Newsletter Vol. 255

A newsletter desta semana é especial apenas com clássicos que se destacam na discoteca dos nossos colaboradores. Muita coisa velha, outras nem tanto, mas sempre com algo em comum: aquele “gostinho” de clássico. Discos que não saem da nossa cabeça e dos nossos corações, independente da época em que foram lançados!


IT’S A CLASSIC

Por Vinícius Cabral

COMO DIZER ADEUS?

Esta semana perdemos (sem muito alarde, diga-se) a brilhante Françoise Hardy. A cantora e compositora francesa já passou pelos nossos holofotes aqui algumas vezes, especialmente no Raio X – Tuca.

Como conto por lá, o encontro entre o gênio esquecido, Tuca, com Françoise, nos rendeu um dos álbuns mais impressionantes da década de 70, e aquele que era, para a própria Hardy, o melhor de sua carreira – o La Question, de 1971. É curioso que todos os álbuns de Françoise eram homônimos, e ficavam conhecidos pelos nomes de suas canções mais populares. O Françoise Hardy de 1971, apelidado como La Question, era quase todo composto por Tuca, mas agregava-se ao gênio sensível e marcante de Hardy nas interpretações inesquecíveis sob bases acústicas da compositora brasileira.

O disco que escolho para celebrar sua vida e importância, no entanto, é outro homônimo: o de 1968, que ficou conhecido como Comment te Dire Adieu, seguindo a lógica da canção mais popular do disco nomeá-lo. E a escolha é meramente afetiva. Comprei esse disco em CD quando devia ter uns 17 anos, recém saído do impacto de bandas como The Cardigans e Stereolab, e fez muito sentido ser introduzido ao French Pop (notando sua influência em tudo dos 90s que eu já ouvia) através de um de seus expoentes máximos, de voz suave, sem nenhuma afetação, métricas de explodir a cabeça e arranjos mínimos e precisos.

Esse disco é impecável. Começa com o single (que virou título do álbum), uma versão mais roqueira e quase-indie do hit estadunidense It Hurts to Say Goodbye (produzido, inclusive, por Phil Spector), com letra adaptada por ele mesmo (o Serge Gainsbourg). E a obra segue crescendo pela tracklist. Já há espaço aqui para um flerte marcante com a música brasileira, com uma versão de Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, aqui chamada de La Mésange. Também há espaço para muitas canções etéreas e minimalistas, com violões precisos e orquestrações, como Où va La Chance e Parlez-moi de Lui, dentre outras.

Um dos maiores destaques, ainda, é L’anamour, canção de Gainsbourg que ganha sua versão definitiva com Hardy. Este disco é muito preciso em alternar baterias e guitarras mais “roqueiras” com essa base acústica/orquestral que já havia se tornado marca na carreira da artista. O disco se conecta claramente a tudo que saía da França na época, e é um dos degraus que nos levará à obras primas definitivas como La Question e Histoire de Melody Nelson.

É uma audição direta, suave, perfeita. Um dos poucos álbuns que sei cantar de cor quase que do início ao fim, mesmo não dominando a língua francesa. Françoise Hardy é uma enorme perda. Uma das minhas maiores influências na música, sem dúvida alguma.

Ouça Comment te Dire Adieu aqui 


Por Bruno Leo Ribeiro

PRA QUE SERVEM AS LISTAS?

Apple Music Reveals Top 100 Albums List

Antes de mais nada, uma coisa precisa ficar clara: toda lista é polêmica e as pessoas vão passar raiva. O maior e mais óbvio motivo é que as pessoas têm gostos diferentes. E tá tudo bem. Fazer uma lista como a recente lista da Apple Music torceu muitos narizes, inclusive o meu. A lista foi saindo em partes, e a brincadeira foi quase ficar adivinhando o que viria. Quando apareceu o “Pet Sounds” dos Beach Boys em 20º lugar, eu pensei: “Gente? O que sobrou pro Top 10?”.

Essas listas de todos os tempos geram debates, geralmente acalorados. Muita gente reclama (todo mundo) e pouca gente concorda 100% com a ordem. Talvez alguns discos que passaram batido por algumas pessoas despertem uma curiosidade nessas listas meio aleatórias. Talvez seja legal para jogar um holofote em alguns discos que não foram grandes sucessos comerciais. Mas o formato não me agrada tanto porque parece que não existem consensos nessas listas, e os consensos precisam existir.

Não dá pra fugir muito de um Top 5 com “Pet Sounds“, “Songs in the Key of Life“, “What’s Going On“, “Sgt. Pepper’s” e “Rumours“, com “Blue” da Joni Mitchell na cola. Esses são consensos. Todos têm contexto, legado, influência, inovação e tudo mais que grandes álbuns precisam ter. Qualquer coisa muito fora disso ou é uma lista extremamente nichada ou foi feita com sorteio.

Por isso gosto do formato do “1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer“. Você vai por décadas, mostrando contextos e despertando curiosidade para se ouvir coisas que não se conhece. Para mim, esse livro foi importantíssimo para isso. Ouvir coisas fora da minha bolha, fez meu gosto expandir. Sair colocando no topo das listas discos que não merecem, ao meu ver, só serve para validar o gosto da freguesia ou pra não contrariar fandom.

Se uma lista tem o objetivo de realmente debater obras, ela precisa dos consensos. Se for uma lista pessoal, foda-se. Um belo dia posso acordar e ouvir o dia inteiro o “Born to Run” do Bruce Springsteen e falar: “Tô nem aí! Esse é o melhor disco da história”. Para mim, naquele momento, o melhor disco do mundo é o que eu estou ouvindo na hora.

Mas fazer uma lista como ação de publicidade e meter Arctic Monkeys na frente de Velvet Underground, vocês só podem estar de sacanagem, né? E colocar o “good kid, m.A.A.d city” do Kendrick Lamar no Top 10 com a existência do “To Pimp a Butterfly” foi uma baixaria. Mas lá estou eu reclamando da lista. Mas eu tenho meu direito de reclamar e debater sobre. Eu amo passar raiva com listas por aí. É um hobby.

É um ciclo. Eu vejo uma lista, passo raiva, penso em como minha lista seria e vou ouvir os discos do Top 10 da minha cabeça e fico feliz da vida. Olho a lista de novo e penso: “Mas não é possível!”. Passo raiva, faço ajustes na minha lista mental e ouço de novo os discos etc. e tal… (repetir até cansar).


Por Márcio Viana

VAI-SE OUTRO BRASIL

Esta semana fomos surpreendidos pela perda de um ícone: Skowa, integrante do Trio Mocotó desde 2003, faleceu em 13 de junho, após complicações de uma parada cardiorrespiratória sofrida cerca de uma semana antes.

A história de Skowa vem de bem mais longe: em cena na música desde 1975, acumulou trabalhos em grupos como Sossega Leão, Gang 90 e Premeditando o Breque.

Mas talvez seu trabalho de maior evidência ainda seja La Famiglia, primeiro disco de Skowa & A Máfia, de 1989, puxado pelo inimaginável hit Atropelamento e Fuga, uma versão suingada da canção de Akira S. e As Garotas que Erraram.

A história do disco se funde com a chegada da MTV Brasil no ano seguinte, o que rendeu a veiculação de clipes como o da já citada e de Amigo do Amigo. Em termos de repertório e de músicos, Skowa & A Máfia era um supergrupo, com músicos que se manteriam em evidência ao longo dos anos, além de participações especiais de nomes como Nasi (fazendo scratches), Andre Abujamra, Ed Motta e Thaíde & DJ Hum. Entre as faixas, havia Tudo Chato, Tudo Errado, de autoria de Arnaldo Antunes, e uma poderosíssima versão de África Brasil, de Jorge Ben.

Talvez em algum momento caia a ficha do quanto essa geração da música nacional do final dos anos 80/início dos 90 foi influente.

La Famiglia chegou a ter um sucessor – Eppur si Muove – Contraste e Movimento, que passou batido e acabou por ser o derradeira da banda, que encerrou as atividades em 1991.

Dito isso, não se encontra notícia de alguém que não gostasse de Skowa. Dessas ausências que certamente irão doer por um tempo em quem teve o privilégio de estar próximo.

Ouça La Famiglia aqui 


Por Brunno Lopez

A LISTA DA LISTA

O xará Bruno Léo Ribeiro foi brilhante em sua luz pessoal sobre as listas num contexto amplo da coisa. É um assunto delicado que invariavelmente acaba caindo na subjetividade e vira aquela bagunça de quem paga mais pra aparecer mais. Na época dos plays que não lotam shows, fica ainda mais preocupante. Os robôs ainda não conseguem se mover para os espetáculos dos artistas num mundo real e o vazio acaba sendo maior que o existencial.

De qualquer forma, a cultura das listas no formato de ‘isso aqui formou uma geração e isso aqui não’ soa abrangente demais. Colocar décadas inteiras dentro de meia dúzia de artistas é, no mínimo, injusto com a infinidade de outros grupos que também estavam tocando e não tiveram o privilégio de experimentar a ribalta do mainstream temporal.

Imputar ‘o melhor’ ou ‘o pior’, num universo em que pessoas diferentes reagem de forma igualmente diferente a todos os tipos de músicas, é um pouco capenga. Impossível coletar emoções de massa num filtro único de percepção e rotular o que quer que seja como genial, revolucionário e digno de audição acima de tudo.

É bem provável que os melhores criadores de sons inesquecíveis sequer cheguem aos ouvidos do público. Na maioria das vezes, estamos expostos ao resultado de referências e inspirações que se vendem melhor, ou fotografam melhor, ou tem contatos melhores.

Isso não quer dizer que os nomes consagrados por sabe-se lá quais réguas não mereçam seus postos. Mas sim, cabe muito mais gente. Gente que criou o riff que estourou com outro, gente que tinha as primeiras estrofes de um clássico que caiu em outras mãos.

Se arte fosse competição, deveríamos ver isso em Paris, no mês que vem.


É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.  

Abraços do nosso time!

Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana

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