Na newsletter desta semana nosso time destaca lançamentos que têm feito suas cabeças. A coluna também permanecerá em aberto para que nossos colaboradores possam trazer pautas livres, caso o ritmo de lançamentos não seja satisfatório.
LANÇAMENTOS/PAUTA LIVRE
Por Vinícius Cabral
AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA SEM DEUS
Chat Pile foi uma banda que apareceu por aqui pela primeira vez na minha lista de melhores de 2022, com seu debut God’s Country. E era um ponto fora da curva pra mim. A banda de Oklahoma é descrita usualmente como sludge metal, embora a própria banda descreva seu som como noise rock.
Eu ouço ambas as coisas na banda, e mais. Há traços de Melvins, Nirvana e Pumpkins, em suas fases mais pesadas (o que a credenciaria também como neo-grunge?), e um flerte grande com o new metal– não à toa a banda tem uma versão de Roots Bloody Roots, do Sepultura (bem fiel, aliás), e uns riffs que remetem a Deftones, ou mesmo Korn. Seja como for, já deu pra perceber que a banda pega pesado.
Em seu novo álbum os destaques caminham por essa miscelânea de referências, com um toque crítico e bastante endurecido nas letras. Em Shame, a banda acessa o horror das bombas massacrando corpos de civis (e de crianças), com versos de deixar a gente comovido: “e o mundo estava tremendo aberto, com nossos pais sorrindo”. É como o horror do massacre em Gaza visto a olhos nus, com toda uma geração de boomers endurecidos e cínicos justificando o flagrante genocídio como “combate ao terrorismo”.
Cool World é um álbum de dor, sangue e decadência. “Everyone bleeds“, é um verso que ouvimos, em gritos, já na primeira faixa. Chat Pile sabe muito bem representar o estado de desamparo do mundo contemporâneo em canções raivosas e necessárias. Pedradas como Funny Man, Camcoder e Masc (essa chega a lembrar Deftones no refrão) amarram brilhantemente o disco.
Os videoclipes do projeto também servem como um complemento conceitual muito impactante. Em I Am Dog, por exemplo, um pastor alucinado/demoníaco prega a letra da música para uma plateia quase adormecida (chapada de opióides?).
Já no clipe de Masc, é uma espécie de ritual masculinista/masoquista que deixa bem claro que a canção traz uma reflexão dura e necessária sobre o atual estado da masculinidade.
Chat Pile aborda muito também a decadência dos EUA – esse país arruinado por uma cultura pentecostal decadente, pelos opiódes, pela pobreza e por todos os demais destroços que sua história de violência e múltiplos excessos relegaram a seu próprio povo. O clipe de Funny Man é um verdadeiro poema sobre isso tudo:
Há, enfim, um universo inteiro construído por Chat Pile, que nos revela uma banda conectada com seu tempo. E decidida, de forma muito legal, a restaurar a tradição crítica que o rock nunca poderia ter deixado de lado. Não há nada de cool (como em “legal”) no mundo que a banda nos revela. Mas há algo talvez de gélido, de desesperançoso, triste e melancólico. Enquanto todas essas dores forem cantadas com muito ódio e porrada nos ouvidos, o bom e velho rock estará em boas mãos.
Por Bruno Leo Ribeiro
SEMPRE VERDE
Hoje em dia, quando penso em Indie Rock, alguns nomes me vêm à cabeça primeiro: Cindy Lee, Snail Mail, Big Thief, Boygenius e Soccer Mommy. Por coincidência ou não, todos são projetos liderados por mulheres. Se dizem que o Rock morreu, é porque não estão olhando para o lado certo.
Os sentimentos femininos que foram motivo de espanto com o lançamento de Blue, da Joni Mitchell em 1971, hoje são extremamente bem contados por todas essas artistas que citei. Uma em particular, me toca mais do que as outras: a Sophie Allison, mais conhecida como Soccer Mommy.
Só fui explorar o catálogo dos três discos dela com o lançamento de “Sometimes Forever” de 2022. Desde então, sempre me vejo com vontade de ouvir suas músicas confessionais e de melodias que eu adoraria ter feito. Alguns artistas nos impactam mais que outros e a Soccer Mommy posso dizer que sou fã.
Em “Sometimes Forever”, Sophie trouxe um disco de Indie Rock categórico, com tudo o que o gênero precisa – quase um gabarito do que considero essencial. Já em seu novo lançamento, “Evergreen”, que saiu no dia 25 de outubro (mais conhecido como sexta-feira passada), ela apresenta um trabalho mais enxuto. Mais violão, mais clima, mais arranjos mínimos. É um álbum com mais espaços, onde o silêncio também faz parte da música.
Ela conta que o álbum lida com o sentimento de perda. É um disco de luto. Nele, Sophie expressa histórias que ela gostaria de compartilhar com alguém que já não está mais lá. É um disco de cura. “Abigail”, uma das faixas, deixa isso claro. A música começa com “Abigail, isso não é justo. Estou me afogando nos seus cabelos roxos e em todas as roupas lindas que você usa e tudo que usa por baixo.” É uma música sobre um coração totalmente partido. Sobre saudade. Quem nunca?
Essa faixa em particular é uma das poucas que remete ao trabalho de Sometimes Forever, com arranjos mais elaborados, com tudo que o Indie precisa e até um toque de The Cure nos primeiros segundos, mas é uma criação própria, com a identidade da Sophie.
A música “M” se destaca por sua melodia lindíssima e pelos grandes espaços entre os versos, algo que adoro em música. O silêncio sendo respeitado. Já “Driver” é um rock robusto, com quebras de tempo e riffs excelentes. “Thinking of You” é daquelas músicas que entram direto nas playlists de “dor de cotovelo”. Perfeita.
E o disco fecha com “Evergreen”, uma letra que explora o sentimento que permanece. Evergreen significa que não importa a estação do ano, tudo ficará igual. “Eu não quero ser aquela garota que se esconde debaixo das roupas.” É uma confissão de emoções puras e honestas que explicam de forma racional, por que Soccer Mommy me emociona tanto. “Dois anos se passaram e eu ainda estou sentindo.” Algumas dores ficam marcadas e nos machucam demais.
É um disco belíssimo, cheio de sentimentos femininos de coração partido, indo no fundo das dores para ser usado como cura. É como se a Sophie estivesse compartilhando suas emoções em uma sessão de terapia, e nós como terapeutas, precisássemos segurar a emoção para não chorarmos junto. É um lançamento fantástico de uma jovem artista extremamente talentosa e que merece toda a nossa atenção.
Por Márcio Viana
SOMOS TODOS MC5
Cinquenta e três (!!!) anos separam o recém-lançado Heavy Lifiting do último álbum do MC5, High Time (1971). Muita água rolou embaixo desta ponte até que este retrato em polaroid fosse tirado, mas havia no ar uma essência da banda que foi uma das pedras fundamentais do punk rock, ainda que fosse um pouco mais do que isso.
Pra começar, grande parte dos integrantes já havia falecido, como o vocalista Rob Tyner (em 1991), o guitarrista Fred “Sonic” Smith (1994) e o baixista Michael Davis (2012).
Wayne Kramer, guitarrista, vinha reunindo sazonalmente a banda com convidados, inclusive fazendo alguns shows como DKT/MC5 (em alguns deles contou com Mark Arm do Mudhoney como vocalista).
Ao decidir gravar um novo álbum, foi convencido pelo renomado produtor Bob Ezrin de que este deveria ser um disco do MC5, pelo caráter sonoro e temático, em tempos de Trump com chances palpáveis de voltar ao poder. “We’re all MC5” foi a frase de Ezrin, que quase se tornou o título do disco.
Com participações de nomes como Tom Morello, Slash, William DuVall, Vernon Reid, Dom Was, entre outros, Heavy Lifting traz de volta aquela sonoridade característica da banda, um protopunk um pouco mais virtuoso, com alguns toques de soul e funk em vários momentos. O baterista Dennis Thompson esteve presente em duas faixas.
Presença mais frequente foi a do cantor e letrista Brad Brooks, que soube canalizar a energia das canções do grupo sem ser um imitador de Rob Tyner.
Não era para Heavy Lifting ser um disco póstumo, mas quis o destino que Wayne Kramer nos deixasse em fevereiro, vítima de câncer, e Denis Thompson em maio, de ataque cardíaco.
O empresário e idealizador do MC5, John Sinclair também faleceu em maio, tornando o álbum um capítulo final.
Aumente o volume e celebre o MC5.
Por Brunno Lopez
REIS EM TEMPOS DE PARLAMENTARISMO
Falar de absolutismo em 2024 sequer é um exagero – uma vez que muitas nações disfarçam a liberdade quando na verdade possuem seus próprios monarcas usando Stuart Hughes ao invés de coroas.
Felizmente, a celebração da monarquia aqui é apenas sobre uma banda, o New Monarch. Para um disco de estreia, eles se comportam como alguém que está pronto para reinar na província abandonada do rock contemporâneo.
São 10 faixas que provavelmente o mundo não sabia que precisava. Mas uma vez descobertas, o único caminho é se tornar súditos de tamanho poderio criativo.
Em ‘Chelsea’, por exemplo, o refrão se abre como pontes levadiças convidando os exércitos inimigos a se renderem. Um Cavalo de Troia ao contrário onde quem morre é, graças a Deus, a música ruim.
Ouça aqui
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana