Newsletter Vol. 263

12 de agosto de 2024

A newsletter desta semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!


IT’S A CLASSIC

Por Vinícius Cabral

UM OUTRO TIPO DE CLÁSSICO

A coluna é de clássicos. Mas vou acionar o modo “Silêncio no Estádio” porque estamos precisando.

Aliás, clássico por clássico, há algum maior do que a amarelinha? Ela foi vilipendiada, sequestrada pela direita histérica e transformada em símbolo do neofascismo tupiniquim. Não pode seguir assim. Nestas olimpíadas, parte da paixão pela camisa e pela seleção brasileira de futebol foi recuperada. Com justiça poética, pelos pés das mulheres.

Mesmo com mais um “quase” dolorido e a terceira prata olímpica, amarga demais, a seleção feminina foi enorme. Fez uma campanha épica, tropeçando na fase de grupos, mas virando uma entidade gigantesca no mata-mata. Despachamos a França e a Espanha, melhor time do mundo, com uma raça e uma determinação raramente vistas atualmente no futebol. No final foram as algozes de sempre (as estadunidenses) que contaram mais uma vez com a sorte, com a juíza e com décadas a mais de preparo para nos vencer.

Só que temos algumas excelentes notícias pra comemorar. Isso que se fala tanto no futebol feminino, de preparo, estrutura, investimento, tudo avançou bastante por aqui nas últimas décadas. Após campanhas heroicas com times históricos na Copa de 99 e 2007 (com um terceiro lugar e um vice, respectivamente) e duas pratas olímpicas (em 2004 e 2008, sempre contra a p*** dos EUA), muito se falava sobre a tal estrutura.

É certo que aqueles times tinham mais talento do que base. As jogadoras não eram profissionais, não tínhamos campeonatos, patrocínios, contratos de TV- às vezes não tínhamos nem uniformes próprios, e as jogadoras usavam as roupas mais largas de categorias de base do masculino. A precariedade venceu o talento. Na hora “h” não tínhamos cabeça, frieza pra decidir. Nem a sorte tínhamos – essa está se mostrando uma maldita, que não chega, mas essa história também há de mudar.


(nota importante):

Essa coisa do nosso futebol feminino ser o “azarão” guarda muitas semelhanças, embora ninguém tenha se dado conta disso, com o masculino. Antes de virarmos uma potência no esporte, depois de ‘58, o futebol masculino ainda era uma modalidade muito nova, com competições a apenas 50 anos, em olimpíadas. Copas do Mundo aconteciam a apenas 28 anos quando ganhamos a primeira, e foi nas vésperas desta, em 1958, que Nelson Rodrigues cunhou o famoso “complexo de vira-latas”, para se referir ao sentimento geral de inferioridade que a torcida apresentava – após termos “batido na trave” na tragédia do macaranazzo em 1950.

Só para se ter uma noção, a primeira Copa do Mundo feminina aconteceu na China, em 1990, e a modalidade passa a integrar as Olimpíadas apenas em 1996. Os Estados Unidos, país onde o futebol sempre foi uma modalidade quase que estritamente feminina, eram provavelmente o único país do mundo com uma estrutura de base para sair na frente. Só temos 28 anos de futebol feminino nas Olimpíadas, e 34 de Copas do Mundo de futebol feminino.


Só para aprofundar o contexto, é importante lembrar que o lindo do futebol é que há sempre muitos fatores, e que nada é tão determinístico. Na Copa de 2007, por exemplo, tínhamos um time devastador, com Cristiane, Marta, Formiga, todas no auge. Metemos 4 gols em uma seleção acuada dos EUA na semifinal, e caímos na final para a Alemanha, com a Marta perdendo um pênalti. Cruel. aquele time fica como um dos maiores times que nunca ganharam a Copa, ao lado da Hungria de ’54 e da Holanda de ’74, ambas do masculino.

Melhoramos muito desde então. A estrutura começou a vir; os clubes passaram a investir na modalidade, temos campeonatos estaduais, um competitivo campeonato brasileiro, televisionado, as jogadoras são profissionais. A seleção brasileira tem comissão técnica, com psicóloga, analistas de rendimento, etc. Mesmo assim, como nada é determinístico no esporte, e no futebol em especial, os resultados não surgiram rapidamente. Depois de alguns tropeços feios em copas e olimpíadas, chegamos a esta prata em 2024. De novo contando com tudo contra: juízas, goleiras, e a danada da sorte. Ela deu as caras no jogo contra a Espanha, onde o espírito da equipe estava tão aguerrido que até gol contra tivemos para abrir gloriosamente o placar. Depois disso seguimos um pouco sem a bola, mas com uma agressividade que apavorou completamente a adversária – a imagem que ilustra o texto conta parte dessa história; foi um apavoro!

Mas na final, mesmo o espírito mais brigão e raçudo sucumbiu diante da frieza das estadunidenses, acostumadas com o topo. Faltou pouco, de novo – ah, se a Ludimila acerta aquele gol no 1º tempo. Agora é focar em continuar o trabalho, feito com um carinho especial por um técnico saído do multi campeão Corinthians, dono do futebol feminino no Brasil, e por diversas jogadoras que atuam no país. Temos a receita do bolo, e ele está fermentando.

O mais importante desta campanha olímpica, talvez, seja a vibração que esse time conseguiu resgatar em parte do país. Digo em parte, porque o futebol feminino ainda joga contra a incredulidade e a indiferença de boa parte do noticiário esportivo que, como o idiota do Pilhado, da Joven Pan, insiste em dizer, simplesmente “não gosta do futebol das mulheres”. Elas também jogam contra essa misoginia disfarçada de “opinião”. Nossa parte na complexa equação do futebol feminino brasileiro é lutar junto delas contra isso. É torcer. Pela 1ª vez na minha vida em muitos anos, desde o penta na Copa masculina de 2002 e do vice doloroso do dream team feminino em 2007, eu tiver prazer e orgulho de meter uma peita da seleção e, genuinamente, torcer.

Vi isso pelas ruas. Achei bonito. Temos uma Copa do Mundo para sediar em 2027, e podemos chegar para conquistá-la. O mais difícil acho que as mulheres de prata, gloriosas, como Marta (em seu último jogo, acredita-se), Ludmila, Adriana, Duda Sampaio, Lorena, Priscila, dentre muitas outras, já conquistaram: o coração de parte da torcida. Conquistaram o meu. Me fizeram ignorar totalmente o 7 a 1, as marchas fascistas e o governo militar de Bol*$*!@#. Resgataram a raça, o amor, e a sensação de que merecemos o topo. Merecemos. Há um projeto em curso, e ele só pode evoluir daqui.

E, antes que digam que eu não falei nada de música, esse texto apenas reforça o que tenho falado semana a semana, sobre a formação de nossas identidades culturais. Precisamos apostar na cultura de um futebol brasileiro, de uma cena musical brasileira, de uma ciência e tecnologia brasileiras. Precisamos ser a gente. É só quando isso acontece que ganhamos alguma coisa.


Por Bruno Leo Ribeiro

CARTA AO BRUNO LEO CRIANÇA

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Querido Bruno Leo de 1988,

Aqui é o Bruno Leo de 2024. Espero que você esteja lendo esta carta enquanto toca Ride the Lightning do Metallica no nosso Sound System 3 em 1 na sala da nossa casa.

Estou aqui, no dia 11 de agosto de 2024, escrevendo para contar o que aconteceu no fim de semana entre 2 e 4 de agosto, em Boston nos Estados Unidos. Mas tudo começa em 1994, quando você conhece um amigo na escola chamado Marcelo Eduardo. Juntos, vocês vão montar uma banda e vão basicamente tocar músicas do Metallica. Em 2024, vocês vão comemorar 30 anos de amizade e nada melhor do que ir a um show do Metallica.

Entre as várias experiências especiais no show do Metallica, vocês dois e mais 48 fãs se juntam no “Nothing Else Matters Experience”, que dá direito a ver o show no Snake Pit, uma tour pela produção do show, setlist autografado, acesso ao lounge com um mini museu da banda e um meet and greet com os integrantes.

Foram dois dias de shows. A tour se chama “No Repeat Weekend”, onde a banda toca, na sexta-feira um setlist e, no domingo outro. São dois shows diferentes no mesmo fim de semana. Na sexta-feira, já tivemos o meet and greet com o Kirk Hammett e o Rob Trujillo. Eu achava que ficaria super nervoso, mas é engraçado como envelhecer nos deixa mais calmos. Encontrar com eles foi como encontrar com amigos. Você sabe. Você está aí com 7 anos de idade, ouvindo a banda e decorando todas essas notas e melodias. É como uma conversa com amigos. A música nos conecta com os artistas e bandas, e ganhamos uma certa intimidade, mesmo que eles não saibam que a gente existe.

Talvez, se a gente encontrar com eles novamente em algum momento e falar “Eu era aquele brasileiro no show de Boston com quem vocês conversaram sobre surfe no meet and greet”, talvez eles se lembrem. Mas não importa. A gente vai lembrar para sempre.

Ver o show do Snake Pit é maravilhoso. Peguei uma palheta do show, o Lars apertou minha mão, e consegui tirar ótimas fotos bem de pertinho.

Talvez este tenha sido o nosso maior momento de vida como fãs de música. O Metallica faz parte da nossa vida. Desde 1988, quando você ficou impressionado com For Whom The Bell Tolls e The Thing That Should Not Be, até 2024, quando a gente viu esse show juntos.

Sim, você estava ali comigo sem saber. Porque eu sou você do futuro e eu sou você do passado. E esse fim de semana ninguém vai tirar da gente.

Um beijo com carinho, e nunca tenha vergonha de gostar do que você quiser. Abra a mente, que você vai me agradecer um dia. 🙂


Por Brunno Lopez

MEDALHAS COBRADAS E NUNCA ESTIMULADAS

O Vinny trouxe a essência do que pude sentir nesse período olímpico, principalmente no âmbito do futebol feminino. Futebol este que, na parte masculina, tem sido uma completa reunião de alienados dentro e fora de campo.

O país do futebol dos homens, hoje, sequer é um estado ou uma cidade. 90% dos jogadores não se conectam com a própria origem e apoiam aqueles que massacram seu povo e dilaceram seus sonhos. Quem resgatou esse prazer foram as mulheres, mesmo tendo seu esporte tratado como amador, em pleno 2024.

A seleção que chegou na final contra a equipe norte-americana tem como base o vencedor projeto corinthiano. Mais da metade do time foi extraído do Corinthians Feminino – mesmo que isso custasse a hegemonia do alvinegro na categoria. O trabalho feito pelo SCCP direcionou sua torcida para a modalidade e fez com que a própria CBF tornasse obrigatória a existência de equipes femininas nos clubes.

Mas alguém fala disso? Não, muito pouco.
Pois ensinaram os brasileiros que esporte é entretenimento. Só é bom quando tem algum personagem de verde e amarelo ganhando.
Porém, onde estavam os veículos na preparação desses atletas?

Quantos vezes as pessoas acordaram de manhã pra assistir um campeonato de judô em que Beatriz Souza e Larissa Pimenta lutavam? Quantas vezes as pessoas se reuniram na sala pra acompanhar Hugo Calderano se tornar o número 3 no ranking mundial de tênis de mesa? Quantos sabem que o número 1 do tiro com arco é o brasileiro Marcus D’Almeida?

Entretanto, quando um revés acontece, a mesma imprensa que não cobre nenhuma dessas modalidades noticia o fracasso com a boca tão cheia quanto seus patrocinadores de casas de apostas.

Os Jogos Olímpicos serviram pra escancarar o oportunismo por resultados sem qualquer tipo de incentivo com preparação. O discurso de superação não deveria ser uma regra, os atletas brasileiros deveriam poder se concentrar apenas no esporte e não em como se manterem vivos até as competições.

Ao menos, pudemos ter a chance de lavar um pouco as manchas que fizeram na bandeira nacional e sentir orgulho de ouvir o hino sem parecermos um bando de imbecis saudando pneu.


Por Márcio Viana

CLÁSSICO QUE GERA CLÁSSICOS

A propósito do novo lançamento de Milton Nascimento, o álbum em parceria com Esperanza Spalding, do qual falaremos bastante esta semana, inevitável mencionar o grande clássico que é co-responsável pela existência desta colaboração.

O álbum Native Dancer, lançado em 1974, teve impacto significativo no papel de influenciar, além de Spalding, artistas como Earth, Wind & Fire. O disco traz, além de tradicionais colaboradores de Shorter, como Herbie Hancock, nomes ligados a Milton, como Wagner Tiso e Robertinho Silva, em composições alternadas entre gravações de temas de Milton como Milagre dos Peixes e Ponta de Areia, algumas originais de Shorter e de Herbie Hancock.

Native Dancer é a junção das habilidades de Wayne Shorter e Milton Nascimento, e isso não tem como ser ruim. Através de suas composições e performances, eles criaram um álbum que mescla a essência do jazz e da música brasileira. A obra permanece relevante até os dias de hoje, e a prova disso é a nova colaboração que ela acaba de gerar.

Esperanza Spalding, baixista, cantora e compositora, nasceu em 1984, portanto dez anos após o lançamento de Native Dancer. Em seu segundo álbum, Esperanza, de 2008, ela regravou Ponta de Areia. Em 2011, ela se apresentou com Milton Nascimento no Rock in Rio. Em 2021, colaborou com Wayne Shorter na ópera Iphigenia. Agora, lança com Milton Nascimento o disco Milton + esperanza, e tudo se conecta.

Wayne Shorter faleceu em março de 2023, aos 89 anos.

Ouça Native Dancer aqui 


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana

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