O rock não estava morto

Artaud, disco de Luis Alberto Spinetta, lançado com o nome de sua banda Pescado Rabioso, é um dos discos mais influentes da história do rock argentino e mundial.

Eu tinha noção do tamanho da responsabilidade quando decidi escrever sobre o músico argentino Luis Alberto Spinetta (1950 – 2012). Porém, ao longo dos dias, enquanto ouvia o álbum clássico que analiso a seguir, percebi que seria impossível fazer isto em um texto linear, histórico, descritivo.

Artaud, terceiro disco do grupo Pescado Rabioso, é, na verdade, um disco-solo de Spinetta, uma vez que seus ex-colegas, insatisfeitos com os rumos que o grupo tomava com as ideias propostas pelo Flaco (alcunha pela qual Spinetta era conhecido), deixaram-no seguir em frente sozinho.

Para completar o disco, Spinetta recorreu a dois ex-companheiros do Almendra, grupo seminal do qual fez parte antes de formar o Pescado Rabioso, Emilio del Guercio (baixo) e Rodolfo García (bateria), e também a seu irmão Carlos Gustavo Spinetta (também baterista). Com todas as 9 faixas compostas por ele, o disco alterna momentos mais acústicos com algumas longas jams entre os instrumentistas envolvidos.

Algo a se refletir sobre esta obra e sobre o rock argentino como um todo, é a consciência dos músicos do país sobre o que era produzido sob o guarda-chuva deste movimento. Artaud talvez seja o álbum mais influente do rock ali produzido, e a prova disso é a citação já mencionada no texto do Vinícius Cabral sobre o MTV Unplugged do Soda Stereo, em que Cementerio Club é interpolada com Té para Tres, fazendo assim toda a conexão que se espera entre grandes nomes da música. Uma conexão que talvez o Brasil não tenha sido capaz de realizar, ao construir alguns muros entre o que foi rock e o que supostamente foi MPB. Tanto que o rock produzido por aqui nos anos 80 pouco conversou com o que foi feito nas décadas anteriores, e muitas mídias começaram a contar a história do gênero a partir de 1982, ignorando o que se fez antes. Tipo isso.

Apesar de levar o título do álbum, a influência do escritor Antonin Artaud sobre a obra é indireta: Spinetta afirmava que o que inspirou o álbum foi mais a sensação de desespero ao ler o autor, e o disco seria o antídoto para tal. O músico, com 23 anos à época (o que por si só já mostra seu tamanho: com esta idade já havia formado duas bandas icônicas, Almendra e Pescado Rabioso, e já estava em seu segundo álbum solo), vivia uma revolução em sua vida, decidindo por abandonar os excessos e voltar a morar com os pais, e iniciava seu relacionamento com Patricia Salazar, com quem teve quatro filhos, e com quem viveu por 25 anos. Artaud – o disco – é uma expressão do amor como a cura para o tal desespero.

O lançamento do álbum foi acompanhado por um manifesto de Spinetta, intitulado Rock: música pesada, aquela que foi suicidada pela sociedade, inspirado por um ensaio de Antonin Artaud sobre Van Gogh. O manifesto expõe a concepção do Flaco sobre o rock e a sua rejeição ao clichê do rock centrado no sexo e em drogas pesadas (não entenda isso como um panfleto moralista, ele é o contrário: um grito pela liberdade de ser mais do que um clichê, a liberdade de não se limitar a um tema único e imutável). Imagine que o ano era 1973, e foi necessário afirmar que o rock não estava morto.

Ainda nas reflexões sobre a consciência sobre o rock local como um movimento, talvez tenha nos faltado aqui um manifesto tão importante quanto este. Talvez tenhamos chegado perto com o texto de Marina Lima e Antonio Cicero no lançamento de Fullgás, mas este parece mais uma carta de apresentação (importantíssima, diga-se) do que um chamado coletivo, como o de Spinetta.

Por fim, e consciente de que há muito a ser falado sobre este disco e sobre a obra e vida de Spinetta como um todo, indico um relato um pouco mais formal para se entender Artaud, um vídeo do amigo Bruno Ascari, do canal Som de Peso, que conta rapidamente a história do álbum e faz um faixa-a-faixa com as 9 canções dele.


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