
Falando com as cordas vocais e de aço, Tora Dahle Aagård é um escândalo rebelde crepitando sobre as misérias humanas. A maneira afrontosa que transforma as pétalas do blues clássico em aromas diversos é completamente magnética e em Prayer and Pleasure suas digitais afundam na alma como um de seus incontáveis solos perfurantes.
Ao longo das 10 faixas, o carrossel de emoções gira sem deixar o passageiro enjoado um único segundo sequer. Cada uma das voltas nos apresentam diferentes versões de um som constante e o timbre de suas palhetadas — e muitas vezes dedilhadas — encaixa cada um desses atos com a perfeição e raridade de um quebra-cabeças da Stave Puzzles.
Entre orações e prazeres, o disco promove essa mudança de estações proposital, colocando-nos diante de um púlpito sagrado num primeiro momento e depois num palco burlesco, testando nossa capacidade de modular o sentido das lágrimas de arrependimento e dos sorrisos nada ortodoxos.
“Run Faggot Run” abre fazendo a congruência de todos esses mundos em que o blues flerta com o pop, com pitadas de ZZ Top refrescante e um coro gospel imprevisível dentro da levada rock n’ roll contemporânea.
Luzes se apagam na avassaladora “They Don’t Teach You That”, que soa como uma mistura de confissões profundas embaladas pelo arranjo marcante de um guitarra solitária e a voz com interpretação visceral.
A gangorra volta para os arranha-céus na deliciosa “Baby Blue”, groovada da cabeça às cutículas, provavelmente do Prince. “Me and My Knees” desacelera imediatamente, como se quisesse impedir felicidades prolongadas.
“Little Bird” é o tipo de música que entra secretamente em playlists de terceiras intenções e ressuscita Marvin Gale. Se é que ele realmente um dia nos deixou, Provavelmente, só com vontade mesmo.
Tudo flui bem até que você tropeça numa obra-prima e guarda todo o ar de uma vida inteira pra mergulhar em “Dear Lord”. Uma daquelas canções que param corações, guerras e, com sorte, algum vídeo engraçado de 10 segundos. Em tempos de atenção fraca, essa música obriga o corpo inteiro a sincronizar com o momento e se lembrar de conjugar o verbo sentir no presente. E que presente.
Se não for o bastante, “My Everything” explode em grandiosidade, com a banda escalando até ares de musical refinadíssimo. É aqui que prazer e oração se transformam numa coisa só e entregam o álbum no andar mais alto possível de 2025, deixando que “They Say” encerre no estilo James Bond de ser.
Prayer and Pleasure é avassalador por promover uma heroína na guitarra e no microfone, ousar esparramar o blues sobre outras vertentes e não soar um monte de retalhos sem identidade.
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