicional.
Com essa dualidade unida, abre-se um espaço pra criar ainda mais conexões na música, coisa que o Autumn’s Child faz com extremo gabarito. No quinto disco dos suecos, eles ofereceram um pouco de tudo e acertaram em cada uma das propostas. Flertam com Beatles em ‘Around The World In a Day’, viajam para os anos 70 em ‘I Belong To You’ e se consolidam no Hard Rock contemporâneo ao longo das outras faixas, com uma autoridade de quem sabe exatamente o que está fazendo.
02. Ad Infinitum – Abyss
Se o Leprous é a evolução do prog metal, o Ad Infinitum é a história de todas as bandas de metal sinfônico reescrita. Simplesmente por não ser mais esse tipo de metal e por trazer uma Melissa Bonny que entende para onde a música precisa ir. Em Abyss, o grupo que já vinha de trabalhos consistentes, cheios de pequenos grandes clássicos, encontrou a apoteose de sua trajetória ainda recente na cena. Ousou em trazer pitadas de pop quase dançante para um cenário de levadas marcantes, incluiu guturais controlados antagonizando o timbre limpo angelical e manteve a estrutura base de som que os trouxe até aqui. Criar todos esses ajustes de percurso e ainda conseguir cativar os ouvidos é algo dificílimo, ainda mais dentro de um estilo que funciona como religião. Mas meu voto de fé fica aqui e o hino começa com ‘My Halo’.
01. Charlotte Wessels – The Obsession
Obsessão não poderia ser um nome mais ideal para o sentimento que a artista holandesa produz assim que resolve abrir sua boca ou escrever letras para suas canções. A ex-vocalista do Delain cruzou as florestas do estilo e encontrou um campo aberto para criar sua melhor versão. O que ouvimos aqui é uma Charlotte Wessels tão plural, tão profunda e tão vulnerável que nas primeiras audições só nos resta admirar e tentar absorver. As doze canções testam a capacidade de nossos ombros de carregar tantos significados. Quanto tempo fiquei olhando para ‘Chasing Sunsets’, desejando ter escrito aquilo e tentando encaixar as referências dentro do meu próprio cotidiano? Ou quando o dia se tornou absorto e o timbre rasgado em The Exorcism fez algumas das nuvens desejarem ir embora? Todos deveriam temperar a alma reservando um lugar em ‘The Crying Room’, naquele momento inevitável de autopiedade em que não se busca solução pra absolutamente nada, apenas se aceita a melodia de produção lacrimal atrasada pelos compromissos. E do mais submerso reduto de melancolia, rasgar desenhos de sorrisos com um épico moderno em ‘Praise’, uma composição absolutamente perfeita, um hit que 2024 deveria abraçar com a força que abraça alguém que não vê a muito tempo. Afinal, The Obsession é isso: a sensação de reencontro com algo que não tinha data pra aparecer e quando chegou, trouxe tudo o que não tínhamos. Agora, temos tudo.
Destaques Nacionais:
Poucos brincam com as palavras de forma bem emocional e inteligente quanto eles. Em Sentido, isso fica ainda mais aflorado, com destaque para a genial ‘Plano A’. Honestamente, esse álbum deveria ser o Plano A de todos.
2. Guilherme de Sá – Tempestade (Partes 1, 2 e 3)
O ex-vocalista do Rosa de Saron carrega a alcunha da voz mais bonita do Brasil desde sempre e aqui, em performance ao vivo com canções marcantes de sua trajetória e algumas inéditas, isso fica ainda mais evidente.
Destaque para a produção muito bem feita e para a técnica da banda que acompanha o Guilherme de Sá. Impecável.