Na newsletter desta semana nosso time fuça seus apps de streaming e suas discotecas (físicas) especiais para revelar o que anda nos plays recentes, embalando seus dias. São dicas especialíssimas que revelam os gostos pessoais do grupo e reforçam toda a diversidade apresentada semanalmente em nosso podcast.
RECENT PLAYS
Por Bruno Leo Ribeiro
RESPIRO DO MUNDO PASTEURIZADO
Quem nunca se sentiu meio perdido? Quando achamos que descobrimos o que somos, vem alguma coisa e faz a gente repensar em tudo. A gente tenta e às vezes nunca vem uma resposta. Ficar esperando também nos frustra. Expectativa é inimiga da felicidade. Quando estamos em coletivo, às vezes fica mais fácil. A gente pensa em um bem maior. Cada um colabora com um pouco e o todo fica excelente e todo mundo fica feliz. Mas quando a gente dorme, pensamos, “quem sou eu?”. Essa é a percepção que tive com o disco “Right Place, Wrong Person” do RM (também conhecido como Kim Namjoon, líder do fenômeno BTS).
O disco me parece uma busca de respostas e abre com a faixa de introdução “Right People, Wrong Place”. Se você leu rápido, provavelmente deixou passar que é o contrário do nome do disco que diz “Lugar certo, pessoa errada”. Aqui ele repete a frase “pessoa certa, lugar errado” em loop, abraçada em camadas de sintetizadores que já mostram que o disco será experimental com muito bom gosto. Tem peso, groove, boa harmonia, sequência de acordes fora do básico e ótima produção.
Na sequência, ele declara que na faixa “Nuts” ele poderia fazer deste o lugar certo para ela. Uma faixa incrível que tem um loop de baixo funk excelente e até um solo de guitarra de fundo que lembra os ótimos momentos do Polyphia. Música moderna, feita por quem é agnóstico em relação a gênero musical. O disco segue com “out of love” e aqui ele se mostra agoniado e perdido. Aí vem o grande destaque do disco para mim, a música em colaboração com a rapper Little Simz chamada “Domodachi”. Uma faixa que começa meio jazz e vai para um caminho que é até difícil de explicar. Guitarra, baixo, bateria e até melodias que lembram o blues do Saara com influências africanas.
O disco segue em altíssimo nível até chegar em “Heaven”, que é uma música meio Shoegaze com bateria sequinha que qualquer banda de indie gostaria de ter feito. Linda música. Em “LOST!” (mais uma vez ele se mostrando perdido) a gente vai para uma produção de hip-hop incrivelmente elaborada e de belíssimo gosto que tem um tempero de French Pop espetacular. Depois vem “Around the world in a day”, linda música com um arranjo de violão de nylon que nem a Nova MPB brasileira tem ousadia de tentar hoje em dia. Para fechar o disco, temos “Come back to me”, que são duas músicas em uma: começa acústica e intimista e, da metade para frente, vira um neo-soul belíssimo que dá vontade de levantar e dançar junto batendo palmas. Uma faixa de descobrimento. Um ciclo se fechou e ele finalmente se descobriu.
Geralmente meus textos não descrevem tanto o som, quase em um faixa a faixa como o texto que escrevi hoje, mas queria só deixar registrado aqui alguns detalhes dos motivos pelos quais achei este um dos melhores discos que ouvi no ano. São 34 minutos que passam voando e a gente fica querendo ouvir em loop. A gente se questiona. Pergunta quem é esse Kim Namjoon e no final da audição descobrimos quem ele está buscando ser. Ser ele. Sem fórmulas. Sem obviedades.
A grandiosidade de um artista como o Kim Namjoon (RM) lançar um disco tão inovador e experimental hoje em dia é um tapa na cara da música Pop que toca no fundo das lojas de fast fashion atual. Uma indústria que fica disputando aos tapas quem tem o fandom mais competitivo para saber quem tem mais plays no Spotify. Parece que tá tudo bem lançar música como pastelaria, como conteúdo, e quem reclama vai sofrer as consequências de ouvintes que fazem parte de um culto e não estão ali mais pela música há muito tempo. “Independente do que for lançado, amarei incondicionalmente”.
Quer um Pop criativo? Vá ouvir K-Pop. Já faz bastante tempo que falamos isso aqui no Silêncio no Estúdio. Pop não é o problema. O problema é o Pop que subestima a capacidade das pessoas de curtirem o diferente. Música feita para playlists com canções iguais. Que são definidas por sucesso pleno ou flop. Não existem mais nuances. E é por isso que acho importante demais (e será muito falado aqui) que um disco como “Right Place, Wrong Person” exista. Todo mundo precisa ouvir de cabeça aberta, falar sobre ele e espalhar para seus melhores amigos e amigas. Porque pouca gente está falando. Vamos juntos! Boa audição.
Por Vinícius Cabral
É NOVO. E MUITO BOM
Dou sequência ao texto do Bruno, trazendo a essa newsletter um caráter quase temático. O mundo pasteurizado é realmente insuportável. Mais do que isso, um mundo onde a imagem e o extra musical seguem pesando muito mais do que a música em si.
Não que o K-pop não seja permeado por imagem de todos os lados e de todos os jeitos. É clipe, disco em CD com 30 capas diferentes, ensaio de fotos, vídeo de making of de gravações, making of de videoclipe, making of de making of. Enfim, há uma máquina muito gigantesca de produção de material promocional. Mas há um sentido aqui: o material promocional é promocional. A música é a música. E a música, por si só, precisa fazer sentido.
A música da NewJeans faz muito sentido, e eu já canso de dizer que o K-pop traz o maior respiro criativo que o pop já viu em mais de 3 décadas. Eu não vou nem comentar (por ora) o que significa o Namjoon, um dos integrantes de um dos grupos mais populares do planeta fazer um álbum quase experimental, como Bruno destaca aí acima. Por enquanto eu tô só na seara do pop. “Mas o Vini odeia pop”, dirão nossos regulares. Não. Eu odeio a cultura consumista e descartável do pop. Quando a música é boa, bem arranjada e criativamente arrojada, ela pode ser de qualquer gênero que vou ouvir com empolgação. E a música da NewJeans é assim.
As meninas lançaram este mês um single simples com apenas duas canções, How Sweet e Bubble Gum. A segunda é mais “tradicional”, embora tenha uma ponte magistral que garante a audição repetida. Mas a primeira é daquelas fusões do K-pop que até demora a cair a ficha de como veio a existir. E a explicação está na própria capa do EP: “uma canção que funde Miami Bass com beats eletro aditivos”. Eu não teria melhor explicação. Mas isso é só o arranjo. A melodia que navega “por cima” disso é brilhante, com uma daquelas progressões não usuais que já marcam também o K-pop mais inventivo e arriscado.
É inventivo, divertido. Pop não deveria ser assim, afinal? No ocidente ainda nos prendemos a uma noção de cópia descarada quando se fala de pop, e as experiências que buscam escapar disso são basicamente a reprodução eterna de uma única fórmula que um dia deu certo – sim, estou falando do hyperpop (tag do Spotify elevada a gênero), que se notabilizou em mesclar sons similares aos de um HD fritando com chops vocais autotunados em loop, e ficou nisso.
Mas esse não é um texto para criticar o Bra*- (digo, o hyperpop), e sim para celebrar a invenção coreana. O pop eles aprenderam a fazer. Muito melhor. Em outros gêneros também estão avançando.
Eu gosto, e muito, quando as coisas avançam.
*Andei pegando pesado com o disco porque o hype realmente não se justifica, mas não é um disco ruim, e tem coisas bem marcantes ali sim. Falarei mais sobre em breve.
Ouça How Sweet/Bubble Gum aqui
Por Márcio Viana
PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DA CHINA
Já que estamos no Oriente, vamos agora desembarcar em Seattle, nos EUA, que é de lá que vem esse duo de C-Pop, o Chinese American Bear, formado pelo casal Anne Tong e Bryce Barsten.
A dupla acaba de lançar Feelin’ Fuzzy, single fofinho como o nome denota, combinando caracteristicas do pop chinês e estadunidense, com uma dose de psicodelia pra ninguém botar defeito.
A própria Anne Tong explica a temática da letra no release:
“Quando eu estava escrevendo a letra dessa música, eu queria me aprofundar mais em minhas experiências de crescimento em uma família de imigrantes chineses. Eu tinha uma mãe tigre estereotipada que tinha expectativas acadêmicas muito altas e estabelecia regras domésticas muito rígidas. Quando eu era adolescente, nunca tinha permissão para ir à casa de amigos depois da escola, nunca tinha permissão para ir a festas ou bailes da escola nos finais de semana e, definitivamente, não tinha permissão para namorar. Meus dias eram estritamente focados em estudar, praticar piano e me preparar para os exames. Essa música é sobre o que eu desejava fazer durante minha adolescência, em vez da educação que realmente tive. Tenho lembranças muito vívidas de minha mãe me lembrando de estudar e praticar continuamente, e eu queria capturar essa repetitividade nesta música. Espero que outras crianças imigrantes possam se identificar!”
Ouça no Bandcamp:
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Por Brunno Lopez
PELO HIATO, AS CRIANÇAS JÁ DEVEM TER CRESCIDO
Bandas ruins nascem aos montes e pra piorar, acumulam uma longevidade inexplicável. Por outro lado, bandas brilhantes aparecem de tempos em tempos, lançam um ou dois álbuns incríveis e desaparecem no mundo pelos mais diversos motivos.
O Children Of Nova nos presenteou com o impecável Impossible Landscape, lá em 2012. E foi só. Fãs procuram por qualquer material novo em todos os dispositivos possíveis mas o grupo aparentemente se desfez e deixou um potencial incrível de carreira pelo caminho.
O grupo de San Diego faz uma espécie de New Prog Rock de muito bom gosto, equilibrando melodias cativantes em estruturas pouco convencionais – mas completamente acessíveis. O timbre jovem lembra o de um vocalista rejeitado por um My Chemical Romance da vida que resolveu brilhar com mais intensidade dentro de um estilo complicado de se inserir sem as bençãos de Rush, Dream Theater ou Porcupine Tree.
Fato é que estamos em 2024 e seria muito agradável saber como eles soariam agora.
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana