Na newsletter desta semana, nosso time destaca as principais notícias, curiosidades, acontecimentos relevantes e/ou inusitados do mundo da música ou, simplesmente, alguma curiosidade ou indicação. Claro que, cada um à sua maneira, e abordando sempre o universo musical de sua predileção.
NOTÍCIAS & VARIEDADES
Por Márcio Viana
VAI-SE MAIS UM BRASIL*
Eu já estava preparando um texto para esta edição da newsletter, quando tomei conhecimento da partida de Ziraldo para outro plano. Não haveria possibilidade de eu não dedicar algumas linhas sobre o que o artista significa para o Brasil e em especial para mim.
Eu, que repito aos quatro ventos sempre que posso o fato de a profissão de meu pai (prensista de discos de vinil na RCA, contei essa história no episódio #195) ter sido responsável pela minha formação musical, acrescento agora mais um detalhe: era inevitavelmente comum receber discos de presente em qualquer ocasião. Ainda mais comum era que estes discos fossem trilhas sonoras de novelas e especiais de TV.
Uma destas trilhas era do especial de TV baseado na obra de Ziraldo, A Turma do Pererê (que a bem da verdade, eu não cheguei a assistir), que reunia em gravações as músicas criadas para o programa, inspirado na revista em quadrinhos. A trilha foi lançada pela Som Livre, cujos discos eram prensados na RCA.
Algumas das canções da trilha são de autoria do próprio Ziraldo. Outras letras foram compostas por Fagner, Guilherme Arantes, Ivan Lins e Daltony Nóbrega, entre outros. Raul Seixas, à época recém-chegado à Som Livre para gravar seu disco homônimo, contribuiu com Canção do Vento, interpretada na trilha pelo grupo vocal Céu da Boca. Artistas como Gal Costa, Wanderléia, Luiz Melodia, Fagner, Sérgio Reis e Os Violeiros de Guarulhos, entre outros, cantaram músicas como Canção dos Caçadores, Desperta, Saci, Agulha Num Palheiro, Tininim e Grande Final.
Entre as canções, me lembro de curtir demais Tininim, com interpretação incrível de Zezé Motta, e principalmente Agulha num Palheiro, que me fez conhecer um dos meus artistas prediletos, Luiz Melodia, numa interpretação de um soul-funk que encheria Nile Rodgers de orgulho.
A trilha, então, serviu de porta de entrada para que eu conhecesse um pouco mais das coisas que ele produziu, e eu hoje concluo que, se há uma certeza sobre a arte produzida em grande escala no Brasil – em especial nos anos 80 – é que era grande a chance de envolver uma ilustração de Ziraldo ou de Elifas Andreato (falecido em 2022).
Para além da minha experiência pessoal, Ziraldo esteve diretamente relacionado com a história do país, pelo papel importante na resistência à ditadura militar (sempre em letras minúsculas), ao ser um dos fundadores d’O Pasquim, em 1969. Além do forte discurso em prol da democracia, O Pasquim foi importante na divulgação da cultura e contracultura brasileira. Todas as edições do jornal estão digitalizadas e disponíveis no site da Biblioteca Nacional.
E, claro, inevitável mencionar sua obra mais famosa, O Menino Maluquinho. Além dele, Flicts, um livro que conta a história de uma cor que não consegue se adaptar ao arco-íris, mas que passa por uma trajetória que termina em redenção, é até hoje uma obra extremamente influente, por seu contexto.
Ziraldo morreu em casa, dormindo, aos 91 anos.
*o título deste texto remete ao do Vinícius Cabral sobre Zé Celso Martinez Corrêa, na edição 207 desta newsletter. Depois dele, outros brasis também se foram, com João Donato, Danilo Miranda, Carlos Lyra, Léa Garcia, e agora com Ziraldo, entre tantos mais.
*A Turma do Pererê teve mais duas adaptações para a TV, em 2001 e 2010, e algumas das canções presentes na primeira trilha ganharam novas interpretações. Há também uma trilha sonora original da série, composta por Tim Rescala.
A trilha original não está nas plataformas de streaming, mas sempre há uma boa alma que disponibiliza no YouTube, como no link abaixo.
Por Vinícius Cabral
“A ERA DO COWBOY”
O cowboy é uma figura mítica estadunidense. Embora o termo tenha origens ibéricas, e múltiplas variações e manifestações particulares, é evidente que o cinema e a mídia transformaram-no em sinônimo de algo muito específico. A corrida colonial expansionista para o oeste estadunidense, com todos os conflitos produzidos aí entre colonos e povos nativo americanos, cristalizou a ideia do cowboy como o herói desbravador.
Claro que há excelentes filmes de faroeste que lidam criticamente com o personagem, que é um símbolo cultural sujeito a aprofundamentos. Mas não vivemos exatamente em um tempo de crítica e aprofundamento, não é mesmo? Cowboy é herói. Cowboy é cool. E cowboy pode ser Beyoncé, símbolo maior do pop atual (com tudo de positivo e de negativo que isso pode significar). Cowboy também pode ser Adrienne Lenker que é, para mim, a maior compositora estadunidense do nosso tempo.
Todo este preâmbulo é só para aproveitar o maniqueísmo que se atribui ao cowboy e que, infelizmente, conduz o pensamento das pessoas em uma era de binarismos cognitivos muito complicados, e desafiá-lo com um ponto polêmico;
não, vocês não precisam gostar de tudo.
Eu certamente não gosto. Como não gostei do álbum novo de Lenker, o Bright Future. O disco tem canções lindíssimas, como Fool e Free Treasure mas, no contexto geral, é um disco muito aquém das últimas empreitadas da artista. E quer saber? Tá tudo bem, gente! Adrienne é uma artística prolífica, que lança material novo praticamente todo ano. Nem toda safra de canções será antológica, e não tem problema. Isso pode parecer chocante, mas é possível ouvir um álbum de uma artista que já demonstrou ser muito acima da média e, simplesmente, considerá-lo medíocre. Bright Future é, pelo que já se revela em sua identidade visual, muito atrelado à estética country, que ultrapassa aqui a figura do cowboy, mas que se associa a ela. Respeito cada fã, com seu repertório específico. O meu, feliz ou infelizmente, costuma rejeitar o “caipira estadunidense raiz”, que Lenker ama e explora a fundo aqui. Mas nem é tanto isso que me incomoda no disco, e sim o fato de que o conjunto de canções não me parece tão marcante assim (e, novamente, tá tudo bem, de verdade!).
Sobre o Cowboy Carter (do qual também não gostei), tentarei não gastar muitas linhas. É um disco pop-country de Beyoncé. E só. Sim, ela interpolou The Beach Boys. Sim, fez um cover de Blackbird, de The Beatles. Sim, usou um sample de funk (não creditado). E o mundo parou porque Beyoncé fez, mais uma vez, o que vem fazendo a uma década: interpolou, remixou, reuniu coisas (se apropriou, obviamente), amarrou tudo em um conceito arrojado (selando a relevância da “era do cowboy“) e … fim.
É o fim do texto também. Que fomente algum debate, porque discordar é possível, necessário e importante.
Nota importante: este texto já estava pronto há muitos dias quando Ziraldo se foi. Apesar de considerá-lo um dos maiores artistas deste país, com uma marca impressionante e inconfundível em nossa cultura, minha relação com sua obra é apenas circunstancial. Não achei que conseguiria fazer jus à sua memória improvisando qualquer reflexão. O que mais me acalentou com sua partida foi ver o quanto sua figura é respeitada entre tanta gente de diferentes repertórios e posições no espectro político. O Brasil é tão carente de figuras assim, agregadoras e, de certa forma, unânimes, que achei muito bonito e esperançoso ver tanta gente em comoção sincera pela partida deste mestre. Que vá em paz.
Por Bruno Leo Ribeiro
DECOBRIRAM A SEQUÊNCIA DE ACORDES
Aproveitando gancho do texto do Vini acima, vi uma histeria coletiva pra tentar descobrir os “plágios” do disco da Beyoncé. Nem vou ficar me atentando tanto os comparativos e músicas que parece ou não, mas vou me atentar à loucura das redes sociais.
Um dos posts que passaram na minha TL foi uma comparação com os acordes de Song 2 do Blur com a música BODYGUARD (Tweet aqui). Eu dei aquele play pra ver que delírio seria esse e mais uma vez, o tuiteiro descobriu a sequência de acordes.
No caso de Song 2 é a sequência (resumidamente) i – VII – III – V em Fá menor. As notas são Fm – Eb5 – Ab5 – C5. Já Bodyguard, se você pesquisa um pouco, é em Em e a sequência é iv – I – VII – iv, Em – Bm – A – Em.
Nem a mesma sequência de acordes não é.
Mas o meu espanto é que as pessoas estão descobrindo que sequências de acordes são usadas e infinitas músicas usam as mesmas. Seja a famosa I–V–vi–IV (tem até uma página no Wikipedia mostrando o tanto de músicas com essa sequência), ou uma sequência menos esperada como a de Song 2.
O plágio na música ocorre em dois contextos: com uma ideia musical (isto é, uma melodia ou motivo) ou um sampler (pegar uma parte de uma gravação sonora e reutilizá-la numa canção diferente).
Esse é basicamente um resumo de que um tribunal irá avaliar num processo, geralmente com um o uso de especialistas e etc pra provar se tem cabimento ou não.
Naquele caso de Dark Horse da Katy Perry, tem um vídeo muito bom do Adam Neely falando sobre o perigo de se abrir mais opções de plágio do que isso que citei acima.
Se as sequências de acordes começarem a ser usadas como argumento de plágio, não vai dar mais pra fazer música no mundo.
Então o lance é deixar o time de advogados dos artistas entrarem com uma ação e qualquer outra coisa é jogar para a torcida. Se realmente foi, o que é totalmente possível uma artista gigantesca internacional copiar uma artista brasileira, que se entre com um processo e peça pra entrar nos créditos.
E a gente sabe que teve banda que entrou no crédito de discos famosos depois do disco já estar no ar e vendendo absurdas cópias por aí.
É o famoso. “Se ninguém perceber, beleza!”
Se inspirar é uma coisa. Se apropriar é outra completamente diferente.
O lance é roubar como um artista. (Leia esse livro aqui)
Por Brunno Lopez
POSTUMIDADES
Márcio Viana já fez uma belíssima introdução sobre o gênio artístico brasileiro que perdemos. Eu iria complementar com outro gênio, do Hard Rock, que também não faz mais parte desse universo. Iria não, vou.
Porém, sempre que percebemos que estamos sem as referência de personalidade que nos inspiraram, sentimos que não estamos mais vendo o tempo passar. O automático sequer nos paralisa, sempre engolimos a máxima de que a vida continua.
No caso de CJ Snare, esperamos apenas que ele tenha encontrado o ‘Love of a Lifetime’ que passou a vida toda cantando. Seu timbre único e ressoante foi o norte vocal de um gênero base para tantos outros.
Impossível não se emocionar nos dois momentos: em sua performance nos palcos e em sua despedida. O privilégio dos artistas é que vozes não se calam quando a sua obra resiste nos formatos radiofônicos.
O Kiss tem o segundo melhor acústico de todos os tempos.
O primeiro, é este aqui.
É isso pessoal! Espero que tenham gostado dos nossos comentários e dicas.
Abraços do nosso time!
Bruno Leo Ribeiro, Vinicius Cabral, Brunno Lopez e Márcio Viana